Panorama internacional

SWIFT: arma de guerra em decadência ou único sistema de pagamento internacional confiável?

Difícil de explicar, mas presente no mundo todo, a Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT, na sigla em inglês) completou 50 anos em 2023.
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Sua supremacia, entretanto, está cada vez mais ameaçada devido a seu mau uso nos últimos 20 anos, de acordo com especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, nesta quarta-feira (4). Dezenas de países já utilizam, ainda que de maneira incipiente, alternativas de pagamento para compras e vendas bilaterais.

"Há uma tendência global e liderada por alguns países-chave, como Rússia, como China, como Índia, de buscar alternativas e novas formas de desenvolvimento de sistemas voltados a transferências financeiras e de informações entre seus habitantes, entre seus cidadãos e também para facilitar o comércio e as transferências internacionais de recursos", destacou o professor de relações internacionais do Ibmec Walter Franco.

Criado em 1973 para enviar e receber informações sobre transações internacionais de maneira segura e padronizada por instituições financeiras, o SWIFT funciona na Bélgica e obedece às leis da União Europeia (UE) — leis que dizem respeito, inclusive, ao sigilo bancário e ao direito à privacidade.
O professor de negócios internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) Paulo Ferracioli afirmou que esse sistema funcionou bem até o atentado contra as Torres Gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001. A partir de então, uma série de leis dos EUA passou a permitir quebras de sigilos bancários com o argumento de combater o terrorismo.
Com a criação do programa Prisma, que funciona sob a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês), para captar todas as informações possíveis que venham a passar pela Internet, buscou-se um acordo entre EUA e UE a respeito do SWIFT, contou ele.

"A gente vai assistir, desde então, uma forma de permitir que o SWIFT se torne um instrumento que permita aos Estados Unidos verificar a grande maioria das transações financeiras realizadas entre países. Uma transferência de moedas, digamos, do Brasil para o Irã, se isso estiver descumprindo alguma legislação [dos EUA], alguma sanção contra o Irã, os Estados Unidos ficarão imediatamente sabendo, porque o SWIFT vai ser mais acessível aos Estados Unidos."

É a partir daí que o SWIFT passa a ser usado pelos EUA como uma arma para impor sanções e retaliações a adversários e países considerados inimigos, frisou ele.

"Se um país resolver não obedecer à sanção americana, por exemplo, ao Irã e fizer negociações com o Irã, o banco desse país que fez a negociação com o Irã pode ser […] sancionado pelo governo americano, proibindo esse banco de operar no sistema de Nova York, o que é gravíssimo", exemplificou Ferracioli.

O especialista salientou que o conflito entre Rússia e Ucrânia na Crimeia, em 2014, evidenciou essa utilização do sistema para atender aos interesses norte-americanos e do Ocidente.
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As sanções à Rússia também contribuíram para enfraquecer a importância do SWIFT, na opinião do especialista em relações internacionais.
"Só aí eu já tive uma queda do movimento do SWIFT gigantesco, porque nós bloqueamos importação e exportação de bens, grande parte deles, entre esses dois grandes blocos econômicos. E obviamente, do meu ponto de vista, com uma perda para o lado europeu, ocidental muito maior do que para a parte da Rússia", comentou Franco.
Centenas de sistemas alternativos têm surgido nos últimos anos, alguns inclusive consolidados para transações bilaterais, como os da China, Índia e Rússia.

"O sistema que está mais avançado, que é o mais interessante, é o sistema chinês, o CIPS. É um sistema que viabiliza transações em renminbi, em yuan, de forma simples, fácil, e que fica do conhecimento apenas da China e do país que estiver envolvido na transação", comentou Ferracioli. "Por exemplo, os pagamentos do gás que o gasoduto Força da Sibéria vende para a China, a China não faz em dólares. E a Rússia faz compras na China através do sistema CIPS", esclareceu o professor da FGV.

SPFS: sistema russo de pagamentos

O sistema de pagamentos internacional alternativo ao SWIFT foi criado em 2014 e vem modificando de maneira significativa o cenário financeiro global, segundo os entrevistados.

"Diante dessas ameaças que surgiram após o episódio Crimeia, surgiram pressões para que o SWIFT excluísse os bancos russos, que só viriam a ser excluídos posteriormente. Mas começaram essas pressões, e os russos decidiram começar a criar um sistema novo, que é o SPFS", disse o professor de negócios internacionais.

O Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras (SPFS, na sigla em russo) já conta com 557 bancos e empresas, inclusive 159 estrangeiras de 20 países, de acordo com as autoridades russas.
"Desde 2022, a presidência do Banco Central da Rússia decidiu que não daria mais os nomes dos países e das organizações que aderiram ao SWIFT. Porque o SWIFT, quando aderia um novo banco, começava a pressionar o banco para que não aderisse ao sistema [russo]. A última [lista] que tem é de 20 países que estão interligados e 23 bancos importantes internacionais", comentou Ferracioli.
Para Franco, o sistema russo, que já tem dez anos, trouxe capacidade de aumento de concorrência, de velocidade e maior controle estatal de suas próprias transações.

"A partir do momento que você desenvolve a sua própria ferramenta, o controle sobre a sociedade — não é um controle sob o ponto de vista negativo, mas sim de um controle de você ter uma mensuração dos volumes e das transações — é muito maior. Então vejo, sob esse ponto de vista, que é positivo esse sistema, tem sim possibilidade de crescer e se desenvolver e de agir paralelamente a diversos outros no cenário global internacional."

Dólar e SWIFT: duas faces da mesma moeda

O problema, ponderou Ferracioli, é que a maior parte das transações financeiras hoje são feitas em dólar, que força muitos países a utilizarem o SWIFT.

"Se o sistema russo começar a funcionar bem, não vai imediatamente substituir o efeito SWIFT. Nem vai imediatamente significar que o dólar deixará de ser utilizado. Mas cria possibilidades da utilização de outras moedas para que alguns países possam se interessar."

Atualmente, é muito difícil fugir do SWIFT devido à dependência do dólar, comentou ele. Logo, a busca pelo uso de outras moedas acaba se tornando uma consequência nesse processo.
O professor do Ibmec opinou que esses movimentos fazem parte de um processo natural de desenvolvimento, enriquecimento, diversificação de outras economias, de novos pactos comerciais e visões políticas, fruto de mudanças na realidade da geopolítica mundial.

"Utilizo, no caso da China, o CIPS, ou, no caso da Índia, o UPI, para desenvolver o comércio. Então naturalmente outras moedas ganham preponderância e peso nesse cenário internacional, o que diminui, certamente, o peso e a importância do dólar nesse mesmo comércio."

Franco defendeu ainda a criação de mecanismos para negociar e liquidar operações de moedas diferentes, em vez de uma única moeda.

"A questão da conversibilidade de moeda é uma coisa muito mais importante, no meu entender, do que simplesmente você criar uma moeda comum […]. Ao criar uma moeda comum, você vê como a Europa passa toda a dificuldade para ter um Banco Central único e você interfere nas políticas próprias […]. Muito mais importante do que se preocupar com moeda comum é efetivamente se preocupar com o crescimento do comércio, as relações entre os países, o desenvolvimento dos blocos eventualmente comerciais que sejam […]", completou ele.

BRICS

Para o BRICS, cujos países buscam mudar a organização de governança do planeta, encontrar alternativas ao dólar e ao controle dos EUA não é uma mera questão tecnológica; é uma questão política, comentou Ferracioli.
Franco defendeu que a hegemonia do dólar já não é algo inquestionável.

"Neste exato momento no mundo, diversas nações e moedas vêm apresentando um protagonismo importante, e se você olhar sob o ponto de vista desses mecanismos, em especial o da Rússia, de uma forma ou de outra eles, sim, facilitam e permitem que moedas que não sejam o dólar americano organizem-se e viabilizem comércio e transações financeiras […]", argumentou.

Brasil

O Brasil viabilizaria algo semelhante, no entender do professor do Ibmec, se tivesse alguma vantagem comercial.
"Para o Brasil faria muito sentido participar, conhecer e tentar algum tipo de parceria, algum tipo de conexão, se for interessante comercialmente", sendo a questão da velocidade e agilidade um dos atrativos para o país, opinou.
No longo prazo, ele disse imaginar que a consolidação de sistemas é um caminho sem volta e que isso vai fortalecer o comércio internacional, o fluxo de capitais internacionais, as transferências e os investimentos.

"Vai ser natural que um país ou outro, mesmo do Ocidente, que hoje esteja aí eventualmente participando da sanção contra a Rússia, amanhã se alivie embaixo desse sistema para fazer uma transação financeira", previu ele. "Ou seja, uma maior participação de players saindo do centro tradicional, do desenvolvimento clássico do capitalismo europeu, americano, e outras nações usufruindo dessa riqueza, desenvolvendo […] formas de comércio alternativas, […] e maneiras de agir politicamente também alternativas, questionando inclusive determinados tipos de ação", concluiu.

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