Panorama internacional

Brasil precisa correr atrás de Rússia e China e fortalecer cooperação com a Mongólia, diz analista

Nesta semana, o presidente russo, Vladimir Putin, avança a agenda de cooperação durante sua visita à Mongólia. Brasil tem muito mais em comum com a Mongólia do que parece, e o país pode fortalecer laços com esse país estratégico na nova geopolítica mundial, diz analista.
Sputnik
Entre os dias 2 e 4 de setembro, o presidente russo, Vladimir Putin, realizou uma visita de Estado à Mongólia, onde assinou cinco novos acordos de cooperação com seu homólogo Ukhnaagiin Khurelsukh. Realizada em data histórica, a visita selou o avanço de um dos principais projetos energéticos da Rússia: a construção do gasoduto Power of Siberia 2 (Força da Sibéria 2).
A visita de Putin coincidiu com datas de suma relevância na história das relações bilaterais: o 85º aniversário da vitória conjunta sobre o 6º Exército japonês na Batalha do rio Khalkhin Gol, em 1939. O ano de 2024 também marca o 75º aniversário da fundação da ferrovia de Ulan Bator, construída em parceria com a União Soviética.

"Durante um período crítico para a Mongólia, no verão de 1939, a URSS, fiel ao seu dever de aliada, e de acordo com o Protocolo de Assistência Mútua de 12 de março de 1936, respondeu imediatamente à solicitação do governo mongol para ajudar a repelir a agressão japonesa no rio Khalkhin Gol", disse Putin em entrevista ao jornal local Unuudur. "Mais de 10 mil combatentes e comandantes do Exército Vermelho deram suas vidas na batalha pela liberdade e independência da Mongólia."

Durante a entrevista, o presidente russo ainda lembrou que "o nosso país foi o primeiro do mundo a reconhecer a independência da Mongólia, em 1921, e por muito tempo permaneceu como o único garante de sua soberania e segurança".
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente da Mongólia, Uhnagiin Khurelsukh (ao fundo), durante uma declaração conjunta à mídia após conversas russo-mongóis em Ulan Bator, Mongólia, 03 de setembro de 2024
Acompanhado de uma vasta delegação de ministros, o presidente russo priorizou o fortalecimento das relações econômicas e comerciais com Ulan Bator e visitou um estabelecimento educacional que fornece educação russa para a juventude local.
A visita resultou na assinatura de quatro acordos de cooperação e um memorando de entendimento. Entre eles, acordos para a reconstrução de uma usina termoelétrica em Ulan Bator, sobre o fornecimento de produtos petrolíferos e de garantia de abastecimento de combustível de aviação à Mongólia.
Soldados da companhia de guarda de honra na cerimônia de colocação de uma coroa de flores pelo presidente russo Vladimir Putin e pelo presidente mongol Uhnaagiin Khurelsukh no monumento a Georgy Zhukov em Ulan Bator, Mongólia, 03 de setembro de 2024
Além disso, foram anunciados avanços na construção do gasoduto Power of Siberia 2, que ligará a região produtora russa de Yamal ao mercado chinês. Estimativas apontam que o gasoduto terá capacidade de 38 bilhões de metros cúbicos anuais a partir de 2025, reportou a Reuters.
Apesar de estar localizada em uma região estratégica para a economia mundial, a Mongólia é pouco conhecida dos brasileiros, lamentou a docente do curso de Relações Internacionais da UNESP e especialista em assuntos da Ásia Central, Danielle Maiko.
"No Brasil, não há menções à Mongólia na mídia nacional, nem nas instituições educacionais, desde o ensino básico até o superior. Temos uma lacuna grande em olhar, estudar e conhecer as regiões mais afastadas", disse Maiko à Sputnik Brasil. "E temos muitas semelhanças, como a nossa diversidade geográfica, biodiversidade, reservas de recursos naturais, e a produção agrícola como atividade importante."
Desde que os países estabeleceram relações diplomáticas em 1994, o Brasil tem se mostrado interessado em uma "cooperação mais robusta" com a Mongólia, disse a especialista. Área de grande potencial bilateral é a agenda da sustentabilidade, cara ao lado mongol em função da expansão de áreas áridas e semidesérticas em seu território.
O presidente russo Vladimir Putin e o presidente mongol Ukhnaagiin Khurelsukh (direita) durante uma reunião em Ulan Bator, Mongólia, 3 de setembro de 2024
A economia mongol é marcada pelo desenvolvimento da pecuária, historicamente praticada pelos povos nômades no território. Segundo Maiko, a formação geográfica mongol, na qual predominam as estepes, também favorece o desenvolvimento agrícola.
"Uma segunda característica importante da atividade da Mongólia é a atividade extrativista, sobretudo pensando no extrativismo de minerais. A Mongólia é um país extremamente rico em minérios importantes, como minério de ferro, carvão, cobre, ouro, prata, entre outros, e boa parte da sua economia sobrevive, se baseia, na extração e na exportação desses minerais", explicou a docente da UNESP.
No entanto, a Mongólia deve conviver com um grande empecilho ao seu desenvolvimento econômico: a ausência de saída para o mar. Localizada entre Rússia e China, a economia mongol depende de seus vizinhos para escoar a sua produção, o que automaticamente aumenta os custos de transporte de seu setor exportador.
O presidente russo, Vladimir Putin, à esquerda, e o presidente da Mongólia, Ukhnaagiin Khurelsukh, em uma cerimônia de colocação de coroa de flores no monumento a Georgy Zhukov em Ulan Bator, Mongólia, 3 de setembro de 2024
"As características geográficas da Mongólia, de certa maneira, restringem o seu comércio internacional, já que elevam os custos de produção", notou Maiko. "Isso afeta o incentivo ao desenvolvimento produtivo industrial, já que os investidores pensam duas vezes antes de apostarem em produtos que serão menos competitivos no mercado internacional, considerando a oneração dos custos de transportes elevados."
Historicamente, a economia de Ulan Bator dependeu em grande medida das economias de seus vizinhos Rússia e China, com destaque para as relações próximas com a União Soviética durante o século XX.
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, sendo recebido pelo então presidente da Mongólia, Khaltmaagiin Battulga em 3 de setembro de 2019
"Atualmente o país ainda não é autônomo em produção de energia, dependendo bastante do óleo e gás russo. Essa vulnerabilidade vem justamente por laços históricos com países muito mais poderosos, com economias muito mais pujantes, o que intimidou, de certa forma, a sua produção nacional", disse Maiko.
De acordo com o jornalista e pesquisador Floriano Filho, desde a queda da URSS, a Mongólia não empreendeu projetos robustos de desenvolvimento de longo prazo e, portanto, não superou sua dependência energética internacional.
"Além disso, a Mongólia conta com a exportação de commodities que serão descontinuadas, como o carvão", disse Floriano Filho à Sputnik Brasil. "Com a transição energética de países como a China, o carvão mongol tende a perder espaço, o que pode complicar a situação internacional do país no futuro."
O especialista reconhece o esforço mongol para diversificar a sua matriz energética, que hoje é 7% oriunda de energias renováveis. Segundo ele, a Mongólia também negocia com Rússia e China a construção de usinas para a produção de energia nuclear no país.

Transição geopolítica

No atual contexto de transição geopolítica, a Mongólia busca auferir vantagens de suas relações com os seus vizinhos de maneira balanceada. A diplomacia mongol logrou o estabelecimento do diálogo trilateral Rússia-Mongólia-China, que se reúne anualmente para promover a integração econômica.
"Desde a criação do projeto Nova Rota da Seda pela China, a Mongólia e demais países da Ásia Central vêm tentando se atrelar à iniciativa", lembrou Maiko. "O projeto também faz brilhar os olhos de Moscou e tem sido uma das principais frentes de cooperação entre Rússia e China."
Nesse contexto, o projeto Nova Rota da Seda tende a integrar as três economias, fornecendo alternativas logísticas para a região norte da China e da Mongólia – que poderão escoar a sua produção a partir de Vladivostok – e acesso facilitado russo ao mercado consumidor asiático.
A cooperação entre Rússia e China na Mongólia é essencial para a paz e estabilidade na Eurásia, uma vez que o país se constitui, de fato, em um Estado tampão entre as duas potências nucleares. No entanto, a posição estratégica mongol pode transformá-la em alvo de potências extrarregionais, interessadas em desestabilizar os vínculos entre Moscou e Pequim.
"Estamos falando de um mundo globalizado, então não tem como imaginar que na Mongólia só operem Rússia e China, que não haja a influência de outros atores estrangeiros. Então, é claro que existe a presença de capital e de influência política de atores ocidentais, sobretudo a União Europeia, EUA, algumas outras alianças e organizações internacionais lideradas por Estados ocidentais", disse Maiko.
A especialista nota, porém, que "esta é uma presença que realmente não se pode comparar à presença de Rússia e à presença de China, que são países que, pela sua própria proximidade geográfica, mas também por uma questão histórica, têm uma capacidade de penetração muito maior na economia e na política mongóis".
Panorama internacional
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Ao final de sua visita, Putin estendeu ao seu homólogo mongol o convite para visitar Moscou e participar das comemorações dos 80 anos da vitória sobre o nazismo na Grande Guerra pela Pátria (1941-1945). O presidente russo reconheceu o apoio dado pela Mongólia à União Soviética na ocasião, garantindo a vitória contra o Exército Kwantung japonês, em 1945.
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