Panorama internacional

Eleições à vista e cenário político conturbado: Geórgia pode sofrer um golpe do Ocidente?

Prestes a passar por eleições parlamentares no próximo mês, a Geórgia pode embarcar em uma revolução colorida empreendida pelos Estados Unidos. Analistas comentam a possibilidade e avaliam o contexto histórico do país.
Sputnik
De acordo com o Serviço de Inteligência Externa da Rússia (SVR, na sigla em russo), que apontou a possibilidade de intervenção norte-americana, as ONGs pró-ocidentais do país estão recrutando um grande número de pessoas para monitorar de perto as eleições parlamentares de 26 de outubro, querendo descredibilizar o pleito.
A intervenção dos EUA na política georgiana, entretanto, não é novidade alguma, aponta Rodrigo Ianhez, historiador e especialista em história da União Soviética, em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil. Segundo o especialista, desde o fim da URSS "a Geórgia já sofreu algumas revoluções coloridas […]. Agora há tensão, há pressão".
Em 2003, a Geórgia passou pela então denominada Revolução Rosa, um momento considerado de ingerência de poderes estrangeiros sobre a definição da política nacional, que culminou com um golpe, no qual o governo foi assumido por um dos líderes insurgentes, Mikhail Saakashvili, que ficou no poder até 2012.
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O governo Saakashvili foi "muito alinhado aos Estados Unidos", recorda Ianhez. A possibilidade de intervenção passa justamente por esse cenário, segundo os analistas. O atual governo da Geórgia, dirigido pela presidente Salome Zurabishvili, do partido Sonho Georgiano, não segue religiosamente as medidas do Ocidente, embora seja uma administração que o leve em consideração.
E, nos últimos três anos, "o partido tenta uma reaproximação com a Rússia e busca um equilíbrio entre esses dois polos", conta o historiador. Essa posição, portanto, tem levado a oposição a "taxar o partido como alinhado à Rússia, servindo aos interesses de Putin. Mas não é o caso", acrescenta.
O cenário mostra, segundo Danielle Makio, professora no curso de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em relações internacionais pela Universidade KIMEP, no Cazaquistão, e membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), que "não podemos afirmar que as instituições da Geórgia estão seguras, muito pelo contrário".

"A Geórgia tem sofrido alguma pressão do Ocidente para se alinhar a uma agenda liberal democrática, uma agenda político-ideológica mais próxima desse mundo ocidental, considerando todas essas influências externas e considerando a própria situação da política nacional. Tivemos recentemente levantes populares muito importantes na Geórgia. Uma parcela significativa da população indo às ruas questionar a decisão do governo de aprovar a lei dos agentes estrangeiros, por exemplo", contextualiza a especialista.

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População dividida, cenário polarizado

De acordo com Ianhez, a Geórgia conta com uma população dividida. "[…] há uma divisão social bastante marcada em como as pessoas vão observar essa situação. Em primeiro lugar, aquelas pessoas que vivem em Tbilisi, a capital da Geórgia, têm uma posição bastante diferente daquelas que vivem na província". Ou seja, segundo o historiador, a população da capital costuma tendenciar suas preferências para as relações com o Ocidente, enquanto os provincianos enxergam com bons olhos as relações regionais com os vizinhos russos.
Além disso, os marcadores de classe e idade são importantes. Ianhez afirma que a população mais jovem e a classe média alta também têm uma tendência pró-Ocidente. Já os mais velhos costumam ter uma relação muito melhor com o passado e uma relação mais tranquila com a Rússia, e a classe trabalhadora desconfia do Ocidente.

"A gente observa nos inúmeros protestos que têm ocorrido, alguns bastante turbulentos, nos últimos meses. Esses protestos ocorrem basicamente com uma oposição se opondo ao governo e levantando bandeiras da União Europeia, da Ucrânia. Houve uma manifestação que foi em apoio ao governo, e essa manifestação imediatamente foi taxada como um esquema da Rússia. E os participantes, muitos vindos da província, foram apresentados como pessoas ignorantes, enfim, de pouca instrução, sem esse refinamento urbano e das classes altas da Geórgia", exemplifica o historiador sobre o atual momento vivido no país.

Makio reafirma que a Geórgia vive uma situação política polarizada, com uma parcela da população que olha para o passado com um olhar crítico e apoia uma aproximação maior com o Ocidente, enquanto há aqueles que olham para o passado de uma forma mais nostálgica, "entendendo que o legado disso é uma política de um Estado e uma sociedade que têm muito mais a ganhar com uma cooperação com parceiros mais históricos e mais próximos pensando cultural e politicamente".
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Embora a situação de polarização seja evidente, Inhaez aposta que a influência russa tem ganhado espaço no governo georgiano, que tenta fazer esse equilíbrio nas relações com o Ocidente e com o Oriente.
"Eu realmente não creio que o Ocidente consiga se impor com muita facilidade, mesmo se valendo da crise instaurada e das eleições que observaremos nas próximas semanas", avalia o historiador.
Além disso, a participação da Rússia na economia georgiana é imprescindível. Conforme o historiador, a Geórgia tem uma economia agrícola e é uma importante produtora de vinhos, e, historicamente, "90% dos vinhos são consumidos pela Rússia".
Outra fonte de renda importante é o turismo. Nesse setor, afirma Ianhez, a participação russa é de "80% visitando o país vizinho".
A professora da Unesp, Danielle Makio, destaca ainda que o país também tem se aproximado da China, o que pende ainda mais para uma relação mais amistosa com a Rússia, grande parceira de Pequim.

"Esse desejo de uma cooperação mais próxima com a China também acaba fazendo com que haja uma certa reorientação de relações internacionais, pensando um pouco mais nesse entorno eurasiático russo e da China, e não tanto em uma relação exclusiva com o Ocidente ou que coloque o Ocidente como prioridade cabal", analisa.

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