Pacote anti-STF indica desequilíbrio crescente nas relações entre os Poderes, afirmam analistas
16:02, 15 de outubro 2024
A queda de braço entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal ganhou novos contornos na semana passada, depois que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a PEC 8/2021, um pacote de propostas que limitam os poderes da Corte Suprema.
SputnikO texto, chamado nos bastidores de pacote anti-STF, foi enviado pelo Senado no final de 2023. A proposta estava engavetada até sair a decisão do ministro Flávio Dino, em agosto, que suspendeu as
emendas parlamentares impositivas, conhecidas como "emendas Pix", por falta de transparência. As emendas impositivas são aquelas que o governo é obrigado a executar. Somente este ano as emendas individuais de transferências especiais somam
R$ 8,2 bilhões.
Na última quarta-feira (9), o texto foi aprovado por 39 votos a 18. Uma das medidas proíbe decisões monocráticas dos ministros do STF, que são decisões individuais provisórias, que depois devem ser confirmadas em plenário. Em agosto, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a suspensão das emendas impositivas determinada por Dino.
Na prática, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) quer evitar que ministros suspendam individualmente os efeitos de leis aprovadas pelo Congresso Nacional.
O texto deve ser analisado por uma comissão especial e, só então, será discutido em plenário da Casa, mas sinaliza o
acirramento das tensões entre o Congresso e o órgão máximo do Poder Judiciário.
Especialistas em relações institucionais e na política brasileira foram ouvidos pela Sputnik Brasil sobre a disputa e seus impactos para o país.
Pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), a cientista política Daniela Costanzo observou que os embates entre os Poderes fazem parte do jogo político, mas a recente ofensiva do Congresso com o pacote demonstra um desequilíbrio superior do que o salutar para a organização política e administrativa do Brasil.
"Quando a gente fez esse sistema no Brasil, na Constituinte e tudo mais, houve uma discussão na literatura da ciência política muito forte, se ele funcionaria ou não. A tese que acabou ganhando é de que ele funcionaria sim, justamente porque o presidente teria certa prevalência sobre o Legislativo. O presidente teria poderes legislativos, poder de agenda, poder sobre o orçamento, medida provisória. Tudo isso faria o sistema funcionar", esclareceu ela.
Entretanto, o preço a pagar pela governabilidade nas últimas décadas tem sido muito alto:
"[…] o que sustentava essa relação, depois a gente foi descobrindo, eram coisas como o Mensalão, o Petrolão, o orçamento, o escândalo dos anões do orçamento. Tudo isso meio que estava sustentando essa relação. Depois, o orçamento secreto. Hoje, o Legislativo ganhou muito poder, especialmente durante o governo [do ex-presidente Jair] Bolsonaro", opinou.
Emendas parlamentares impositivas: motivo da discórdia
Para que as emendas voltassem a valer, o STF determinou que o Congresso e o Executivo apresentassem regras e mecanismos para garantir mais "transparência, rastreabilidade e eficiência" na liberação desses recursos, o que não foi feito até o momento.
As Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado e mais nove partidos entraram com
pedido de suspensão da decisão do STF e ensaiaram
medidas de retaliação, como o veto pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) a uma medida provisória para dar
crédito extraordinário ao orçamento do Poder Judiciário.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Candido Mendes (Ucam), Theófilo Rodrigues lembrou que a origem da discórdia atual começou há dez anos, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB), colocou na pauta a PEC 358/2013, que tornou obrigatória a execução das emendas individuais ao Orçamento da União, o chamado Orçamento Impositivo.
"A partir de 2015, sob a presidência de Eduardo Cunha [PMDB], a Câmara acelerou sua relação conflituosa com o Poder Executivo, o que culminou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff [PT] em 2016", relembrou ele.
Em 2022, o STF julgou pela inconstitucionalidade das
emendas do orçamento secreto, que seguiam a mesma lógica das "emendas Pix", gerando reações negativas no Congresso.
Para o cientista político, esse desequilíbrio na relação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo aumentou sob a presidência do deputado Arthur Lira (PP) na Câmara, a partir de 2021, sobretudo, após o surgimento do chamado orçamento secreto:
"Tudo isso transformou para pior o modelo de presidencialismo de coalizão que organizou o sistema político brasileiro nas últimas décadas."
A pesquisadora pontuou que o governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado interferir na contenda entre Congresso e Suprema Corte, na esperança de que o texto não seja aprovado.
Rodrigues avaliou que é grande a probabilidade de que Lula vete a maioria das medidas do pacote contra o STF, caso seja aprovado pela Câmara.
"Ao menos essa é a sinalização que o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, tem passado", comentou.
O avanço dos embates, segundo ela, deve-se principalmente às ações do governo anterior do ex-presidente Jair Bolsonaro, que possibilitaram que o Legislativo ganhasse um poder desproporcional.
"Agora temos um presidente que tradicionalmente é mais forte, e todo o sistema está tentando diminuir o poder do Legislativo, que tinha avançado enormemente. Então acho que essa é a atual conjuntura desses embates", opinou ela.
O professor destacou que desde a última eleição de Lula, há uma "clara sintonia" entre o Poder Judiciário e o Executivo, o que não ocorre em relação ao Legislativo, que tem agenda conservadora e neoliberal oposta à do governo federal.
"Como o presidente Lula é de um partido minoritário no parlamento, ele precisa construir alianças com partidos que possuem interesses opostos no Poder Legislativo para construir uma agenda mínima para o país."
A falta de engajamento político por parte da população é um agravante nessa crise, argumentou a professora, pois maus atos dos deputados ficam impunes pela falta de memória dos eleitores.
"Acaba que esses deputados não têm que responder muito pelo que fazem, ao contrário do presidente, que é visto como alguém que tem muito poder no país."
Rodrigues salientou que quem sai perdendo na disputa é a sociedade brasileira, pois um pacote anti-STF, como o que tramita na Câmara, prejudica principalmente a democracia.
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