Panorama internacional

Caos na política francesa é reflexo de uma Europa cada vez mais incompetente, notam analistas

Desde 5 de setembro, o Michel Barnier (Republicanos) é o primeiro-ministro da França. A escolha de Macron chocou todos que esperavam um premiê representativo das últimas eleições legislativas. Especialistas, no entanto, destacam que a bagunça da Quinta República Francesa é um sintoma de uma Europa cada vez mais perdida com o seu lugar no mundo.
Sputnik
No início de junho, o presidente da França, Emmanuel Macron, dissolveu a Assembleia Nacional, câmara baixa do parlamento francês, e convocou novas eleições para o final daquele mês.
Para o chefe de Estado, seria sua chance de ir para o embate direto com o Reagrupamento Nacional, partido de direita nacionalista da França liderado por Marine Le Pen, que venceu as eleições francesas para o Parlamento Europeu.
Após dois turnos eleitorais, o partido macronista Ensemble (Juntos) fez uma aliança com a coalização de esquerda Nova Frente Popular, liderada por Jean-Luc Mélenchon. Como resultado, ambos os partidos conseguiram a vitória sobre o Reagrupamento Nacional, mas nenhum obteve maioria decisiva.
Como resultado do pleito, o Legislativo se encontrou em situação de paralisia, já que Gabriel Attal, o antigo primeiro-ministro, não mais representava os deputados eleitos, porém tampouco os legisladores chegavam a um acordo sobre quem deveria liderá-los.
O que essa confusão parlamentar significa para a França e Europa foi tema do episódio desta quarta-feira (23) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
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Caos à francesa

A Quinta República Francesa possui um sistema de governo semipresidencialista no qual cabe ao presidente liderar o país em temas de defesa e política externa, enquanto o primeiro-ministro é encarregado das políticas internas e econômicas. A divisão, contudo, é um costume adquirido pela Quinta República e não está explícita na Constituição.
Também cabe ao presidente nomear o premiê, que deve ser aceito pela Assembleia Nacional. Isso dá ao chefe de Estado meios para direcionar, em parte, a política exercida pelo chefe de governo.
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Foi o que fez Macron ao nomear Michel Barnier, do partido de direita Republicanos, o mesmo do ex-presidente Nicolas Sarkozy, para exercer o cargo frente a um parlamento que se inclina à esquerda.
Em entrevista ao Mundioka, Luiz Domingos, mestre em ciência política e professor da Escola Jurídica do Centro Universitário Internacional Uninter, usou justamente essa falta de maioria clara da Nova Frente Popular na Assembleia Nacional para criar um governo de centro-direita.
"É uma tentativa de sintonia com essa nova tendência que se fortalece na Europa", afirmou Domingos. "E também de apontar para o ajuste fiscal que vem sendo cobrado pela União Europeia."

"Por mais que haja muitas críticas em relação a isso, ele tenta uma inserção nesse ambiente novo das forças políticas na Europa."

De certa maneira, a iniciativa do presidente é incoerente, ressaltou o professor da Uninter. "Ele foi enfático ao dissolver o Parlamento e em falar que a França não ia se dobrar ao extremismo de direita, e agora ele acena para esse grupo."

Como está a França, está a Europa

Bruno Garcia, historiador e pesquisador da Universidade Nova de Lisboa, destacou ao podcast que Macron não tem como intuito montar um governo com um plano para a França, mas sim garantir a governabilidade. "É muito complicado para a situação da França hoje pensar em alguma coisa um pouco mais ambiciosa do que isso."

"O risco de ingovernabilidade é real. E é alguma coisa que não está restrita especificamente à França, mas também a outros países da Europa."

Em meio a essa ameaça à estabilidade francesa, Macron surge como mediador, uma vez que não defende nenhuma pauta própria. "É quase como o menor risco para qualquer lado", define Garcia.
Equilibrar as forças internas, contudo, não é suficiente para que Macron se justifique no poder pelos próximos anos. O impasse no parlamento francês é grande, e nenhuma proposta de interesse nacional consegue andar.
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Para suplantar essa perda de popularidade devido à crise interna, Macron tenta angariar apoio doméstico ao se posicionar como "principal liderança da União Europeia [UE] em um momento delicado", explicita o historiador.
Recentemente, Macron apareceu em um programa de debates alemão cujo tema era o lugar da UE em um futuro multilateral. A premissa, que por si só causaria temor nos líderes europeus do passado, foi completamente aceita pelo presidente francês.

"Ora, se existe um futuro multilateral que é aceito pela União Europeia, isso também é uma forma implícita de a União Europeia aceitar certo papel menor na política internacional", decreta Garcia.

Desde a desindustrialização da Europa, nos anos 1970 e 1980, o continente passa por um processo de declínio não só econômico e geopolítico, mas de suas próprias lideranças políticas. "Uma geração muito fraca, muito medíocre", diz o especialista.
Alemanha, Holanda, França, Portugal, Suécia e muitos outros são países que Garcia aponta como possuindo um equilíbrio "muito precário" em seus governos.
"São lideranças pouco convincentes, muito pouco bem informadas e sendo servidas por funcionários de Estado de enorme incompetência."
Nesse cenário, a Europa precisa urgentemente "repensar qual é o lugar dela no que diz respeito à política externa, uma vez que o continente perdeu seu lugar dentro das cadeias logísticas de valor com a ascensão da China como protagonista do desenvolvimento tecnológico; perdeu sua relação com a Rússia, na qual sua capacidade produtiva era dependente da energia barata; e, por fim, perdeu sua capacidade de exercer uma política externa autônoma com a proximidade com os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

"O impasse é muito grande", crava Garcia.

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