No dia 8 de outubro, o CNE aprovou, com 7 votos a favor e 2 contra, uma investigação contra o presidente Petro por ultrapassar os limites de gastos durante a campanha presidencial que culminou em sua vitória sobre Iván Duque. A acusação denuncia a omissão de alguns empréstimos e depósitos nas contas que os candidatos devem apresentar ao final das eleições.
Petro vem rebatendo as acusações. Em uma publicação nas redes sociais, o
presidente colombiano ponderou que o CNE não tem competência para exigir que ele deixe seu cargo — uma investigação desse âmbito caberia ao Legislativo colombiano, não a um órgão administrativo como o
Conselho Nacional Eleitoral.
Além disso, ele afirmou que a medida trata-se de uma "estratégia explicitamente proposta por Néstor Humberto Martínez [ex-procurador-geral da Colômbia] e por Germán Vargas Lleras [ex-vice-presidente do país]".
"Estamos diante de um golpe de Estado baseado em provas falsas", enfatizou o presidente.
Em entrevista ao
Mundioka, podcast da
Sputnik Brasil, especialistas analisam a situação enfrentada por Gustavo Petro, o primeiro presidente com tendências progressistas em um país historicamente dominado por forças políticas da direita e sob forte
influência dos Estados Unidos.
Desde o final do século XIX a Colômbia consolida uma dualidade de partidos, com disputas protagonizadas pelos partidos Liberal e Conservador.
Após a Guerra dos Mil Dias, uma disputa interna vencida pelos conservadores, o país sul-americano assistiu a uma hegemonia que perduraria até 1930. Na sequência, os liberais liderariam a Colômbia por cerca de 16 anos, até outra disputa sangrenta colocar os dois partidos frente a frente na briga pelo poder, que teve o assassinato do líder do Partido Liberal, Jorge Gaitán, em 1948, como episódio marcante do período, conta Eduardo Gomes, doutor em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em história da Colômbia.
A sobreposição dessas forças no poder por meio da violência teve como consequência, por exemplo, o surgimento de
movimentos de oposição calcados na violência e na ilegalidade,
como os casos das guerrilhas nos anos 1960, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), do Exército de Libertação Nacional (ELN) e do próprio Partido Comunista colombiano.
Petro, por sua vez, quando considerado o primeiro presidente de esquerda do país, estava longe de ser um "revolucionário ou o socialista que vai estar no poder para estabelecer um movimento dessa natureza na Colômbia. É uma
esquerda moderada aos moldes do Lula aqui no Brasil, do [ex-presidente José] Mujica, no Uruguai, que de alguma maneira tenta trazer pautas progressistas para um país que nunca teve abertura para isso", afirma Gomes.
Segundo o especialista, Petro vem enfrentando o imperialismo norte-americano de forma ampliada: o governante propõe o debate sobre a criação de leis trabalhistas em um país onde o trabalhador não conta com garantias como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no Brasil; e vai na contramão das propostas que querem privatizar a educação na Colômbia.
Essa postura do presidente crítica a questões caras aos EUA e à própria
influência norte-americana na América do Sul tem incomodado, conforme Gomes.
Para
Andrés Londoño, professor de relações internacionais da Universidad de La Salle e da Escola Superior de Administração Pública (ESAP), ambas colombianas, a pressão sofrida por Petro internamente é muito grande, afinal, conforme o especialista,
o mandatário enfrenta um CNE politizado, com conselheiros da oposição, e uma mídia que está contra o governo.
Como o CNE não é um órgão com funções jurídicas, não possui competência para julgar o presidente colombiano. Londoño acredita, portanto, ser muito difícil que a atual investigação avance.
Ainda de acordo com o analista, dentro de suas competências, o órgão tinha um prazo de 20 dias após as eleições presidenciais para apurar possíveis irregularidades. Agora o fazem, tempos depois, justificando que receberam uma denúncia anônima.
Em caso de uma hipotética destituição, Gomes pondera que a tendência é que Petro conte com o
apoio dos principais grupos progressistas na América do Sul e Latina.
Segundo o pesquisador, trata-se de um processo mais amplo, "que vem desde a década anterior, de pensar o que são os
Estados Democráticos de Direito na América Latina como um todo e como essa influência externa em um contexto que é pós-Guerra Fria, mas que de alguma maneira ajuda ainda a entender esse resquício aqui na nossa região, no nosso continente,
como essa política externa notadamente do imperialismo estadunidense e europeu acaba ainda influenciando as tomadas de decisão internas nas nossas nações latino-americanas", resume.