Putin quer manter Dilma no banco do BRICS por ela enfrentar briga pela desdolarização, diz analista
09:14, 8 de novembro 2024
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, propôs a extensão do mandato de Dilma Rousseff no Banco do BRICS por mais cinco anos. Empenho de Dilma para desbancar a hegemonia do dólar e prestígio pessoal da ex-presidente junto aos líderes da Rússia e China explicam sua permanência no banco, avaliam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
SputnikA Rússia propôs a extensão do mandato de Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco do BRICS, por mais cinco anos. Desta forma, Dilma ficaria no cargo durante a presidência russa do banco, que terá início em 2025.
"A Rússia propôs estender a presidência do Brasil e da presidente do banco, a sra. Rousseff, tendo em vista que este ano o Brasil ocupa a presidência do G20 e no próximo ano assume o bastão de nós e liderará o BRICS", disse Putin durante a Cúpula de Chefes de Estado do BRICS, realizada em Kazan.
O convite aponta para a
convergência entre as agendas de Dilma Rousseff no banco e as prioridades das autoridades russas, acreditam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Além disso, Rousseff angariou a confiança não só do presidente russo, Vladimir Putin, como a do seu homólogo chinês, Xi Jinping, que
a condecorou com a mais alta medalha concedida pela China a estrangeiros.De acordo com o professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) Bruno de Conti, a abordagem de Dilma Rousseff no Banco do BRICS coincide com a das lideranças russa e chinesa.
"Em vários aspectos, ela compartilha a percepção dos desafios geopolíticos que o Sul Global [...] enfrenta hoje", disse De Conti à Sputnik Brasil. "Dilma se mostrou disposta a enfrentar a briga pela por transformações da ordem geopolítica internacional [...] e enfatizou a agenda de desdolarização e foco nas moedas nacionais, o que agrada tanto ao Putin, quanto ao Xi Jinping."
A proposta de Vladimir Putin também tem a intenção de evitar que sanções econômicas impostas por EUA e seus aliados contra a Rússia prejudiquem os trabalhos do banco. Segundo o líder russo, o banco é relevante para a Rússia e, portanto, deve ser protegido da ação de agentes externos.
"Não vou esconder o fato de que sabemos da situação da Rússia [em relação às sanções econômicas] e não queremos transferir todos os problemas associados a isso para as instituições em cujo desenvolvimento nós mesmos estamos interessados", disse o presidente russo, Vladimir Putin. "Nós lidaremos com nossos próprios problemas."
A professora da PUC-Rio e pesquisadora do BRICS Policy Center Maria Elena Rodriguez concorda que a manutenção de Dilma na liderança reduz a possibilidade do pacote de sanções imposto contra a Rússia impactar os trabalhos do banco.
"A Rússia quer muito que o NDB avance, [...] e, por isso, não quer transferir a problemática das sanções para o banco", disse Rodriguez à Sputnik Brasil. "O presidente Putin foi muito acertado em fazer essa proposta de extensão para a manutenção de Dilma na presidência. E isso reflete a apreciação, tanto da Rússia quanto da China, do bom desempenho dela à frente da instituição."
Após substituir Marcos Troyo, presidente brasileiro do banco indicado por Bolsonaro, Dilma retomou a agenda tradicional da instituição, fundada com o
objetivo de se firmar como uma alternativa de financiamento para países do Sul Global.
"O mandato dela no banco também representa uma continuidade com o próprio governo Dilma, que priorizou muito o BRICS e inclusive fundou o banco. A Dilma foi uma das signatárias, ela é membra fundadora do banco", disse De Conti.
Em conversas de bastidores, analistas inclusive sugerem que o
apoio incondicional de Dilma ao BRICS e à construção de um sistema financeiro independente dos EUA seriam alguns dos motivadores de sua queda da presidência da República, em 2016.
A aderência a uma agenda contrária ao dólar teria mobilizado forças estrangeiras que, em comunhão com agentes internos, teriam inaugurado o processo que retirou Rousseff do Palácio do Planalto.
"No início, havia críticas de que a escolha de Dilma para liderar o banco havia sido política. Mas esse banco foi criado por propósitos políticos. Não há como fugir dessa realidade, pelo contrário, é isso o que faz esse banco interessante", disse De Conti. "O NDB pode e deve ser um instrumento geopolítico para enfrentar as assimetrias globais, sobretudo nos sistemas monetários e financeiros."
Neste contexto,
Dilma assumiu a presidência do banco com o intuito de priorizar investimentos verdes, além da agenda de desdolarização do banco, promovendo a utilização de empréstimos em moedas nacionais.
"A meta de atingir 30% dos empréstimos em moedas nacionais está estabelecida na carta original do banco, mas ainda não foi atingida. Desde a sua posse, Dilma tem mostrado preocupação com essa agenda. Internamente, o banco realiza estudos sobre como aumentar o uso de moedas locais para o financiamento do banco", revelou De Conti. "Isso certamente é uma agenda que agrada e deve ser um dos bastiões da prorrogação do mandato da presidenta."
Outra agenda capitaneada por Dilma que encontra eco na agenda dos governos de Brasil e Rússia é a expansão do banco em número de membros. Durante seu mandato, Dilma selou a adesão da Argélia ao banco, em setembro de 2024.
"Dilma tem repetidamente se manifestado em favor do alargamento do BRICS e, durante a Cúpula de Kazan, se expressou sobre a pertinência do NDB ser um banco dos países do Sul Global", disse De Conti. "Então, há perspectiva de continuidade da expansão do banco, em paralelo ao aumento do uso de moedas nacionais."
Por outro lado, o Banco do BRICS segue dependente de estruturas do mercado financeiro tradicional, como das notas das agências internacionais de rating, para se capitalizar. De acordo com críticos, isso diminui a margem de manobra de Dilma não só para avançar o processo de desdolarização, mas também para emprestar recursos aos países que mais precisam.
"O Banco ainda depende do mercado de capitais internacional. Caso as agências de rating diminuam a nota do banco, ele terá que captar recursos pagando taxas mais altas. Então vemos claramente aqui a armadilha do dólar", lamentou De Conti.
Segundo ele, a retomada de propostas como a criação de uma agência de rating do BRICS seria mais um passo em uma longa jornada rumo à independência financeira do banco. Segundo De Conti, "soberania não se constrói da noite pro dia, estamos falando de construções de longo prazo".
"Mas o pior que o BRICS poderia fazer é se acomodar com a atual hegemonia do dólar e não fazer nada para superá-la. É preciso, sim, combater essa hegemonia, com a compreensão de que essa será uma batalha de longos anos, ou até décadas. E essa é justamente a missão do BRICS", concluiu o economista.
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