No dia 17 de novembro, dia de sua visita a Manaus, o The New York Times noticiou que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, autorizou o uso dos mísseis balísticos ATACMS (sistema de mísseis táticos do Exército, em inglês) para ataques no interior da Rússia.
Já no dia seguinte, 18 de novembro, as forças ucranianas dispararam o armamento contra a região russa de Bryansk, sendo abatidos pelo sistema de defesa área S-400. Os mísseis não podem ser usados por outras tropas que não as norte-americanas, detalhou o chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, sendo um claro sinal de que "os EUA querem escalar o conflito".
A autorização de Biden estimulou Londres e Paris a também autorizarem o disparo de seus mísseis balísticos, o desenvolvimento conjunto Storm Shadow/Scalp, no interior da Rússia.
Em 19 de novembro, a Casa Branca anunciou o envio de minas terrestres antipessoal para a Ucrânia, informou o The Washington Post. O equipamento é proibido em mais de 160 países devido ao risco que representa à população civil.
O fortalecimento da ajuda à Ucrânia não para por aí. A Bloomberg anunciou, na quinta-feira (21), que Biden quer perdoar US$ 4,65 bilhões (R$ 27 bilhões) da dívida de Kiev, o que totaliza US$ 9 bilhões (R$ 52 bilhões) dentro do pacote de financiamento de US$ 60 bilhões (R$ 346,9 bilhões) aprovado pelo Congresso norte-americano em abril.
"Muito provavelmente, a vitória de Trump foi um dos elementos principais para que o governo Biden tenha acelerado a tomada dessas decisões", diz à reportagem Getúlio Alves de Almeida Neto, integrante do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE).
O recém-eleito novamente à presidência dos Estados Unidos prometeu acabar com o conflito o mais rápido possível. Segundo o futuro assessor da Casa Branca em matérias de segurança Mike Waltz, Trump deseja iniciar as tratativas para um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia já durante o período de transição.
Aliado a essa perspectiva, Trump contará com uma Câmara de Deputados e um Senado de maioria republicana.
"Isso faz com que o governo Biden tenha decidido correr contra o tempo para impulsionar o auxílio à Ucrânia e dificultar o espaço de manobra do governo Trump."
A professora de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Bárbara Motta, no entanto, vê a situação com outros olhos. Para a pesquisadora de política externa norte-americana, Biden quer "dar fôlego renovado para as ações ofensivas da Ucrânia e, com sorte, alterar a situação das forças em solo".
Desse modo, quando Trump assumir e colocar sua política de acordo em ação, Zelensky estaria em condições de negociar melhores termos.
"Seria uma forma de preparar o terreno para uma condução do que poderia vir a ser essa negociação com Trump na presidência."
As ações de Biden, contudo, dificilmente se mostram populares tanto em casa quanto no exterior. Alemanha e Itália declararam que não seguiriam o mesmo caminho de seus colegas europeus. A recusa de Olaf Scholz, chanceler alemão, é especialmente significativa, uma vez que os mísseis Taurus do país possuem alcance de 500 km, frente aos 300 km do ATACMS e 250 km do Storm Shadow.
"Trata-se de uma percepção", diz o pesquisador, "de que o conflito poderia se espalhar por toda a Europa e, portanto, o receio de se ver envolvido em meio a essa eventual guerra em seus territórios", afirma Almeida Neto.
Que solução Trump traria?
A insularidade europeia do conflito é algo que, segundo Motta, Trump exploraria para retirar seu país do confronto. O governo Biden apresentou a operação militar especial russa como uma "agressão ao Ocidente" e, portanto, também aos Estados Unidos.
"O que imagino que Trump fará é apresentar o conflito como um problema europeu e, por isso, exige maior empenho dos países da Europa", explica a professora, que lembra que o auxílio militar e financeiro à Ucrânia se tornou impopular à medida que "a situação econômica da classe média não responde mais às mesmas expectativas de crescimento".
O Partido Republicano, de modo geral, tampouco enxerga os conflitos em Donbass como "uma ameaça aos Estados Unidos".
Desse modo, Motta acredita que uma das primeiras ações que Trump tomará será a redução, ou até mesmo, o fim dos auxílios a Kiev, algo que muitos observadores consideram que significará o fim para a Ucrânia.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, já expôs as condições russas para o fim do conflito, como o reconhecimento dos territórios russos de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporozhie, o fim de todas as sanções à economia russa e a manutenção do status neutro e não nuclear da Ucrânia.
Trump, que já demonstrou em seu primeiro mandato não se importar tanto com a defesa de seus aliados da Organização do Tratado do Norte Atlântico (OTAN), pode justamente colocar na mesa o "fim das conversas de adesão da Ucrânia à OTAN" como "primeiro passo para uma solução política para o conflito", afirma Almeida Neto.