Messias: populismo apocalíptico de Trump levará ao autoritarismo?
12:17, 25 de janeiro 2025
Donald Trump usou e abusou de elementos religiosos durante sua cerimônia de posse, dizendo ter sido salvo por Deus para fazer a "América grande novamente". Mesmo se apresentando como o Messias, Trump terá que levar a sério a agenda religiosa para manter o seu eleitorado cristão fiel, disse o especialista à Sputnik Brasil.
SputnikDurante sua posse, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que Deus teria salvado a sua vida para que ele cumpra a missão de fazer a "América grande novamente". Em discurso pontuado pelo vocabulário judaico-cristão, Trump anunciou a forte influência das ideias religiosas em seu novo mandato.
"Aqueles que desejavam impedir nossa causa tentaram tirar minha liberdade e, de fato, tirar a minha vida. Há apenas alguns meses, em um belo campo da Pensilvânia, uma bala de um assassino atravessou minha orelha. Mas senti na época, e acredito ainda mais agora, que minha vida foi salva por um motivo: fui salvo por Deus para tornar a América grande novamente", disse Trump.
O presidente norte-americano disse que trabalhará para que os
EUA "sejam respeitados e admirados novamente, inclusive por pessoas religiosas", e prometeu "não esquecer de nossa Constituição, nem de Deus".
Para o professor do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (PPGRI UEPB) e diretor do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR), Fabio Nobre, o trumpismo apresenta traços claros de messianismo político.
"Trump pode ser classificado como um populista messiânico, ou mais especificamente um populista apocalíptico, ou escatológico. Nessa modalidade, o líder se apresenta como um escolhido que pode evitar o fim de um estilo de vida – no caso, o comportamento sociopolítico do branco, nacionalista, conservador norte-americano", disse Nobre à Sputnik Brasil.
Segundo o professor, "ao se apresentar como um líder predestinado a restaurar a grandeza e proteger os valores tradicionais, Trump cria uma conexão simbólica com elementos da redação e proteção divina".
Apesar da ênfase trumpista, o uso da figura de Deus em discursos políticos não é monopólio da direita do espectro político, disse o professor adjunto do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Toniol.
"Isso não é uma exclusividade da direita e foi um elemento muito comum no conjunto da retórica política do século XX. Inclusive líderes de democracias ocidentais se valeram desse fundo paradigmático da linguagem religiosa", disse Toniol à Sputnik Brasil.
O professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Ceará e estudioso do pensamento político de direita Fabio Gentile concorda, dizendo que "nada impede que as democracias misturem elementos políticos e religiosos".
"No caso dos EUA, desde a sua fundação, a religião foi utilizada como um elemento aglutinador da nação. Não é de surpreender que todos os presidentes dos EUA falem sobre a missão religiosa de seu país, que seria salvar o mundo e lutar contra o mal", disse Gentile à Sputnik Brasil. "E essa estratégia discursiva e ideológica é utilizada por presidentes conservadores e progressistas, como Bill Clinton, por exemplo."
Do ponto de vista religioso, o messias é aquele que salva e redime os pecados cometidos na vida terrena. Segundo Toniol, "o político que se apresenta como messias diz que vai conseguir resolver todos os problemas e redimir a nação".
"É importante notar que o
político messiânico comunica, sobretudo, que há um problema a ser resolvido pela nação. Ele comunica que há um pecado original do qual devemos ser salvos. A diferença entre o messianismo de esquerda e de direita será qual 'pecado original' é esse", disse Tonio. "Cada espectro político se propõe a salvar o povo dos pecados que ele identifica, ou mesmo projeta."
No caso de Trump, os problemas centrais dos quais a nação norte-americana deve ser salva são "a pauta identitária, o direito ao aborto, a chamada 'ideologia woke' progressista e demais temas da cartilha trumpista".
A apropriação de elementos religiosos traz vantagens a Trump, que mobiliza o eleitorado em um país no qual o voto não é obrigatório, além de unir facções diferentes em torno de uma visão comum, acredita o professor Fábio Nobre.
"Por outro lado, essa abordagem tende a alienar grupos religiosos e seculares que não compartilham dessa visão", disse Nobre. "Há também o risco de reduzir a religião a uma ferramenta política, gerando desconfiança e aumentando a polarização no país."
O risco de polarização pode ser acentuado, já que Trump não promete a salvação para a população como um todo, mas
somente àqueles que o apoiam politicamente.
"Assim como no discurso religioso, a chegada do Messias leva ao julgamento divino, no qual não todos, mas somente os eleitos serão salvos", notou Toniol. "Trump não está interessado em produzir a salvação para todos, e deixou isso bem claro durante a campanha ao propor deportações em massa, por exemplo."
Apesar da forte influência pentecostal nos ritos e simbologia trumpista,
sua administração será a mais católica de toda a história dos EUA,
escreveu Toniol em sua coluna no jornal Folha de São Paulo.
O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, traz o catolicismo conservador para o centro da Casa Branca, alinhando-a ao pensamento de juízes da Suprema Corte norte-americana, como Amy Coney Barrett, Brett Kavanaugh, Clarence Thomas e Samuel Alito. O secretário de Estado, Marco Rubio, e de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., também reforçam o coro católico conservador na equipe de Trump.
O pensamento de Vance, corroborado por
revistas conservadoras norte-americanas como a Compact Magazine ou American Affairs, alia a oposição ao aborto, à retomada da defesa dos direitos da classe trabalhadora contra a financeirização e desregulamentação do capitalismo norte-americano.
Messias autoritário?
Para o professor Fábio Nobre, o uso de elementos religiosos e o traço messiânico de Donald Trump poderá abrir espaço para o autoritarismo político.
"Esse tipo de discurso tem o potencial de abrir espaço, sim, para práticas políticas autoritárias, na medida em que ele transfere a fonte de legitimidade política do consentimento democrático para o plano divino", disse Nobre. "Isso dificulta questionamentos e críticas à sua liderança."
O especialista notou o caso da reverenda Mariann Edgard Budde, que contrariou Trump no dia da sua posse, pedindo a misericórdia do presidente com aqueles que não votaram nele.
"Nesse caso, muitos fiéis apoiaram Trump, escolhendo a figura política em detrimento da autoridade religiosa – a reverenda", disse Nobre. "Trump assume posição central frente acima das lideranças espirituais, e essa dinâmica normalmente é associada ao messianismo político, que tende a contribuir para tendências autoritárias."
Por outro lado, o professor Toniol aponta que o eleitorado religioso pode ser refratário ao autoritarismo. O eleitor religioso demanda a adesão do líder político à sua pauta e pode abandoná-lo caso não se sinta representado.
"Não acredito que líderes como Trump tenham apoio incondicional de seu eleitorado religioso. O eleitor religioso, assim como qualquer outro, opera a partir do seu cálculo de custo-benefício e de sua posição política", disse Toniol. "Trump não tem carta branca, ele só ficará na liderança enquanto conseguir se comunicar com esse grupo e atender aos seus anseios. Se deixar de fazer isso, perderá esse apoio."
De
acordo com o jornal Washington Post,
56% do eleitorado católico votou em Trump nas eleições presidenciais norte-americanas de 2024, um aumento de nove pontos percentuais em relação às eleições de 2020. Entre os
protestantes e demais nominações cristãs, 62% declararam voto em Trump em 2024, contra 27% de eleitores de sua então adversária, Kamala Harris. A vantagem de Trump não se reflete entre pessoas religiosas não cristãs, que declararam voto em Harris em 72% dos casos.
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