Colômbia e Estados Unidos protagonizaram um incidente diplomático que durou menos de um dia. Por conta da negativa de pouso a um avião de migrantes deportados dos EUA, o presidente norte-americano, Donald Trump, decidiu impor sanções e tarifas à Colômbia. Em resposta, o líder colombiano também impôs taxas às importações estadunidenses.
Com o objetivo de discutir as deportações norte-americanas, a presidente de Honduras e presidente pro tempore da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), Xiomara Castro, convocou uma reunião da organização multilateral. Esta, no entanto, foi cancelada por falta de consenso entre os membros.
Para falar sobre todo esse imbróglio, o Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, conversou com especialistas internacionais que alertaram que a divisão do continente pode ser sua maldição.
Os seguidores de Trump
O bate-boca público entre Trump e Petro não foi o primeiro do atual mandante da Casa Branca e um líder latino-americano — o presidente dos EUA já protagonizou algumas trocas de farpas com a líder mexicana, Claudia Sheinbaum — e tampouco será o último.
Ao programa, Érica Sarmiento, professora de história da América na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi), da mesma universidade, explicou que um dos motivos para a reunião da CELAC ter sido cancelada foi que o incidente foi resolvido diplomaticamente entre os dois países.
"Se a convocatória tivesse sido feita, por exemplo, pensando na questão migratória dos EUA, nas estratégias políticas agressivas, no possível corte de recursos a instituições humanitárias ou até mesmo no comércio regional, provavelmente teria sido muito mais promissor."
"Não quero dizer que haveria reunião, mas é uma preocupação que a organização tem que ter neste momento de início do governo de Donald Trump."
Já Flavia Loss, professora de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), disse ao Mundioka que o mesmo motivo que levou a reunião extraordinária da CELAC a ser cancelada é o principal entrave para uma resposta conjunta da região.
"Temos vários fóruns regionais na América Latina, mas o que não estamos conseguindo é ter uma atitude conjunta frente a esses novos desafios", afirmou a professora. "Pelo contrário, vemos que os países estão indo para caminhos diferentes. Principalmente porque alguns, como a Argentina, são alinhados à gestão Trump e tentam obter benefícios."
A especialista lembra que aqui no Brasil nós passamos por uma situação parecida durante o governo de Jair Bolsonaro (2019–2022), que se juntou geopoliticamente à Trump.
"E o Brasil não obteve nenhum benefício desse alinhamento. Pelo contrário, a gente não teve absolutamente nada em termos comerciais, de cooperação, nem nada do tipo.
De fato, falta um consenso no continente, apontou Sarmiento. "A América Latina e o Caribe não é uma uma região homogênea. Nós temos diversos tipos de governo", disse em sua entrevista.
"Temos o caso da Argentina de [Javier] Milei e de El Salvador de [Nayib] Bukele. Temos governos como da Venezuela, Nicarágua e Cuba e temos governos mais de centro-esquerda. Então obviamente que a posição desses governos não vai ser a mesma."
No entanto, uma coordenação diplomática é a única saída que os governos latino-americanos têm frente às ameaças de Trump. "Estamos em uma posição de desvantagem do ponto de vista comercial, então temos que ter cautela e a gente precisa reforçar onde temos mais força, que é na diplomacia", declarou Flávia Loss.
De acordo com a professora, embora Trump seja chefe do Executivo norte-americano e responsável pela política externa, há uma série de canais diplomáticos nos bastidores que ajudam a lubricar as relações.
"A diplomacia brasileira tem muita tradição nisso. Conseguimos reverter tarifas no nosso aço e alumínio que foram efetivadas na primeira gestão Trump através do diálogo com o corpo diplomático."
É o que anda fazendo também Claudia Sheinbaum. "Ela tem sido muito cautelosa, firme nas palavras, mas não entra nos jogos de acusações e ameaças", disse a professora da FESP. "A postura dela é muito da diplomacia de vários países aqui da América Latina."
"Então, essa é a nossa hora também de brilhar através da diplomacia", diz Loss.
"Eu falo pelo Brasil, mas também pelos outros países latino-americanos. E eu espero que México e Brasil, dentro dessa situação, se aproximem também, são as duas maiores economias, e faz sentido que a gente pense no diálogo entre nós."