Panorama internacional

Análise: China não atua para fazer o yuan ultrapassar o dólar porque isso não interessa a Pequim

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que um yuan mais forte do que o dólar prejudicaria as exportações da China. Por isso, Pequim toma medidas para que não haja valorização da moeda acima do desejado.
Sputnik
A participação do dólar nas reservas cambiais globais no final do terceiro trimestre de 2024 atingiu o mínimo das últimas três décadas, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Foi o segundo trimestre consecutivo de queda da moeda estadunidense. Em contraponto, o yuan chinês atingiu o maior patamar em relação ao dólar em 16 meses.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas apontam quais as consequências do enfraquecimento do dólar e se o yuan pode ultrapassar a moeda norte-americana como principal nas transações internacionais.
Daniel Cavagnari, economista do Centro Universitário Internacional (Uninter), aponta que a postura agressiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação ao plano de desdolarização do BRICS já sinaliza que o dólar realmente tem uma crise ou está em situação de perder sua hegemonia como moeda internacional. Ele afirma que o dólar, como reserva mundial, ainda tem força, mas a tendência "é que ele deixe de ser a moeda-base para toda a economia".

"Isso significa que os países vão desdolarizar a economia deles? Com certeza isso vai acontecer. Mas é em longo prazo, porque não dá para fazer da noite para o dia", alega.

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Sobre a valorização do yuan, Cavagnari afirma que não é tão interessante para a China uma moeda muito forte porque afetaria as exportações do país. Por esse motivo, o governo chinês toma medidas para que não haja valorização acima do desejado.

"O americano, uma das brigas maiores deles com a China, é justamente isto: que o chinês fica desvalorizando a moeda para que o produto dele fique mais barato. E assim, óbvio que ele ganha no comércio internacional, mas isso não pode ser feito. Daí o chinês, o que ele faz? Ele, de certa forma, tem que criar um mecanismo de valorização da moeda […]. Ou seja, a desvalorização acontece naturalmente. Ele não precisa criar mecanismos falsos. E, por outro lado, ele tem que tomar cuidado para não valorizar demais", explica.

Ele afirma que a China não deixa o yuan valorizar em demasia, justamente porque a desvalorização da moeda é o que tira os indivíduos do país da pobreza, uma vez que estimula as exportações e viabiliza o crescimento da economia.
"Ele [chinês] saiu da miséria, chegou na classe média e agora provavelmente vai chegar a um país rico. Digamos que daqui a dez anos isso aconteça. Sim, daí ele pode pensar em uma segunda estratégia, em tornar a moeda dele uma das mais fortes do mundo", afirma.
Walter Franco, professor de economia da Faculdade de Belas Artes de São Paulo, considera difícil afirmar que o mundo esteja realmente em um processo de desdolarização, mas aponta que há tendência à maior diversificação dos negócios, maior despolarização, maior busca por alternativas sob o ponto de vista dos traders internacionais que, de maneira indireta, acaba gerando oportunidades e possibilidades de trading, de negociações globais — sejam financeiras ou comerciais — em outras moedas.

"Não sei se isso significaria necessariamente nem algo muito planejado para uma saída do uso do dólar nas transações internacionais, por um lado, e muito menos um processo de efetiva concretização disso. Mas é claro, sim, que os players globais, as grandes nações — tanto as maiores quanto as menores — vêm mantendo e vêm reduzindo gradualmente as reservas internacionais de moeda americana, mas isso por razões das mais diversas, e não necessariamente algo muito planejado ou pensado com antecedência", afirma.

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Ele afirma que o fortalecimento do yuan frente ao dólar é explicado porque a China vem acumulando, por muito tempo, reservas internacionais de forma muito significativa — não só em dólar, mas em moeda forte em geral, e vem fazendo de forma muito cautelosa o controle de sua moeda e economia, o que garante previsibilidade e pouca volatilidade dos preços.
"Você passa para a nação e para o país uma segurança maior, e isso é muito importante na precificação de um ativo, como é uma moeda como o yuan. Então eu acredito que essas características da economia chinesa, reservas fortes, previsibilidade, uma política bastante conservadora, uma sinalização, sob um ponto de vista chinês, mais clara para o mercado, […] acho que por si só já são fatores que o investidor olha e fala: 'Bem, ali eu tenho uma certa segurança', portanto isso naturalmente valorizaria a moeda chinesa", explica.
Franco frisa que Trump não vê com bons olhos a intenção do BRICS de impulsionar as transações entre parceiros do grupo e de reduzir a dependência do dólar.

"Há um claro posicionamento do atual presidente dos Estados Unidos que ele não vê com bons olhos […]. Esse gradual aumento das transações entre os países do BRICS na busca não apenas da moeda comum — que a gente já viu que foi rechaçada do ponto de vista do governo americano —, mas também de negociar entre eles de formas alternativas."

Questionado se a China tem a intenção de fazer com que o yuan substitua o dólar como principal moeda de reserva global, Franco afirma não considerar essa uma necessidade da China no momento.
"Eu tendo a acreditar que o objetivo chinês é um objetivo muito pragmático na esfera comercial e financeira mundiais, ou seja, ela deseja produzir internamente, exportar, enriquecer a sua nação com base na sua exportação. E se forem necessários ajustes finos na paridade da sua moeda, ela fará. […] Eu tendo […] a enxergar sob o ponto de vista mais pragmático, de uma nação que se preocupa muito com produção, industrialização, crescimento e com exportação e crescimento de mercados. Eu não sei se ela [China] tem uma necessidade [de fazer o yuan suplantar o dólar], e eu acredito que ela possa enxergar isso de um ponto de vista mais secundário", afirma o especialista.
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