O BRICS é alvo de preocupação do presidente dos EUA,
Donald Trump, embora isso não seja admitido diretamente. Na esteira da cúpula do grupo no Rio de Janeiro, o líder americano deu certa demonstração desse incômodo ao dizer que
taxaria países do BRICS em 10%, justificando que
foi criado para "destruir" o dólar norte-americano.
A política de sobretaxas, entretanto, não parou por aí. No dia 9 de julho, Trump deu declarações de que direcionaria ao Brasil uma tarifa de "50% sobre todos e quaisquer produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos". Em carta ao governo brasileiro, o presidente americano apontou o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro como um dos motivos pelos quais tomava a medida.
Nesta quarta-feira (30),
Trump oficializou a ordem que impõe o tarifaço ao Brasil. O decreto passa a valer a partir do próximo dia 6. Alguns produtos ficaram de fora — como
a castanha-do-pará e o suco de laranja —, conforme adiantou ontem (29) o secretário de Comércio dos Estados Unidos,
Howard Lutnick. Além do Brasil, tarifas à Índia foram confirmadas pelos americanos.
Para Bernardo Kocher, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (NuBRICS), a nova política tarifária do governo Trump "é tudo, menos uma política comercial".
A medida do americano, conforme o analista, "tenta reverter a perda de importância estratégica dos EUA ao impor um
custo adicional à riqueza social produzida, que seria repassada para o governo americano. Este formaria uma espécie de fundo com essa riqueza monetária extraída tanto dos produtores quanto dos trabalhadores de todo o mundo, inclusive dos EUA".
Ou seja, a grande questão é que Washington, diante de toda a movimentação em torno da tarifação das importações visa, no entendimento do historiador, "acumular recursos financeiros […] com o fim de criar instrumentos para lidar com a vertiginosa ascensão da China na economia mundial e a vitoriosa ação militar (além da incolumidade às sanções aplicadas contra sua economia) da Rússia na Ucrânia".
Os impactos iminentes das sobretaxas deverão exigir rearticulações dos países para rearranjar os produtos antes enviados aos Estados Unidos. No caso do Brasil, em 2024, as exportações para o território americano representaram cerca de 12,55% das vendas para o mercado externo, ultrapassando US$ 40 bilhões (aproximadamente R$ 223 bilhões na cotação atual). Já para a Índia, no mesmo período, o comércio com os EUA representou quase 20% de suas exportações, avaliadas em US$ 87,4 bilhões (pouco mais de R$ 487 bilhões nos valores de hoje).
De acordo com analistas, uma das
possibilidades evidentes para os países do BRICS mitigarem eventuais prejuízos é ampliar o comércio dentro do grupo.
Na referida declaração, os países se comprometeram a facilitar o comércio agrícola intragrupo por meio da eliminação de barreiras não tarifárias desnecessárias; harmonização de normas sanitárias e fitossanitárias; certificação digital de produtos agropecuários; melhoria na transparência regulatória; e redução de burocracias aduaneiras. Tais compromissos foram firmados com o intuito de tornar o comércio mais ágil e seguro.
Agora, diante da imposição de taxas americanas,
"o senso de urgência e a convergência política interna no BRICS" devem aumentar, segundo o analista, o que permitiria aos países "redirecionar parte de suas
exportações para mercados parceiros do BRICS, estimular cadeias de valor regionais e que dependam menos de mercados vulneráveis a decisões unilaterais, como a dos EUA, e ganhar margem de manobra política e econômica frente às pressões externas".
Kocher ressalta que o grupo não é um bloco comercial, muito embora a atividade econômica seja uma de suas principais atividades. Portanto, "a integração comercial neste nível levaria vários anos para ser implementada".
Rinaldi, por sua vez, cita, além da baixa absorção que os produtos do BRICS devem ter, a possibilidade de
retaliações por parte de Washington a países que ainda continuam a depender muito do mercado norte-americano. Tais fatores também são impeditivos, no atual cenário, de um acordo intragrupo que possa ser altamente compensatório, segundo ele.
Apesar dos desafios, o professor da PUC cita a
bolsa de grãos proposta durante a Cúpula do BRICS em Kazan, no ano passado, e um investimento do
Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) — este mais complexo, conforme o analista.
De acordo com Kocher, parte da produção destinada ao mercado externo poderia, sim, ser incorporada ao interno. Porém questões complexas, como o
próprio domínio do agronegócio, poderiam causar resistência, inclusive de classes políticas, sendo necessários rearranjos políticos.
Entretanto algumas alternativas podem ser consideradas, conforme cita Rinaldi. Entre elas, adotar políticas de compras públicas, ou seja, "o governo ampliar programas de compras para
absorver os excedentes disponíveis, adquirindo, por exemplo, grãos, carnes e sucos para formar estoques reguladores; e
distribuir em programas de assistência social e escolas".
Além disso, para promover a absorção interna no curto prazo, o analista sugere a redução de impostos sobre alimentos básicos, com o objetivo de baratear o preço ao consumidor final e aumentar o consumo interno. Outra proposta seria "adotar políticas de renúncia fiscal às empresas produtoras para que não demitam trabalhadores e continuem a operar conforme planejado, de modo que suas operações sejam afetadas com menos intensidade", acrescenta.