“Especuladores podem ganhar milhões fazendo subir as taxas de juro dos países mais débeis”

© AFP 2023 / PHILIPPE HUGUENMoedas com bandeira da Grécia ao fundo
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A Sputnik entrevistou vários professores universitários e economistas sobre os últimos acontecimentos na zona do euro, nomeadamente a crise na Grécia, que está dividindo as opiniões públicas nos vários países europeus.

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Hoje conversamos com Francisco Dias, professor universitário na área do Turismo no Instituto Politécnico de Leiria (Portugal):

Sputnik: Deverá a Europa ajudar a Grécia?

Francisco Dias: Para não complicar, respondo de imediato e de modo categórico: sim, é sua obrigação! Posto isto gostaria de acrescentar que considero esta pergunta, apesar da sua suposta simplicidade, bastante simplificadora, já que, ao enfatizar a ideia de “ajuda”, afasta implicitamente as atenções das perguntas pertinentes e que têm que ser colocadas neste mesmo contexto: Como é que Grécia chegou a este ponto? Quem são os seus reais responsáveis? Como é que tudo isto poderia ter sido evitado?

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Se formos intelectualmente honestos, teremos que reconhecer que aquilo que se passa na Grécia é a expressão sistêmica de um “monstro” europeu: uma união monetária sem uma união política. E esta incoerência da construção europeia é terreno fértil para os especuladores financeiros que olham não só para a Grécia, mas para o conjunto de países que cinicamente rotularam como “PIGS”, como sendo o novo eldorado do capitalismo especulativo mundial. E tudo isto acontece perante a passividade e a inépcia dos dirigentes políticos da Europa, muitos deles infelizmente comprometidos com esse tipo de interesses especulativos.

Na década de 1990, o euro foi apresentado aos europeus como uma condição de prosperidade, uma década depois – mas só depois de a Alemanha ter conseguido sair do grupo de países com défice excessivo – os especuladores decidiram colocar uma guilhotina sobre os países considerados “ovelhas negras”.

Fica-se por vezes com a nítida impressão de que quem governa a Europa são as agências de rating norte-americanas, e que por detrás da intransigência da senhora Merkel e do Bundesbank, afinal nada mais há do que interesses de curto prazo dos países mais ricos da Europa e dos especuladores representados por instituições financeiras habituadas a reduzir os povos a colunas de Excel.

S: Há hipótese de o cenário grego se repetir em Portugal?

FD: Sim, essa hipótese existe e, curiosamente, pode surgir independentemente de quem estiver ao leme da nação, seja um governo de direita ou centro-direita, mais subserviente, ou seja o país governado por partidos de esquerda, mais ariscos e mais avessos à cartilha dos especuladores. Se estes agiotas sem rosto realmente quiserem, seja quem for que governe, Portugal correrá sérios riscos, e apenas os argumentos a utilizar para legitimarem a asfixia a que nos sujeitarem é que poderão variar, consoante o tipo de governo que tivermos.

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O risco de entrarmos em apuros com um governo de direita ou centro-direita advém do facto de a sua atuação se pautar invariavelmente pela subserviência aos interesses dos especuladores internacionais. E, neste mundo atual, nunca se sabe o que é que os “donos do casino” mundial poderão estar interessados em fazer a médio prazo. Se decidirem dar cheque mate ao euro, Portugal será alvo de ataques especulativos, por mais que o governo – qualquer que ele seja – se esforce por demonstrar que está a pôr as contas em ordem.

O que quero dizer é que o grande problema radica na incoerência de uma moeda comum não sustentada numa política monetária comum, a par da inexistência de uma liderança europeia à altura do desafio. E como os especuladores internacionais podem ganhar milhões fazendo subir as taxas de juro dos países mais débeis, o que é que os há de impedir de voltar a fazer ataques especulativos ao euro, jogando com a dívida soberana dos países mais débeis? Nada. O risco permanece latente, a menos que a Europa retome os ideais dos seus pais fundadores e se torne uma união mais democrática, mais solidária e mais responsável.

S: Estará a sociedade portuguesa preparada para uma contraposição com as autoridades europeias?

FD: Creio que não. Os últimos anos mostraram mais uma vez que na sociedade portuguesa há um grande défice de cidadania. O que melhor consegue unir os Portugueses (a maioria deles) são ainda os sentimentos forjados durante o Estado Novo pelo próprio regime da altura. O próprio 25 de abril começou por ser um golpe de Estado por motivos corporativos. 

Não tenhamos ilusões: mesmo quando o destino de Portugal dependia totalmente dos portugueses, a sina de sofrer, tolerar e engolir sapos manteve-se inalterável. Ora, o alheamento em relação ao que é essencial tornou-se mais arreigado num momento em que quase nada depende dos governos nacionais.

 

A opinião do autor pode não coincidir com a opinião da redação. As declarações dos entrevistados são de inteira responsabilidade dos mesmos.

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