Pela primeira vez na História, vemos a França a aplaudir algo que se passa em Portugal e não o contrário. No passado dia 10, os três maiores partidos de esquerda juntaram-se no Parlamento em Lisboa para fazer cair um governo de centro-direita. Há quem diga que foi um dia histórico e talvez seja assim porque o secretário nacional do PS francês para a área internacional, Maurice Braud, apelou a "todos os partidos de esquerda na Europa para apoiarem a formação de um governo de esquerda em Portugal para sair da austeridade e encontrar um desenvolvimento solidário e sustentável", sublinhando que "ao ultrapassar as divisões históricas, as forças de esquerda de Portugal dão o exemplo".
Ironicamente, o Tratado Orçamental da União Europeia, aquele espartilho tão odiado pelos comunistas e bloquistas portugueses, pode ter sido a razão desta união.
A maneira como a UE tratou, por exemplo, a Grécia provocou muitas divisões nos partidos socialistas europeus. Estes eram, anteriormente, moderadamente leais às instituições europeias. Agora, após estes anos de austeridade, surgiram difusas revoltas populares, não tanto nas ruas como no interior dos partidos de esquerda. Portugal, o país dos brandos costumes pouco dado a revoltas, reagiu desta maneira: a ala esquerda ascendeu primeiro à direção do PS, conseguiu o feito de se sentar à mesa com os comunistas e bloquistas e agora, após a queda do executivo anterior, espera ser conduzido à liderança do país.
Portugal está muito radicalizado, dividido por trincheiras políticas, de alguma forma semelhante ao que existia em abril de 1974. A nova geração de políticos que já nasceu após a revolução de Abril tem outros horizontes, muitos estudaram e viveram no estrangeiro mas, mesmo assim, parecerem continuar a beber nas antigas fraturas e acalentar os mesmos sonhos. Um desses políticos da nova geração é João Galamba, 39 anos, vice-presidente da bancada parlamentar do Partido Socialista Português.
A Sputnik entrevistou em exclusivo o dirigente socialista em Lisboa:
Sputnik: Caso o Presidente da República tome a decisão de manter o atual governo em gestão até ao Verão, o que irá o Partido Socialista fazer?
S:António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, tem defendido que a crise não resulta da gestão orçamental dos diversos países, mas de problemas estruturais da zona do euro. Concorda com esta afirmação?
S: Você pertence a uma nova geração que já se formou em liberdade. Que país quer ajudar a construir?
JG: Eu quero ajudar a construir aquele país com que a geração anterior à minha, que lutou pela liberdade, sonhou legar aos seus filhos. Eu sou um desses filhos e quero contribuir para renovar a esperança no futuro do país, quero contribuir para renovar a esperança de haver nesta fase uma nova oportunidade de a Constituição (que é um pacto entre todos os portugueses) ser plenamente executada e plenamente cumprida. Portanto, eu acho que a obrigação da minha geração é continuarmos o trabalho que foi iniciado há mais de 40 anos por quem veio antes de nós, estarmos à altura dessa responsabilidade de novamente renovar a esperança na democracia portuguesa, na política e numa ideia muito nobre que, para mim, é essencial na política: juntos conseguimos, todos os partidos, se pensarem no interesse da população portuguesa, podemos construir de fato um futuro diferente, que corresponda às aspirações que estão plasmadas na Constituição portuguesa: Um modelo de uma democracia plena, com igualdade de oportunidades, com Estado Social e com perspectiva de desenvolvimento econômico. É para isso que lutamos, é para isso que lutámos há 40 anos, eu ainda não era nascido mas é para isso que hoje voltamos a lutar e com a expectativa — mas, sobretudo, a enorme responsabilidade – a obrigação (especialmente os partidos à esquerda que não se reveem nas políticas dos últimos anos) de trazer de volta a esperança aos portugueses, virar a página da austeridade e dos anos negros do último ciclo governativo.
S: A Comissão Europeia exige que Portugal apresente já o rascunho de Orçamento para 2016. O que pretende fazer o PS quanto a essa exigência?
S: Acha então que deve ser o atual governo demissionário a enviar ainda esse Orçamento?
JG: Não, a partir do momento que o governo está em gestão já não o pode fazer e espero sinceramente que o senhor Presidente da República resolva este impasse rapidamente e que convide a formar governo o líder do partido que é o único no atual quadro parlamentar que consegue satisfazer as condições do senhor Presidente da República e da Constituição, ou seja, apresentar uma maioria estável que possa governar. Só um governo que efetivamente tenha apoio maioritário é que pode voltar a respeitar os compromissos, não só internacionais como nacionais. É isso que o país precisa para que possa implementar uma agenda de políticas de mudança.
S: Na sua opinião, acha que os acordos do PS com o PCP e o Bloco de Esquerda e os Verdes são no momento a melhor solução para o país?
Neste momento, é isso que está garantido, é nisso que estamos empenhados e queremos que essa solução seja efetivada quanto antes. O povo português precisa desesperadamente, de fato, de um governo e de uma política alternativa e é nisso que estamos empenhados e é isso que vamos conseguir.
S: E a longo prazo, acha que esta solução (a coligação de esquerda) também é boa a longo prazo?
Esta solução consegue responder a um problema, oferecer uma solução no quadro de uma legislatura. A longo prazo é muito importante que os portugueses saibam que, pela primeira vez em 40 anos, o quadro político português mudou e que os portugueses não estão condenados a ver apenas os partidos, o Partido Socialista, a conversar e a dialogar à direita. [Temos] sim uma democracia mais madura em que os 230 deputados e todos os partidos com assento na Assembleia da República podem contribuir positivamente para soluções governativas. Essa é a grande novidade desta solução, pela primeira vez, o PS e a sua esquerda deram uma alternativa aos portugueses. Para o longo prazo, este diálogo e esta experiência terão sempre frutos muito positivos. Os portugueses sabem pela primeira vez que sim, que o PS e os partidos à sua esquerda podem dialogar. Isso é muito importante porque, até agora, havia a perspectiva de que não. Isso era uma impossibilidade que gerava frustração e criava entropias no sistema político, distorcia as possibilidades governativas à direita. Havia uma espécie de distorção em que, ou havia uma maioria absoluta de um só partido, ou então tinha de haver uma negociação à direita. Os portugueses ficarão com uma maior margem de escolha e com verdadeiras alternativas se souberem que é possível diálogo à esquerda e à direita. Esse é um dos grandes contributos desse acordo, é mostrar que há mais possibilidades do que havia até agora.