O investimento na fiscalização de um local selvagem é uma jogada que revive um conflito de quase 500 anos com a vizinha Espanha que já gerou momentos de tensão. O domínio das pequenas ilhas não está em jogo, pois elas são propriedade de Portugal reconhecidamente desde 1938. A disputa atual reside na sua classificação. Para os espanhóis, as Selvagens são apenas rochedos. Para os portugueses, formam um arquipélago tão importante que foi visitado por todos os presidentes desde os anos 90 e será vista de perto pelo atual presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, no final de agosto.
"O objetivo principal é claramente o de reafirmação e de reforço prático da soberania portuguesa sobre o extremo mais a sul do território nacional, apesar desta não estar em causa", afirma à Sputnik o professor Pedro Quartin Graça, doutor em Políticas Públicas pelo ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa) com uma tese intitulada "A importância das ilhas no quadro das políticas e do direito do mar: o caso das Selvagens".
Mas por que a classificação das Selvagens, se ilhas ou rochedos, faz diferença? Para responder é preciso dar uma olhada no mapa. Localizadas no Atlântico, 165 km ao norte das Ilhas Canárias e 280 km ao sul da Madeira, elas influenciam diretamente na definição da linha imaginária que divide os espaços marítimos de Portugal e Espanha. As pretensões dos portugueses em ampliar seu espaço marítimo colidem com as pretensões dos vizinhos espanhóis, ambas já apresentadas à Organização das Nações Unidas (ONU). E o motivo é justamente a classificação das Selvagens.
Pedro Quartin Graça acredita que a disputa sobre a classificação das Selvagens como ilhas ou rochedos não parece estar perto do fim. "É, de forma simbólica, a disputa da 'última fronteira', e ninguém a quer perder. Com tudo o que isso implica", afirma o professor, que conversou com a Sputnik desde a Madeira, onde está em férias.
"A Espanha não parece disposta a abdicar daquilo que é, no meu entender, uma errada visão histórica que tem sobre as Selvagens e o facto de, na realidade, estas serem ilhas e não, como Espanha afirma há décadas, meros rochedos inabitados e não passíveis de exercício de qualquer atividade econômica. Espanha sabe que não tem razão mas insiste em defender que a tem", diz o professor.
"O referido envio serve como efetivação da autoridade do Estado, muito descurada durante décadas, em sede de poderes de vigilância e de fiscalização das atividades, legais e ilegais, exercidas no âmbito mais alargado da ZEE (Zona econômica exclusiva), do mar territorial e da reserva natural e constitui, a par, uma visível demonstração da importância que Portugal atribui à sua fronteira mais a sul, isto num quadro de relacionamento com Espanha por força da proximidade geográfica das Selvagens às Canárias. Serve, sobretudo, como aviso de que Portugal não anda " a dormir" no que toca à defesa dos seus interesses, o que é de louvar pelo alcance prático da iniciativa que, diga-se, há muito defendíamos como sendo de transcendental interesse nacional", explica professor Quartin Graça.
"O reforço da presença do Estado melhora as condições para o exercício da autoridade do Estado", disse em junho passado o ministro português da Defesa, Marcos Perestrello, citado pelo jornal Público. O atual presidente português falou na mesma ocasião sobre a visita e rejeitou qualquer intensão de manifestação de soberania. Marcelo Rebelo de Sousa disse que não há nenhuma motivação política ou jurídica na sua viagem às Selvagens programada para os dias 28, 29 e 30 de agosto. Ele justificou que visitará o arquipélago por "curiosidade", porque sempre quis, como cidadão.