Jean Wyllys: Não posso dizer de maneira tão clara quais são as perspectivas porque as esquerdas no Brasil são assim, plurais. Não podemos falar de esquerda, mas de esquerdas. Mas de maneira geral eu diria que a perspectiva é enfrentar o governo Temer, não reconhecer, não dar legitimidade e fazer uma oposição ferrenha ao governo ilegítimo. Nós não temos que aceitar esse governo, ele não foi eleito, o programa que ele está implementado no Brasil não foi debatido com a sociedade e não passou pelo crivo das urnas. Então a perspectiva das esquerdas no Brasil é enfrentar o governo Temer, fazer oposição ferrenha, não só nós parlamentares que estamos lá no Congresso Nacional, mas também os movimentos sociais, as categorias profissionais vão ter que se opor a esse governo. E também eu acho que dar prioridade às suas convergências e não às suas divergências. As esquerdas nesse momento têm que partir para suas convergências. E isso implica em certos setores da esquerda fazerem autocrítica. Um desses setores é o PT. O PT tem que fazer uma autocrítica.
JW: Se por um lado eu gostaria de estar lá, por outro as novas tecnologias da comunicação e da informação nos permitem estar simultaneamente em dois lugares. Presencialmente não estava lá, mas estava virtualmente. Acompanhei daqui toda a sessão, intervi fazendo comentários e publicando textos e análises nas minhas redes sociais. A minha equipe estava acompanhando presencialmente e, ao mesmo tempo, eu estava fora denunciando aquele golpe. Creio que foi até mais eficaz eu estar fora, porque eu intervinha lá, o meu nível de intervenção era aquele, eu não poderia fazer mais que aquilo, análises, declarações. Eu não podia impedir o processo de impeachment, se dependesse só de mim eu impediria. Se por um lado eu intervi como faria se estivesse lá, por outro lado eu pude, por estar fora, denunciar o que está acontecendo no Brasil.
Sputnik: O que o senhor ouviu dos portugueses sobre a situação política do Brasil?
S: O senhor soube que em Portugal uma aliança entre os partidos de esquerda depois das últimas eleições possibilitou que António Costa formasse governo. Foi algo inédito. Até o Partido Comunista, que nunca tinha se aliado ao PS e ao Bloco de Esquerda, se uniu. Que lições isso ensina ao Brasil? Mais diretamente: não seria hora de a esquerda deixar velhos ranços de lado (como o que o PSOL tem com o PT) e formar uma grande aliança para conter o avanço da direita?
JW: Sua pergunta é até pertinente desde que você não atribua ao PSOL a responsabilidade pela desunião das esquerdas. Se tem uma responsabilidade na desunião das esquerdas é do PT, que ao invés de fazer um governo inclinado à esquerda, fez um governo inclinado à direta. Foi o PT que cedeu às pressões das forças conservadoras, reacionárias e de direita que compunham os seus governos. As esquerdas, fora o PT, têm todo o direito de se colocarem em uma posição crítica porque se chegamos aonde chegamos, foi justamente porque o PT acreditou numa conciliação entre classes que todos nós da esquerda achávamos que não era possível. Achávamos que essa conciliação, na verdade, obliterava algo grave no Brasil, que é a desigualdade, que é a luta de classes, que é o sistema de privilégios. Então não responsabilize o PSOL por isso, não diga que o PSOL tem ranço com o PT. Eu acho que muita gente do PT tem ranço com o PSOL porque o PSOL conserva características e um programa que parte do PT não conserva mais. A despeito dessa ressalva, demonstrando que o problema da desunião das esquerdas está muito mais no PT do que no restante das esquerdas, eu acho que é importante esse diálogo e essa convergência.
JW: Foi muito bom. Agora, na verdade, o Supremo Tribunal Federal não podia fugir de sua própria jurisprudência. Se não houvesse a jurisprudência de que nenhum deputado pode ser condenado por expressar sua opinião, já que ele tem imunidade parlamentar, talvez o resultado fosse outro. Mas como havia, o STF não poderia contrariar sua própria jurisprudência me condenando. Eu acho que foi muito importante porque garante a liberdade de expressão num momento em que a democracia está sendo ameaçada, desmoraliza Eduardo Cunha, que é um gangster, um bandido mesmo, um gangster com fortes relações internacionais, réu pelos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, tráfico de influência, enfim… a humilhação dele é algo significativo. E por outro lado fortalece o trabalho de oposição à esquerda que venho fazendo.
S: O senhor se reuniu com os brasileiros que vivem em Lisboa e têm organizado há meses protestos contra o golpe? Qual a avaliação? Para que servem, na sua opinião, esses movimentos?
S: O PSOL é alvo de críticas dos defensores de Dilma por ter feito oposição ferrenha e, segundo eles, isso colaborou para a queda dela. Que avaliação o senhor faz? Acha que o seu partido errou a mão ao ter um discurso opositor muito próximo da direita?
JW: Eu acho que a queda do governo é reflexo da crise econômica. Com a crise econômica as elites econômicas do Brasil, a plutocracia decidiu que no condomínio do poder não cabia mais o PT. O PT era membro do condomínio do poder e era o membro que, apesar de ter cedido às velhas práticas das oligarquias políticas brasileiras, inclusive às práticas de corrupção, ainda mantinha uma certa preocupação com o social, com os mais pobres. Quando a crise chegou, os mais ricos do país, os plutocratas, as elites econômicas, decidiram que não tinham que manter mais nesse condomínio um partido que se preocupasse o mínimo com o social, com os mais pobres. Então eles decidem tirar a presidenta Dilma e armam essa farsa, esse circo que foi o processo de impeachment. Agora, claro que as Jornadas de Junho contribuíram. Elas são reflexo da crise econômica, dos erros do PT e, depois, foram descaradamente manipuladas pela imprensa brasileira, que fez uma espécie de cobertura-convocação. A massa foi levada às ruas graças ao noticiário manipulado, manipulador e partidário da imprensa brasileira.
S: Com o governo Temer empossado, o senhor teme retrocessos na pauta LGBTT?
S: O senhor e o seu partido se unirão ao PT no que a presidenta Dilma chamou de "oposição mais determinada" que será feita contra o governo de Temer?