As trocas comerciais entre Portugal e o Brasil somaram em julho US$ 282,6 milhões (R$ 893,8 milhões), o valor mensal mais alto desde o início do ano, segundo os dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do Brasil.
As exportações brasileiras para Portugal chegaram a US$ 198,5 milhões (R$ 627,8 milhões) em julho, um registro que fica 45% acima do verificado no mês anterior e que supera também o valor anormalmente baixo de US$ 24,8 milhões (R$ 78,4 milhões) de julho de 2016.
A notícia, veiculada pelo site Portugal Digital, não impressiona demasiado Nuno Teles, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e doutorado em Economia pela School of Oriental and African Studies (Escola de Estudos Africanos e Orientais, ou SOAS na sigla em inglês) que, em declarações à Sputnik Brasil, considerou:
"O comércio entre Portugal e o Brasil é pouco, não é muito significativo e tem crescido devido ao crescimento da economia portuguesa, sobretudo a [em] nível das importações. No caso das exportações, elas continuam muito limitadas: azeite, bacalhau e pouco mais. Não traduz, a [em] nível do comércio, o desenvolvimento das economias. Eles exportam matérias-primas e nós importamos azeite e bacalhau, que nem é pescado cá."
Este crescimento das importações acima das exportações tem sido a nota fundamental do desenvolvimento da economia portuguesa depois do abrandar das imposições da troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional), expressando-se essa tendência claramente no primeiro semestre de 2017.
Apenas no mês de junho, as exportações subiram 6,8% e as importações aumentaram 7,1%, levando a um crescimento de 80 milhões de euros (R$ 297,3 milhões) no défice da balança comercial de bens, para 1.004 milhões de euros (R$ 3.731 milhões).
O INE explica que o desempenho das exportações de junho deve-se principalmente ao crescimento de 6,3% registado nas vendas aos países da União Europeia (UE), enquanto a subida nas importações reflete o acréscimo de 7,4% no comércio dentro da UE.
Entre os principais países de destino, as exportações para Espanha (6,4%), Angola (46%) e França (6,5%) apresentaram os maiores aumentos em face de junho de 2016 e, ao contrário, as vendas a Marrocos, Alemanha e Estados Unidos registaram diminuições.
Nas importações, entre os maiores países fornecedores, em junho é assinalado o crescimento, em termos homólogos, das importações provenientes de Espanha (9,1%) e apenas as importações da Rússia e do Reino Unido diminuíram (menos 53,4% e menos 8,4%, respetivamente).
Para Nuno Teles, este é um comportamento natural da economia portuguesa. Em declarações à Sputnik Brasil, o investigador alerta que a incapacidade de mudar a estrutura produtiva da economia portuguesa faz com que o crescimento seja, sobretudo, alavancado pelo consumo interno, o que resulta em um maior aumento das importações em relação às exportações.
"Isso é natural que assim seja, nada mudou no padrão da estrutura econômica portuguesa, para que uma recuperação econômica não provoque uma subida maior das importações do que das exportações. Haver uma recuperação econômica portuguesa é normal que tenhamos défice externo, que é uma coisa que não aconteceu nos anos da troika, porque o mercado interno tinha colapsado. É normal que volte a acontecer com todos os problemas que isso traz", considerou.
Questionado sobre se vivemos uma espécie de crescimento com a corda na garganta? O investigador aquiesceu: "exatamente".
De acordo com a estimativa rápida das contas nacionais trimestrais relativas ao período entre abril e junho, o Produto Interno Bruto (PIB) português aumentou 2,8% homólogos em volume, uma variação idêntica à registada no trimestre anterior.
Segundo o INE, "a procura externa líquida registou um contributo ligeiramente negativo para a variação homóloga do PIB, refletindo uma mais acentuada desaceleração em volume das exportações de bens e serviços do que das importações de bens e serviços".
Já "a procura interna manteve um contributo positivo elevado, superior ao do trimestre precedente, em resultado da aceleração do investimento".
Apesar desses resultados, a estrutura da economia não se alterou e o endividamento externo continua crescendo. O peso do endividamento do setor não financeiro (famílias, empresas e Estado) na economia nacional subiu de 385,1% no final do primeiro trimestre para 385,9% do PIB em junho (de 718,3 mil milhões para 726 mil milhões de euros), revelam os dados do Banco de Portugal publicados a 22 de agosto.
"Em relação ao final de 2016, o endividamento do sector não financeiro aumentou 10,9 mil milhões de euros [R$ 40,51 bilhões], dos quais 9,9 mil milhões de euros [R$ 36,8 bilhões] respeitavam ao sector público e 1,0 mil milhões de euros [R$ 3,72 bilhões] ao sector privado", lê-se na nota divulgada à imprensa pelo Banco de Portugal.
Apesar dos bons indicadores em termos de crescimento, e até uma diminuição dos ritmos de crescimento da dívida, é impossível que Portugal consiga pagar a dívida externa e crescer. Sendo que quanto mais dívida tem de pagar, menos é provável que consiga crescer.
"Existe uma história que conta que um homem condenado à morte disse ao seu rei: 'Eu poderia ensinar o cavalo de Sua Majestade a cantar, no prazo de um ano.' O rei respondeu: 'Muito bem. Mas se o cavalo não cantar daqui a um ano, você será executado.' Quando o criminoso regressou à prisão, o seu companheiro de cela contestou: 'Tu sabes que não consegues ensinar aquele cavalo a cantar.' O homem respondeu: 'Eu tenho um ano que não tinha antes. Muita coisa pode acontecer num ano. O rei pode morrer. O cavalo pode morrer. Eu posso morrer. E, quem sabe? Talvez o cavalo vá cantar."