Sputnik Mundo entrevistou Armando Fernández Steinko, professor de sociologia na Universidade Complutense de Madri e David Abril, o porta-voz de MÉS per Mallorca.
A coalizão soberanista e das esquerdas de Maiorca, que governa a comunidade autônoma das Ilhas Baleares juntamente com os partidos socialistas espanhol e maiorquino (PSOE e PSIB), já aprovou o roteiro a ser votado na assembleia do partido em 28 de outubro. Seu objetivo é claro: criar uma República de Maiorca e, caso se consiga, a espalhar às outras ilhas: Ibiza, Menorca e Formentera. O anúncio chega quando falta pouco mais de uma semana para a realização do referendo sobre a independência da Catalunha.
Efeito de contágio
Fernández reconhece que "a direita tem razão quando diz que se está tentando dinamitar o Estado espanhol ".
"É por isso que o governo [espanhol] tem uma atitude a mais pausada possível. Este sabe muito bem que não se trata do direito de decidir da Catalunha, mas sim de abrir o espaço para uma dinâmica que pode durar ao longo de muitas gerações. Este resultado pode virar o que temos agora nos Bálcãs: uma situação identitária que consome tudo e a incapacidade de lidar com o neoliberalismo e com problemas sociais que temos com medidas justas", argumentou ele.
MÉS per Mallorca, por sua vez, defende a convocação de um referendo afirmando que "o atual sistema constitucional de autonomia já está esgotado" e assinala também que o governo central prejudica economicamente às Baleares; um argumento que tem sido usado pelos independentistas catalães durante os últimos anos.
"A soberania catalã não se caracteriza por ser muito democrática, porque inicia um processo sem ter o apoio da maioria do país. Graças ao sistema eleitoral catalão, que beneficia aos nacionalistas de cidades pequenas, eles têm a maioria no Parlamento."
Fernández adverte que o que estamos observando na Catalunha não deve ser trivializado e avisa que as aspirações de independência em outros territórios da Europa podem acelerar a dinâmica que está sendo vivida na Espanha.
"É como jogar com o fogo. Não é um roteiro da esquerda, das forças progressistas. Abrir uma porta à instabilidade na península ibérica significa abri-lo no resto da Europa, ninguém vai ganhar. Nem aqueles que têm uma posição crítica quanto à União Europeia."
Fernández ironiza o anúncio de MÉS per Mallorca. "Sim, vamos fazer a República das Baleares, e a República Murciana, e assim por diante… São faíscas que podem se acender e logo serão muito difíceis de serem apagadas."
Daqueles pós surgem estes lodos
Fernández culpa uma constituição espanhola deficiente na abordagem da "questão identitária", uma vez que foi elaborada por um sistema pós-franquista que não estava interessado em abordar essa questão. "As forças constitucionais fecharam os olhos a esse problema", disse ele, enquanto as identidades nacionalistas no País Basco e na Catalunha continuaram seguiam se forjando.
Ele denuncia que, aos olhos dos independentistas, aqueles que não compartilham sua causa são vistos como "fascistas e espanholistas". "Nós, que defendemos a República e lutamos contra Franco, somos tratados injustamente."
"Esse é o guião nacionalista: exacerbar as paixões de tal forma que este ponto de vista intermédio não faça muito sentido… Todos nós temos um sentimento espontâneo de participar, todos queremos democracia", disse ele, mas colocar "el procés" nestes termos não beneficia nenhuma das partes.
Fernández acrescenta: "Eu acho que há muitas pessoas que pensam que a ninguém pode ser usurpado seu direito de decidir. A questão é sobre o quê, como e quem decide, porque é muito retórico isso de decidir. Para poder decidir, falta uma presença equitativa de todas as partes na mídia", afirma ele, e denuncia que na Catalunha todos os meios de comunicação louvam o roteiro do governo catalão. "Se você disser isto, vai ser tratado como um espanholista ou franquista."
Para um tratamento mais justo
Ressalta que o arquipélago é a principal comunidade autônoma espanhola em número de turistas, com pouco mais de um milhão de moradores, algo que significa um padrão de vida mais elevado e, portanto, mais caro. Madri não leva em conta esta particularidade, não oferece condições especiais à comunidade autônoma para compensar sua situação especial e o resultado é um déficit estatal para as ilhas que, segundo os últimos dados oficiais, é de 1.500 milhões de euros.
MÉS é um partido que surgiu há apenas 3 anos, da união de diferentes forças nacionalistas de esquerda e ecologistas da esquerda alternativa, e que está governando as principais instituições da comunidade autônoma. Sua presença na área é forte.
O saneamento básico precário, os salários que não correspondem ao padrão de vida das ilhas e um estatuto autônomo que não é respeitado pelo Estado central, "dando como desculpa os cortes e a crise" são os principais argumentos do MÉS per Mallorca. O porta-voz do partido reconhece que ainda não há um movimento de independência de fundo nas ilhas e se refere ao que está ocorrendo na Catalunha, onde "são o povo que lidera e os políticos o estão seguindo" e não o contrário.
Nesse sentido, o MÉS tentará "conectar e ligar os problemas cotidianos de cidadania, presentes na saúde e educação, bem como na saturação turística" com a elevada interferência por parte do Estado nas instituições maiorquinas.