A decisão se mantém em segredo, mas nós conhecemos o maior desses segredos. Primeiro, essa estrutura é criada caso a Ucrânia entre de fato em uma guerra (independentemente da sua declaração formal). Segundo, será o secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, Aleksandr Turchinov, quem vai "organizar" sua atividade, ou seja, na prática, irá gerir o trabalho dessa estrutura.
Na verdade, quem monopolizou a influência sobre Kuchma, tomando todo o controle sobre a informação e até o acesso dos ministros e conselheiros a ela, foi Vladimir Litvin, que ao mesmo tempo ocupava o cargo de primeiro conselheiro do presidente e de chefe da sua administração.
A situação com Litvin, de algum modo, é parecida com a de hoje, mas com uma diferença séria. Litvin monopolizou o acesso à fonte do poder, influindo assim significativamente nas decisões tomadas pelo presidente. Turchinov, por sua vez, tenta monopolizar o próprio poder, arrancando as alavancas reais das mãos de Poroshenko.
Ainda em 2014, no momento da nomeação de Aleksandr Valentinovich [Turchinov] como secretário do CSDN [Conselho de Segurança e Defesa Nacional], a [Suprema] Rada votou a favor das emendas à lei sobre o órgão. Em concordância com essas emendas, o secretário do CSDN se transformou de uma figura muito influente, mas técnica, em uma figura política.
Entretanto, isso só abrangia os assuntos civis, dando a Turchinov apenas a oportunidade de influir nos serviços de segurança de modo indireto. Em geral, Poroshenko chefiava o exército através do Estado-Maior, o Serviço de Segurança da Ucrânia diretamente através do seu chefe Vasily Gritsak, enquanto a Guarda Nacional e o Ministério do Interior estavam fora da influência de Poroshenko, se submetendo a Avakov [o chefe do Ministério do Interior da Ucrânia].
A partir de agora, no caso de um conflito militar, prevê-se a criação do posto do comandante-em-chefe que reúne a chefia de todos os serviços de segurança. Já a gestão, bem como escolha e nomeação dos seus funcionários caberá a Turchinov.
Poroshenko, por sua vez, interpretará o papel de presidente sentado, a quem é permitido estar sentado à mesa como chefe e abençoar de modo formal as decisões tomadas com antecedência.
Mais que isso, com uma certa habilidade burocrática (que Turchinov tem em sobra), ele poderá adquirir alavancas adicionais de influência sobre as estruturas de segurança em tempos formalmente de paz.
O bom senso e a tradição burocrática provam que a maneira mais fácil de resolver esta questão é criando as respectivas subdivisões submetidas ao CSDN dentro das estruturas de segurança e outras, para que nos tempos de paz monitorizem a situação, enquanto nos tempos de guerra completem o aparelho do Conselho de Segurança, formando o núcleo profissional da estrutura.
Claramente, os serviços de segurança vão se opor à criação de "células" dos outros nas suas instituições, mas no que se trata da confrontação burocrática Turchinov tem experiência de sobra. É pouco possível que eles possam opor resistência, tanto mais que a postura de Turchinov é garantida pela decisão do CSDN e pelo respectivo decreto do presidente que, de modo secreto, mas escrupuloso, define as tarefas, os métodos e os mecanismos dos trabalhos para criar o posto e, como mencionamos antes, desde 2014 Turchinov tem o controle permanente de todas as atividades cujo funcionamento cabe à responsabilidade do CSDN. Fechou-se o círculo.
A propósito, este não é apenas único sucesso de Turchinov no que se trata da concentração das alavancas reais de poder em suas mãos. Em 3 de outubro, Poroshenko emitiu um decreto que fez entrar em vigor a decisão do CSDN de 13 de setembro de 2017 sobre a cooperação militar e técnica da Ucrânia com países individuais. Ela também era secreta.
Não vamos mergulhar profundamente nos "segredos" da contraespionagem ucraniana. Apenas prestemos atenção a que o conceito secreto, em geral, faz enfoque na proteção das informações, inclusive das linhas de comunicação, das redes de computadores e assim por adiante.
Já a cooperação militar e técnica é uma de poucas fontes de receita em moeda forte para a Ucrânia. Claro que controlar (e de fato, organizar) o cumprimento desses decretos também caberá a Turchinov.
Deste modo, ele adquire:
1. O controle da cooperação militar e técnica — ou seja, da fonte financeira que patrocina os serviços de segurança.
2. O controle de informações e comunicações.
3. A gestão das forças de segurança nos períodos especiais [de guerra] e o controle delas nos tempos de paz.
Além do controle sobre o governo que já tem, Turchinov se torna o político mais influente na Ucrânia. O presidente fraco, preguiçoso, distraído e nem sempre adequado já não pode contrapor nada a Turchinov, um burocrata experiente que se sente confortável em intrigas e que ao mesmo tempo se apoia no aparelho do CSDN escolhido pessoalmente, profissionalmente preparado e comprovado ao longo de três anos e meio de trabalho em condições reais.
Mas se ele entende tudo, então por que ele concorda?
Primeiro, o que lhe resta? Já faz muito tempo que ele não tem nem apoio nem prestígio, o poder está lhe escapando, enquanto a traição está sendo preparada pertinho dele.
Ao mesmo tempo, a necessidade de tomar as respectivas decisões se baseia na lei, adotada pela Suprema Rada em primeira leitura e apresentada pelo próprio Poroshenko, chamada "Sobre as especificidades da política do Estado para preservar a soberania nacional da Ucrânia nos territórios temporariamente ocupados das regiões de Donetsk e Lugansk".
De fato, esta lei introduz um estado de guerra não declarada entre a Ucrânia e a Rússia, caracterizando a última como potência agressora e ocupante. A guerra, por seu turno, precisa de certos mecanismos que são introduzidos pelas decisões do CSDN.
Segundo, o reforço das capacidades de poder de Turchinov leva objetivamente ao confronto de interesses entre o secretário do CSDN e o ministro do Interior Avakov. Ou seja, Poroshenko adquire a possibilidade de manobrar entre os dois centros de poder. Não sabemos se Turchinov e Avakov entrarão em confronto ou se encontrarão consenso através de Poroshenko. Mas Pyotr Alekseevich [Poroshenko] está em uma situação sem alternativa — quem se afoga pega até uma palhinha.
Significará isso que a Ucrânia vai guerrear em Donbass? Deverá tentar realizar uma tentativa para reativar as operações militares. Mas, ao mesmo tempo, Kiev vai tentar preservar a capacidade de controlar o processo para poder voltar à trégua em qualquer momento.
Mesmo correndo riscos de que não haja um Minsk-3, por os parceiros ocidentais já estarem cansados da Ucrânia, Kiev está demasiado interessado na guerra para se dar ao luxo de não guerrear pelo menos em Donbass.
E, claro, a Ucrânia vai guerrear contra si própria. O nível de descontentamento com as autoridades está demasiado alto e as contradições dentro do poder são fortes demais para que a nova onda de violência fique limitada ao leste do país. A guerra deverá alastrar por todo o país.