O final do ano passado e o início do ano novo, um período em que tradicionalmente nada costuma acontecer no campo informacional, foi marcado por vários acontecimentos, até mesmo reviravoltas, em diferentes partes do mundo.
'Primavera árabe no Irã'
O tema de maior repercussão nos últimos dias tem sido o dos violentos protestos na República Islâmica do Irã, que começaram com lemas contra a crise econômica e continuaram com exigências de mudança do regime "totalitário".
O presidente do país, Hassan Rouhani, aproveitou a oportunidade para dizer que os cidadãos têm direito e até razão para protestar, quando se trata de manifestações pacíficas em concordância com a lei nacional, porém, fez questão de sublinhar que alguns dos manifestantes foram incitados por agentes externos, em primeiro lugar dos EUA e da Arábia Saudita.
O núcleo dos manifestantes, que inclusive proferiram tais declarações como "morte ao ditador" e "morte a Rouhani", é composto, como é próprio dos levantamentos populares, pela classe operária e juventude, camadas populacionais que mais sentem a vulnerabilidade e incerteza financeiras.
A maioria dos especialistas relaciona o descontentamento popular existente no país com o fato de o Plano de Ação Conjunto Global, aprovado em 2015, não ter satisfeito as esperanças dos cidadãos, que almejavam uma profunda revitalização da economia após o levantamento das sanções. Em troca, receberam uma economia nacional estagnada e a falta de meios para comprar até a cesta de alimentos básicos — assim, o preço dos ovos, por exemplo, aumentou 40% ao longo dos últimos 6 meses.
As opiniões sobre o possível desenvolvimento da crise diferem — uns afirmam que ela não vai levar a quaisquer mudanças sérias no país, outros se preparam para mais uma "Primavera Árabe".
Entretanto, as relações extremamente tensas entre a administração Trump e a República Islâmica, bem como a omnipresente aspiração de Washington de espalhar a democracia por todo o mundo, levam a pensar que a Casa Branca pode aproveitar a oportunidade para promover seus valores em um território com condições propícias.
Batalha 'dos botões'?
Outra crise grave que tem causado preocupação por todo o mundo ao longo dos últimos meses é o problema norte-coreano, ou seja, seu programa nuclear. O primeiro ano do governo Trump foi marcado pela constante presença do perigo de guerra, tão forte era a retórica de ambos os líderes. Para muitos analistas, Pyongyang deveria virar o "Iraque de Trump", isto é, a sua oportunidade de conduzir uma guerra regional (ou até global, dada a presença de armas nucleares de ambos os lados) e difundir assim a "grandeza dos EUA".
Entretanto, as declarações nunca acabaram por se concretizar na prática, enquanto para muitos fica bem evidente que a Coreia do Norte de fato nunca atacaria primeiro nenhuma outra nação, especialmente uma potência como os EUA.
De fato, todo o desenvolvimento nuclear norte-coreano visa, em primeiro lugar, garantir a autossuficiência e a capacidade de defender sua soberania e a ideologia nacional no caso de um possível ataque, enquanto o Ocidente e, particularmente, Washington, continua retratando a Coreia do Norte como o mais perigoso agressor dos nossos tempos
Reativação do 'barril de pólvora' no Oriente Médio
Outra crise de longa data que recentemente teve seu agravamento também tem a ver com a política da administração norte-americana: trata-se da confrontação árabe-israelense. Após a decisão de Donald Trump, anunciada em 6 de dezembro, de reconhecer Jerusalém como a capital oficial israelense, a região tem estado mergulhada em confrontos violentos entre ativistas palestinos e as forças de segurança de Israel.
Esta questão tem sido uma das mais dolorosas na política internacional ao longo de várias décadas, contudo, os presidentes estadunidenses tradicionalmente tentaram manter um equilíbrio de interesses na área e não se inclinar demais para um ou outro lado. Já Trump, ao tomar sua decisão equivocada, assegurou que foi o primeiro líder em 20 anos a cumprir suas promessas, dado que a respectiva decisão na verdade tinha sido adiada a cada 6 meses por todas as administrações anteriores.
Entretanto, no contexto atual os riscos são muitos: Trump e a sua equipe nem tentam abafar sua simpatia para com o governo de Israel. O presidente dos EUA está rodeado de conselheiros pró-israelenses, inclusive sua filha e seu marido que praticam o judaísmo, visita lugares onde nenhum presidente estadunidense tinha estado (por exemplo, o Muro das Lamentações), recebe a honra de dar o nome a estações ferroviárias em Israel, vira herói da arte de rua, se unindo em um beijo fervoroso com Netanyahu, e, por fim, parece que faz tudo para incitar a ira dos palestinos, especialmente após sua recente ameaça de cortar todos os canais de financiamento a esse povo.
'Virada à direita' na Venezuela?
O ano passado também se caracterizou pela situação cada vez mais nebulosa em torno do país bolivariano, com violentíssimos protestos populares, centenas de vítimas, inflação galopante, escassez gritante de produtos de primeira necessidade, troca de acusações recíprocas com os líderes ocidentais e tentativas infrutíferas de negociações entre o governo e os grupos de oposição.
Enquanto a situação econômica no país se aproxima cada vez mais de uma verdadeira catástrofe humanitária, seu líder, falando ao povo no Ano Novo, anuncia a gradual saída da crise, aposta cada vez mais na nova "mania" mundial, as criptomoedas, uma iniciativa que para a maioria de economistas parece uma simples fuga à realidade, e não para de culpar o imperialismo ocidental por todos os males.
Ao mesmo tempo, o descontentamento popular não desaparece de modo assim tão simples e acaba criando um efeito de bomba-relógio na sociedade. Por isso, caso o regime decida lutar por manter o status quo, é bem possível que se crie uma situação bastante crítica, em que uma erupção instantânea pode se tornar em algo capaz de ficar fora de controle.