A autora do levantamento é a especialista em violência policial e professora da Tulane University (localizada em Nova Orleáns, estado com grande população negra), Martha Huggins. Huggins acredita que em ambos os países — Brasil e EUA — a ação violenta da polícia ganha legitimidade pelos governos.
Leonídio vê evidências desse viés na rapidez com que foi criado o primeiro Código de Processo Penal brasileiro, logo após a independência. Segundo ele, nossa herança histórica deixou uma herança de estigma e racismo que ajudam a explicar a ação das polícias hoje.
"Do nosso ponto de vista não existe o crime, existe a produção do criminoso. E ela passa por este componente fundamental que é o estereótipo do potencial criminoso, aquele que é o o alvo preferido das ações penais, da perseguição da Justiça e da polícia. Estes critérios são importantes [para entender a] a seletividade penal que se exerce sobre estes supostos crimes", avalia o pesquisador.
"No Brasil, foram mais de 5 mil pessoas assassinadas pela polícia só no ano passado. Só no estado de São Paulo foram 970, quase 1/5 do total", analisa, dizendo ainda que a riqueza de SP em comparação com outros estados pode evidenciar a correlação entre a letalidade policial e a preocupação de controlar e assegurar a propriedade.
Ex-policial faz mea culpa e assume: 'dados guardam reflexo de ódio de classes'
Ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro — o segundo maior cargo na hierarquia da corporação — e atual pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Robson Rodrigues reconhece a brutalidade na forma como policiais atuam em todo o Brasil.
"A polícia brasileira é uma das mais violentas do mundo e sofre com isso porque ao se instrumentalizar o desvio de papel para este conflito, se torna também uma das que mais morre. Este é o resultado de uma sociedade violenta e que segrega, com índices de concentração de renda absurdos e uma injustiça social tremenda. A Polícia é um braço do Estado e um reflexo direto da forma como este Estado acaba tratando essas populações", assume.
Rodrigues também avalia que há uma "orientação emocional na crença de que a morte de criminosos vai resolver o problema" da segurança pública. "Não resolveu e não vai resolver. Para quebrar isso precisa de clareza e direcionamento políticos, coisas que hoje não vemos no nosso país", cobra.