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'Saia justíssima': tentativa de interferência política de Israel nos EUA abala relação entre aliados

© AP Photo / Mark SchiefelbeinBandeiras em miniatura dos EUA e de Israel em marcha por Israel em Washington, D.C. EUA, 14 de novembro de 2023
Bandeiras em miniatura dos EUA e de Israel em marcha por Israel em Washington, D.C. EUA, 14 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 11.06.2024
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Acostumados a acusar a Rússia de interferência política, EUA foram alvo de campanha secreta promovida por Israel, um de seus maiores aliados. À Sputnik Brasil, especialistas afirmam que, além de criar uma saia justa para Washington, o flagrante tem potencial para alterar a aliança entre os países.
O governo de Israel pagou pelo menos US$ 2 milhões (cerca de R$ 10 milhões) em uma campanha secreta para influenciar politicamente congressistas americanos no intuito de angariar apoio à ofensiva israelense na Faixa de Gaza.
A denúncia veio à tona em um relatório divulgado pela agência de checagem israelense Fake Reporter e cria um embaraço na tradicional relação entre Washington e Tel Aviv.
Segundo o relatório, a campanha utilizou perfis falsos criados nas redes sociais para postar comentários pró-Israel nas redes de 128 congressistas americanos, a maioria do Partido Democrata, do presidente Joe Biden. Por vezes, os comentários postados traziam links com artigos de páginas falsas.
Ainda de acordo com a Fake Reporter, pelo menos 600 perfis falsos postaram mais de 2 mil comentários por semana apoiando as ações militares de Israel, atacando grupos de direitos humanos palestinos e rejeitando acusações de abusos dos direitos humanos por parte de Tel Aviv. O relatório circulou nos meios de comunicação dos EUA, trazendo à tona uma saia justa para Washington.
A Sputnik Brasil conversou com especialistas que analisaram como a revelação pode afetar a relação entre EUA e Israel, abalada por conta da ofensiva em Gaza, e que embaraços políticos podem resultar do fato de os EUA terem sido alvo de uma campanha de desinformação perpetrada por seu aliado incondicional.

Flagrante aumenta o isolamento de Israel?

Rodrigo Amaral, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), chama a atenção para o fato de que, dias após a divulgação do relatório, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou uma resolução, construída pelos EUA, por um cessar-fogo em Gaza.

"O Hamas considerou bem-vinda essa resolução, o que significa que Israel evidentemente vai estar pressionado a encerrar suas operações militares. Vamos ver se isso de fato ocorrerá", afirma.

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Ele acrescenta que a notícia é boa porque pavimenta o caminho para um cessar-fogo, já que Washington é até hoje "o maior financiador e garantidor das operações militares israelenses em Gaza", e porque revela "os mecanismos de pressão que têm feito os EUA alterarem sua postura tradicional, que era uma postura de aliança" com Israel.
Nesse contexto, Amaral afirma que o relatório da Fake Reporter é mais um elemento de pressão somado a outros, como os protestos universitários pró-Palestina nos EUA, que levaram o governo Biden a mudar sua postura "de um EUA apoiador cego de Israel para um EUA mais moderado, no sentido de demandar soluções o mais breve possível para a questão de Gaza".

"Esse relatório que vaza essa informação de que Israel estaria usando de inteligência artificial, a criação de perfis robôs para pressionar no sentido inverso, ou seja, falar que esses movimentos universitários seriam antissemitas, ou que haveria qualquer tipo de mobilização antissemita nos EUA, e esse dinheiro usado para pressionar congressistas americanos é mais um elemento que pega mal que circulou no noticiário norte-americano nestes últimos dias. Ele soma mais um elemento negativo para a postura norte-americana [de apoio a Israel]", destaca Amaral.

Por sua vez, José Renato Ferraz da Silveira, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), aponta que a mudança de tom dos EUA em relação a Israel reflete um comportamento ambivalente na questão externa e uma preocupação interna de Joe Biden com a opinião pública.

"Avalio que quanto mais a guerra prolongar-se, Joe Biden, pragmaticamente, será obrigado a endurecer o discurso contra Israel à medida que aumenta o número de vítimas crianças e mulheres. Para muitos analistas, a provável sequela pós-guerra será a emergência de uma nova dinâmica dessa relação."

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Ele acrescenta que a revelação da campanha secreta israelense "demonstra o jogo arriscado, oportunista, estratégico e consciente de Israel de manipular e influenciar a opinião pública dos EUA e dos congressistas americanos".

"É certo que Israel utiliza, com êxito, ao longo da história, uma 'política de bullying' baseada no vitimismo e no ressentimento contra pessoas, grupos, instituições e países que contrariam ou discordam das suas ações. Normalmente quem critica Israel é chamado de antissemita e rotulado como 'nazista', 'fascista', 'persona non grata', entre outras expressões contundentes", afirma Silveira.

Por que o alvo era o Partido Democrata?

Segundo Amaral, o principal alvo da campanha israelense foi o Partido Democrata porque a legenda reúne a maior parte dos críticos da ofensiva israelense.

"Partiam principalmente dos democratas as pressões contra o próprio governo de Joe Biden, que teve baixas no seu corpo técnico de governo justamente por conta dessa responsabilidade que os EUA tinham em financiar, em armar Israel, em um momento que atinge 38 mil civis palestinos mortos nesse conflito. Então, sem dúvida nenhuma, essa operação secreta israelense tinha como objetivo reverter essa onda [de críticas]. Não reverteu, porque inclusive vazou essa informação. O tiro saiu pela culatra."

Ele acrescenta que Israel faz uso de sua capacidade tecnológica e de espionagem para promover a chamada Hasbará, termo que designa os esforços empregados por Tel Aviv para difundir uma propaganda positiva de Israel.
"É justamente um termo usado pelo governo israelense para falar dessa ação que seria algo muito próximo de uma ideia de poder brando [também chamado de soft power], de uma ação mais leve em termos de difusão de informação, a ideia de dominação de narrativas. A Hasbará está dentro dessa lógica, e eu acho que que essa ação [campanha secreta] é uma ação encoberta, mas ela está dentro dessa lógica da Hasbará", explica.
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Porém, segundo Amaral, o "tiro pela culatra" que resultou da campanha secreta, sem dúvida nenhuma, vai aumentar o isolamento de Israel.

"Acho que essa é mais uma gota d'água num copo cheio, em que Israel está cada vez mais isolado, e agora vê até mesmo a potência que o favorece, que são os EUA, conseguindo trazer uma proposta de cessar-fogo, aprovada no Conselho de Segurança da ONU."

Silveira compartilha da opinião de Amaral sobre o fato de o Partido Democrata ser o principal alvo da campanha israelense por ser mais crítico à ofensiva do que o Partido Republicano, e cita como exemplo um recente episódio ocorrido na Câmara dos Representantes dos EUA, liderado pelos republicanos, no qual foi aprovado "um projeto de lei que institui sanções ao Tribunal Penal Internacional [TPI] pela decisão de solicitar mandados de prisão a autoridades israelenses devido à guerra em Gaza".
"A proposta foi aprovada por 247 votos a 155, com 42 democratas se juntando aos republicanos em apoio à medida. Não houve votos contra de republicanos, embora dois tenham optado pela abstenção. É pouco provável que o texto seja efetivamente convertido em lei, mas reflete o apoio contínuo do Congresso americano a Israel em meio a críticas internacionais pela campanha do país do Oriente Médio na Faixa de Gaza. O lobby de Israel dentro do Congresso norte-americano é muito forte."

EUA têm experiência em interferência política

Questionado sobre o fato de os EUA, acostumados a acusar a Rússia de tentar interferir politicamente no país, terem de lidar com esse tipo de manobra partindo justamente de um de seus principais aliados, Amaral enfatiza que, na verdade, há um histórico muito grande dos Estados Unidos de interferência em questões políticas.

"Vale mencionar, por exemplo, o golpe de 1964 no Brasil, que em 1963 e 1962 houve uma grande participação de atores norte-americanos no intuito de tentar afetar os rumos políticos brasileiros, tentar evitar que a onda esquerdista, digamos assim, que estava sendo conduzida com o presidente João Goulart na época, se mantivesse. A tendência era essa na época, e os EUA fizeram diversas mobilizações através de institutos e think tanks para tentar colocar essa onda no Brasil como associada à lógica comunista. Isso foi muito forte e acarretou no apoio de uma parte importante da elite brasileira ao golpe de 1964, que era um golpe justamente antidemocrático", afirma.

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Ele destaca que a interferência política é uma arma de potências hegemônicas contra Estados mais fracos que desejam manipular, e que com a ascensão da inteligência artificial "isso se torna cada vez mais temoroso".
"Acho que isso é um ponto central. Sem dúvida nenhuma nós falaremos de inteligência artificial nas eleições dos EUA, falaremos de inteligência artificial nas eleições aqui no Brasil. Porque é um novo artifício para essa velha prática de interferência através de mecanismos indiretos, mecanismos secretos, de mecanismos brandos ou pouco perceptíveis."
Já Silveira aponta que "guerra ou campanhas de desinformação são velhas formas e expressões políticas, mas com novas roupagens e estratagemas para enfraquecer, derrotar, influenciar, manipular, conter, destruir 'inimigos' internos e externos".
Ele afirma que o cenário atual vivenciado por Washington aponta para o chamado mundo BANI, "que se refere aos desafios enfrentados no século presente, com a sigla BANI significando originalmente 'Brittle, Anxious, Non-linear, Incomprehensible' — em português 'Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível'".

"Os EUA estão diante de uma saia justíssima nessa situação em especial, e de um dos inúmeros desafios do mundo BANI. Nenhum país está imune a campanha de desinformação. Os avanços tecnológicos já propiciam certo controle, total ou parcial, dos indivíduos, destruição ou manipulação da memória histórica dos povos, e guerras ditas em nome da paz já fazem parte da realidade deste mundo tão similar ao romance '1984', de George Orwell."

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