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Talibã no Afeganistão: aproximação com Rússia e Ásia Central é chave para a estabilidade regional?

© AP Photo / Dmitri LovetskyMembros do governo do Talibã durante o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo. Rússia, 6 de junho de 2024
Membros do governo do Talibã durante o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo. Rússia, 6 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 12.06.2024
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Depois de 20 anos, as tropas dos Estados Unidos deixaram o Afeganistão ao longo de agosto de 2021. Ao país da Ásia Central, a ocupação norte-americana resultou em caos, incertezas e instabilidade, o que levou o grupo Talibã ao poder. Mas o cenário sombrio na região começa a dar espaço a uma luz no fim do túnel com mudanças na configuração local.
Em 2001, em meio à guerra contra o terror iniciada após os ataques do 11 de Setembro em Nova York, era iniciada a ocupação militar norte-americana no Afeganistão. À época, o objetivo principal do governo do então presidente George W. Bush era localizar o fundador da Al-Qaeda e responsável por orquestrar o atentado contra as Torres Gêmeas, Osama Bin Laden, que foi acolhido pelo grupo Talibã — organização sob sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) por atividade terrorista.
A operação atravessou décadas e perdurou até 2021, em uma tumultuada saída em 30 de agosto, quando a última aeronave do país deixou o aeroporto de Cabul, e que ressuscitou o controle do Talibã sobre a região.
Em meio às incertezas e aos caos que tomavam conta do Afeganistão, começava um novo governo para o grupo que esteve à frente do país entre 1996 e 2001. Após quase três anos, mudanças geopolíticas na Ásia Central começam a sinalizar um caminho de estabilidade para a região: o reconhecimento cada vez mais próximo do Talibã como governo legítimo pelo Cazaquistão, um dos principais atores locais. Além disso, foi o primeiro país do mundo a retirar o grupo da lista de organizações terroristas.
Na última semana, como resultado do estabelecimento de relações diplomáticas oficiais com a Rússia iniciado em 2022, o governo talibã enviou uma delegação ao Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF, na sigla em inglês), mais um passo rumo às mudanças positivas no difícil xadrez político da região.
O professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernando Brancoli avaliou em entrevista à Sputnik Brasil que o atual panorama tem como centralidade garantir estabilidade nas relações comerciais e econômicas da Ásia Central, o que também pode gerar efeitos políticos e sociais.

"As ações recentes do Cazaquistão, como a acreditação desses enviados do Talibã e a remoção na lista de grupos terroristas, são significativas porque sinalizam a mudança nas relações diplomáticas regionais […]. No que diz respeito à Rússia, há até discussões sobre a remoção do grupo da lista de organizações extremistas, o que também reflete mudanças pragmáticas na política de Moscou. Essas modificações são impulsionadas por questões econômicas e pela necessidade russa de estabilizar a região. No caso de reconhecer o Talibã, pode facilitar as relações entre Afeganistão e Rússia, além dos países do entorno, gerando estabilidade política, que é crucial", resume o especialista.

Além disso, o professor avalia que a participação afegã no SPIEF reforça os laços econômicos do país com as demais nações da Ásia Central e, com isso, ajuda na recuperação econômica de Cabul.
"Isso também sugere uma mudança para a cooperação regional, potencialmente reduzindo a influência ocidental, que ainda considera o Talibã um grupo terrorista. Há o aumento do papel de países como Rússia e China para questões de segurança e econômicas na região", pontuou.
Brancoli acrescenta que, frente ao histórico radical do grupo e de abrigar espaços extremistas que podem trazer diversos riscos, a normalização das relações diplomáticas do Afeganistão com outras nações ajuda a equilibrar o "engajamento regional com medidas de segurança rigorosas para, de alguma maneira, mitigar ameaças".
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Como é a vida no Afeganistão hoje?

A volta do Talibã ao poder aconteceu em meio ao crescimento da miséria no Afeganistão, que conta com uma população de 41 milhões de pessoas. Desse total, conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 34 milhões está abaixo da linha da pobreza, índice que dobrou entre 2020 e 2022, durante a conturbada saída militar dos Estados Unidos. Apesar dos problemas sociais, o país experimenta melhorias na segurança e diminuição de conflitos internos com grupos ainda mais radicais que poderiam tomar o poder.
Gabriel Mathias Soares, doutor em história social e mestre em estudos árabes pela Universidade de São Paulo (USP), resume à Sputnik Brasil que há uma tentativa de normalização no país, o que pode contribuir para reduzir o alto percentual de pobreza. "É óbvio que o Talibã também tem imposto algumas limitações a questões que avançaram naquele período [da ocupação dos EUA], principalmente na educação das mulheres. Mas existem algumas iniciativas para tentar negociar isso, em que o grupo possa entender e aceitar", frisa.
O especialista pontua também que, na questão econômica, o Afeganistão é essencial na consolidação de novas rotas comerciais e conta com diversos recursos minerais. "Com essa retirada dos Estados Unidos, foi sinalizada uma espécie de nova configuração para a Ásia Central, sem essa ingerência norte-americana, e que um dos eixos centrais é a relação com Rússia e China, onde existe o projeto de Cinturões e Vias ou, como alguns chamam, de Novas Rotas da Seda. A região é uma parte importantíssima dessa configuração que sai do antigo eixo tradicional de longuíssima duração, dominantes especialmente a partir do século XVIII e XIX, com a industrialização da Europa, e que, certamente, as relações intra-asiáticas começaram a ficar mais sujeitas à ingerência europeia", explica.
Para Soares, o Talibã começa a se mostrar disponível em estabelecer com seus parceiros uma relação de cooperação e estabilidade maior do que ocorreu no passado, o que poderia levar a uma maior integração regional, especialmente com países como Paquistão, que recebeu a maior parte dos refugiados afegãos nos últimos anos.
"Existe um movimento de integração maior entre esses países e, certamente, o fim da presença norte-americana na região ajudou nesse processo de facilitar esse acordo […]. E, claro, a relação oficial talvez possa vir com concessões de ambos os lados. Talvez isso também abra um espaço para que você tenha um regime talibã um pouco menos rígido. Não em toda a sua extensão. É uma possibilidade, mas, obviamente, não é nada garantido", enfatiza.
Porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid (no centro com xaile), faz anúncio no aeroporto de Cabul após a saída das tropas americanas, 31 de agosto de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 19.02.2023
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Quem manda hoje no Afeganistão?

Dias após a saída dos Estados Unidos em 2021, o Talibã anunciou a formação de um gabinete de governo chefiado pelo mulá [Mohammad] Hassan Akhund como primeiro-ministro e Hibatullah Akhundzada, que é o líder supremo. Em uma rara aparição pública no início de abril, Akhundzada criticou a comunidade internacional por "querer dividir" a população do país. Bernardo Kocher, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse à Sputnik Brasil que passados três anos da implantação, a situação aparenta "ser diferente em termos de segurança internacional".

"As necessidades econômicas, em meio a um conflito próximo aos países da Ásia Central [a Ucrânia], cercada por dois vizinhos de grande porte econômico [a Federação da Rússia e a China] apontam, por outro lado, para uma perspectiva de necessária reintegração da economia afegã na participação das decisões e dos fluxos de comércio regionais, mesmo que ainda existam severas ressalvas de seus vizinhos. Estas, no entanto, estão sendo administradas, já estando em evidência uma expectativa para tratar as relações com o país no curto prazo. Mesmo o Tajiquistão, o mais crítico entre os países da Ásia Central em relação ao governo do Talibã, está se ajustando a essa nova realidade", declarou.

Apesar disso, o especialista pontua que, no momento, não há normalização total. "Apenas áreas selecionadas pelos interesses dos países da região serão permitidas e incentivadas [para o fluxo comercial]. O Cazaquistão reatou relações com o Afeganistão tendo como base esse contexto, voltado para a participação na reconstrução do país e atuando em áreas como transporte ferroviário, infraestrutura, energia e agricultura. O país, focando uma normalização futura da inserção da economia afegã na economia mundial, se predispôs a ser uma espécie de intermediário/fiador desse processo", acrescentou, ao lembrar que o processo pode contribuir para superar a duradoura crise humanitária que assola o Afeganistão.
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