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Mundo multipolar: enquanto Europa fecha portas para Turquia, país aposta na América Latina

© Foto / Ricardo Stuckert / Presidência da RepúblicaO presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (à direita), e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (à direita), e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan - Sputnik Brasil, 1920, 08.10.2024
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Ao mesmo tempo que parceria com OTAN e potências ocidentais só se mostra recíproca quando atende aos interesses imperialistas, Turquia aposta na América Latina para intensificar trocas econômicas e diplomáticas e ajudar na própria recuperação financeira. Só com o Brasil, comércio bilateral cresceu quase 14 vezes em menos de 20 anos.
No centro do mundo, o país considerado berço da civilização que já foi palco de acontecimentos mundiais seculares e viu crescer e ruir impérios. Localizada entre a Europa e a Ásia, a Turquia sempre atraiu os olhares das grandes potências pela importância geográfica, política e cultural. Prova disso foi a pressão, ainda em 1952, para a entrada do país na então recente Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Mas o tempo só mostrou que a parceria nunca seria uma via de mão dupla, principalmente quando os interesses imperialistas das grandes potências da aliança não fossem respeitados. É o caso da ofensiva turca contra os curdos na Síria em 2018, que lutavam contra o governo do presidente Bashar al-Assad: desagradou tanto que fez a gestão Donald Trump jurar publicamente que "destruiria" a economia de Ancara. A partir de 2020, o país entra em crise financeira, agravada pela taxação em 50% pelos Estados Unidos de um dos seus principais produtos de exportação, o aço. O resultado: aumento da dívida externa, desvalorização da moeda local e inflação acima de 75%.
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Para reconstruir a própria economia e também apostar na multipolaridade cada vez mais dominante na geopolítica global, a Turquia tem voltado os olhares com maior frequência para a América Latina. Em El Salvador, por exemplo, a empresa turca Yilport vai investir mais de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,84 bilhões) para aumentar a capacidade de dois grandes portos no país. Já no Brasil, principal parceiro econômico na região, o comércio bilateral saltou de US$ 950 milhões (R$ 5,2 bilhões) em 2002 para US$ 13,9 bilhões (R$ 76,7 bilhões) em 2023, uma alta de quase 14 vezes.
O jornalista, sociólogo e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) Fábio Metzger explica ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que o partido Justiça e Desenvolvimento (AK, na sigla em turco), do presidente Recep Tayyip Erdogan, está no poder desde 2002, mesmo momento em que surgem novas forças econômicas que vão reunir países em desenvolvimento para maior parceria e cooperação — a ideia mais tarde culminaria na criação do BRICS.

"Nesse momento a Turquia também tem outro projeto político próprio […]. De certa forma, o país tenta se voltar para a lógica da globalização, em um processo de mundialização da economia. Temos que lembrar que o país está em uma zona de passagem, entre Ásia e Europa, e a maior cidade dela [Istambul] está inserida nos dois continentes ao mesmo tempo. Além disso, é um país muçulmano, mas não do islã árabe; é um islã com características próprias. Sempre teve mais contato com a Europa do que com os países árabes, já que também era o centro do Império Otomano", enfatiza.

Desde 2006, o país está no processo de adesão à União Europeia, que apesar de tantos anos, parece cada vez mais distante. "Como a Europa está fechando as portas para a Turquia, tem proximidade com o Oriente Médio e a Rússia. Além disso, não é um país do terceiro mundo clássico, mas também não está inserido naquele primeiro mundo ocidental. Diante disso, passa a procurar a América Latina, que é um grande bolsão mais ocidental do que ocidentalizado, e que está no Sul Global. E se a Turquia é uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, por que também não ser entre o Norte e o Sul [Global]?", justifica.
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Qual a relação entre Brasil e Turquia?

Já a professora de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Dominique Marques faz um paralelo ao podcast Mundioka sobre o novo rumo tomado nas relações exteriores da Turquia, com medidas realizadas também pelo Brasil.
"Nós tivemos em dados momentos da história períodos de política externa independente. Mas quando buscamos novas parcerias e estamos muito alinhados com os Estados Unidos, como no caso de Brasil e Turquia, só essa aproximação com outros atores já faz Washington interpretar isso como uma agressão ou traição. Mas temos o fim do sistema bipolar e uma tendência cada vez mais multipolar, com países emergentes buscando novas parcerias para melhorar as próprias condições econômicas", explica.
Em 2006, por exemplo, a Turquia promove o ano da América Latina e Caribe para as relações exteriores, em um início da aproximação com a região.
No caso do Brasil, a especialista acrescenta que inclusive existiram acordos de comércio bilateral e amizade entre o então Império Otomano, do qual a Turquia fazia parte, e o Império Brasileiro em 1858. Porém a aproximação só se intensifica séculos depois, em 2009. Segundo a professora da UFRJ, a primeira visita de um chefe de Estado a Ancara ocorreu justamente nesse ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com o homólogo, Erdogan, que também veio ao Brasil em 2011.

"O presidente Lula busca manter boas relações com todos os presidentes, independentemente do que os nossos grandes parceiros dos Estados Unidos vão pensar. Tanto que nós tivemos boas aproximações com o Irã, e independentes das opiniões internacionais. Essa aproximação com a Turquia está sendo interessante porque foi criado um centro de estudos latino-americanos através dessas maiores proximidades entre ambos os presidentes. Isso é importante para essa troca cultural, essa troca de aprendizados científica e tudo mais. Nós tivemos também um maior número de embaixadas e consulados por vontade da Turquia. Então ambos os países estão promovendo esse fortalecimento diplomático. Passamos a ter voos diretos entre Turquia e Brasil", resume.

Neste ano, o presidente turco ainda demonstrou interesse na adesão do país ao BRICS, quando chegou a pedir que Lula apoiasse o processo, o que também iria fortalecer a parceria com o Brasil.
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Quais são as consequências da islamofobia?

Por a Turquia ser um país islâmico, Dominique Marques analisa que é um desafio para a proximidade com a América Latina o preconceito contra os muçulmanos, nutrido muito durante a década de 2000, após o ataque às Torres Gêmeas e a Guerra ao Terror promovida pelo governo norte-americano. "Eu acredito que ainda haja uma certa resistência do Ocidente à questão da religião. E quando a gente fala, por exemplo, que o islamismo é a religião que mais cresce no mundo, ainda há pessoas que estão preocupadas, pelo fato de estarem associando isso com as questões que ocorreram ali na década de 2000", diz.
Outra dificuldade é o idioma, o que também afeta até a busca de informações sobre a Turquia.

"Existem outras questões, como diferenças comportamentais. Aqui na América Latina, temos uma tendência a sermos cada vez mais flexíveis. No caso da Turquia não é assim, são muito mais rígidos com relação a prazos e metas. Então isso pode ser uma inconveniência também nas relações entre as empresas. Outro desafio que pode estar dificultando é que a Turquia quer segurança nas suas relações comerciais e, por isso, é um pouco resistente a acordos de livre comércio. E aqui na América Latina, uma das formas de a Turquia se aproximar mais das nossas empresas seria através desses acordos", finaliza.

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