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Violência é constitutiva do processo de formação política do Brasil, argumentam analistas

© AP Photo / Eraldo PeresManifestantes bolsonaristas detrás de janela destruída após invasão do Palácio do Planalto. Brasília (DF), 8 de janeiro de 2023
Manifestantes bolsonaristas detrás de janela destruída após invasão do Palácio do Planalto. Brasília (DF), 8 de janeiro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 10.10.2024
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No auge das eleições municipais de 2024, o Brasil viu, durante um dos debates à prefeitura de São Paulo, o então candidato José Luiz Datena (PSDB) dar uma cadeirada em Pablo Marçal (PRTB), também participante da corrida eleitoral. O que esse gesto de violência representa para a política institucional brasileira?
Talvez a cadeirada seja o frenesi de toda uma campanha galgada na agressividade verbal, onde a desqualificação do adversário — independentemente de as acusações serem falsas ou não — se tornou estratégia de campanha política.
Prova disso é o aumento da violência nas campanhas. De acordo com um estudo feito pela organização Terra de Direitos, a violência política em campanhas cresceu 130% nas eleições deste ano em relação às eleições municipais anteriores.
O levantamento aponta que a cada um dia e meio em 2024 houve um caso de violência política no Brasil, enquanto nas eleições presidenciais de 2018 uma pessoa era vítima de violência política a cada oito dias.
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Apesar dessa forma institucional tomar grandes proporções agora, analistas encaram a violência como constitutiva do processo da formação política do Brasil.

"O Brasil é um dos países em que mais são assassinados lideranças de movimentos sociais, lideranças ambientais, indígenas, sem-terra, atingidos por barragens. Essas são pessoas que são cotidianamente assassinadas no Brasil. Não é um assassinato ligado diretamente à questão eleitoral, mas sem dúvida são assassinatos políticos também", comenta José Paulo Martins Junior, professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Faz parte também da história do Brasil "uma ditadura muito dura" e um "modo de produção social capitalista" que, conforme explica Clarisse Gurgel, cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), desembocam em um país sem desenvolvimento endógeno (principalmente o segundo), ou seja, "não desenvolve sua pesquisa, sua cultura, sua malha de transporte interno, seu lazer, não desenvolve nada para dentro".
Esse processo descrito pela professora culmina, além de um processo de desigualdade econômica, em interesses diferentes no espectro que acabam esvaziando o debate político.
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"A gente aprendeu também que na política não existe vazio, que é imediatamente, portanto, preenchido por aquele seu substituto", e é nesse hiato, acredita a especialista, que acontece a conversão da política em mercado político, onde diferentes tipos de violência se fazem presentes.

"As violações são em diversas camadas, desde a compra do voto e do tratamento bruto e grosseiro do voto, até as tentativas de golpes que contam com atuações no Judiciário, e ao mesmo tempo enfrentamentos diretos, até um índice de assassinatos e de tentativas de assassinato de candidaturas, como se deu, como se apresentou nesse último pleito", analisa.

E as redes sociais com isso?

As campanhas políticas na maior cidade da América Latina se notabilizaram, também, pela incidência das performances para as redes sociais. Em debates entre os candidatos e durante sabatinas, Pablo Marçal sempre mencionava os "cortes" para as redes sociais.
O ex-coach havia criado, inclusive, um campeonato de cortes que rendeu a ele milhões de visualizações em perfis de terceiros, o que é proibido pela legislação eleitoral. O então candidato tinha uma rede que organizava as competições e pagava os vencedores, aqueles que conseguiam mais visualizações, com prêmios em dinheiro.
Segundo o jornal O Globo, citando um estudo do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), Marçal precisaria de um valor 175 vezes superior ao que gastou por campeonato para atingir um patamar semelhante de visualizações se recorresse a mecanismos lícitos.
A centralidade das redes sociais nas campanhas também ficou evidente com os gastos desembolsados pelos candidatos que foram ao segundo turno das eleições municipais em São Paulo: entre 16 de agosto e 3 de setembro, Ricardo Nunes (MDB) gastou R$ 830 mil, enquanto Guilherme Boulos (Psol) investiu R$ 580 mil, ambos contabilizando conteúdos pagos no Instagram e no Facebook, de acordo com O Globo.
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No que diz respeito à violência e às redes sociais, Martins Junior recorda que o ambiente virtual é marcado por todo tipo de violência, "racismo, misoginia, bullying", exemplifica. Nesse sentido, as redes se tornam "força motriz" para campanhas que mobilizam afetos como a cólera e o medo.

"Essa é uma estratégia […] há um bom tempo, uma coisa que a direita brasileira acabou importando da direita norte-americana", cita.

Para o advogado penal e constitucional Ilmar Muniz, as redes sociais podem ser consideradas "uma vitrine para que candidatos possam se utilizar dessa truculência", que, segundo ele, é um ativo de candidaturas. Ou seja, a raiva contida na população por melhorias sociais que não chegam se encontra com esse comportamento, gerando um processo de identificação.
"Quanto mais agressivo, explosivo for um candidato, teoricamente ele mostra para um grupo que ele é a diferença e que ele é a solução para um discurso que sempre foi pacífico, demonstrando ideias, e que ele, com esse debate mais truculento, não é de falar, mas sim de fazer", avalia o advogado.
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Brasil segue os passos dos vizinhos latino-americanos no quesito violência?

Para citar exemplos somente de 2024, a América do Sul viu conflitos da ordem de ameaça de morte nas eleições presidenciais da Venezuela, entre o presidente Nicolás Maduro e o candidato da oposição Edmundo González; de tentativa de golpe de Estado contra o presidente boliviano, Luis Arce; e de acusações de violência política por parte da vice-presidente do Equador, Verónica Abad, contra o presidente do país, Daniel Noboa.
Gurgel avalia que se pode, sim, falar em semelhanças, sobretudo pelo contexto histórico que envolve a América Latina, um continente ainda "dependente e subjugado" em meio às disputas por hegemonia no globo.
"Entendendo, portanto, que somos América Latina, a gente parte dessa posição de dependência e que impõe certas limitações à própria democracia desses países", comenta.
Ela pondera, no entanto, que há diferenças entre os países, desde a formação política de base até a distribuição da administração pública.

"A estrutura do Estado da Venezuela não é de três Poderes, é de cinco Poderes ou mais, com a intenção de autonomizar bairros. Essa é a estratégia de organização administrativa venezuelana", exemplifica.

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Na opinião de Martins Junior, o fenômeno da violência política perpassa um processo crescente de polarização política, de radicalização — especialmente da extrema-direita —, que tem levado as pessoas a tomarem medidas extremas. Segundo ele, isso tem causado rupturas inclusive em democracias consolidadas.

"Esse descrédito, essa desconfiança com relação à democracia, que sempre marcou os países da América Latina, é algo que volta com tudo, com força, uma vez que essa desconfiança com relação à democracia, ou esse esgarçamento dos valores democráticos, é algo que tem acontecido inclusive nos países que eram considerados democracias consolidadas", relata.

Ao fim e ao cabo, o principal impacto da violência na América Latina, de acordo com Gurgel, acaba se estabelecendo sobre a perda do seu próprio direito de decidir o futuro.

"Essas violências, que vão desde as tentativas de golpe a intervenções e prisões arbitrárias, são processos que interferem diretamente na nossa liberdade de decidir os nossos rumos", conclui.

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