'Erro estratégico': Trump beneficia a China ao ameaçar impor tarifas de 25% a produtos do México
15:31 03.12.2024 (atualizado: 16:19 03.12.2024)
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que a medida anunciada pelo presidente eleito dos EUA tem potencial para trazer prejuízos ao mercado estadunidense e abre espaço para a China ampliar sua presença econômica e política no México.
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, ameaçou recentemente impor tarifas de 25% a todos os produtos provenientes do México e do Canadá como punição por conta da imigração ilegal e do tráfico de drogas nos EUA. Ele afirmou que pretende tomar a medida já no dia de sua posse, marcada para 20 de janeiro.
A imposição de tarifas, no entanto, corre o risco de ter efeito contrário, uma vez que afeta o México, o maior parceiro comercial dos EUA. Atualmente, os EUA são destino de 80% das exportações mexicanas.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam os impactos que a medida, caso concretizada, pode ter na relação entre os países e se a China, que vem ampliando a presença na América do Sul, poderia aproveitar a situação para expandir sua influência para o norte do continente norte-americano.
Renato Ungaretti, doutorando em estudos estratégicos e especialista residente sênior na Observa China, afirma que, além de uma eventual piora nas relações bilaterais, a medida tem potencial para afetar o próprio mercado dos EUA, uma vez que México e Canadá são importantes exportadores para o país.
"Pode ter prejuízos para uma série de empresas dos EUA, em diferentes setores, como o automotivo. Pode ter impactos em relação aos consumidores norte-americanos, em termos de aumento de preços, aumento de inflação relacionado a essas tarifas", explica.
Ele avalia que Trump, novamente, está utilizando ameaças de tarifas para conseguir melhores bases para negociação. Porém, a estratégia pode ter efeito contrário e, em vez de fortalecer a posição comercial dos EUA, pode impactar empresas e consumidores no país.
China pode ocupar o lugar dos EUA como parceira comercial do México?
Questionado se a imposição de tarifas aos produtos do México pode voltar a economia do país para a China, que vem ampliando a presença no continente americano, Ungaretti afirma que México e China têm uma relação comercial bastante importante, mas distinta do que se verifica com outros países latino-americanos. Com o México, o comércio com a China é intra-indústria, voltado para a parte inferior das cadeias globais, sem agregação de valor.
"O comércio do México com a China é muito ligado nesse comércio de componentes, de insumos industriais para posterior montagem, manufatura e exportação ao mercado americano. Houve vários investimentos chineses nos últimos anos no México nesse setor industrial de manufatura, utilizando o México justamente como um país para contornar as sanções que os EUA estavam impondo à China, desde o primeiro governo Trump, a partir de 2017. Então a China estava utilizando bastante o México, como também um polo produtivo para acessar o mercado norte-americano."
Ele acrescenta que a reconfiguração da economia do México, tornando-a voltada para a China, é um processo em estágios muito iniciais, por conta da escolha que o México fez nos anos 1990 pelo NAFTA, o acordo de livre comércio da América do Norte que envolve Canadá, EUA e México. Segundo ele, com a integração comercial com os EUA, o México obteve acesso preferencial a um dos principais mercados consumidores do mundo, mas se tornou dependente economicamente dos EUA.
"A dependência que o México passou a cultivar com a economia, com o mercado norte-americano, à medida em que boa parte dessa produção tem os Estados Unidos como destino, e isso também deixa os Estados Unidos e o governo Trump agora numa posição de poder fazer esse tipo de ameaças e de retaliações."
Tarifas podem enfraquecer a influência política dos EUA
Alexandre Coelho, professor de relações internacionais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e coordenador do Núcleo de Geopolítica da Observa China, enfatiza que a imposição de tarifas ao México pode ser interpretada como "um erro estratégico que exemplifica o enfraquecimento do papel americano em uma ordem geoeconômica emergente".
"Enquanto os EUA buscam instrumentalizar sua interdependência econômica para pressionar o México em questões de segurança, como a migração, essa abordagem corre o risco de criar um vácuo de poder na região, que outros atores, sobretudo a China, podem explorar."
Ele acrescenta que a postura norte-americana não apenas compromete as cadeias de valor do acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês), firmado em 2020 e popularmente chamado NAFTA 2.0, "mas também pode alienar o México como parceiro estratégico".
"A perda de confiança e cooperação pode enfraquecer a influência política dos EUA na região, em um momento em que Washington já enfrenta desafios globais para manter sua hegemonia. Esse vácuo de poder cria espaço para que a China amplie sua presença econômica e política, oferecendo uma alternativa ao modelo de dependência tradicional dos EUA", explica.
Ele explica que a transição global para uma ordem geoeconômica permite que o México busque alternativas estratégicas. Nesse contexto, a China, segunda maior parceira comercial do México, já está aproveitando essa oportunidade.
"Em 2023, o comércio bilateral entre México e China atingiu US$ 123 bilhões [cerca de R$ 743 bilhões], e empresas chinesas como Huawei, Hisense e JAC Motors estão investindo em setores estratégicos do México, como tecnologia, manufatura e telecomunicações. Essa crescente relação sino-mexicana reflete a estratégia política da China de consolidar sua influência em regiões onde o poder americano mostra sinais de retração."
Coelho afirma que a política chinesa de "ganhar corações e mentes" combina investimentos econômicos com a oferta de parcerias tecnológicas e de infraestrutura.
"Para o México, essa diversificação é tanto econômica quanto política: ao ampliar suas relações com a China, o país fortalece sua autonomia em relação aos EUA, enquanto explora novas oportunidades econômicas alinhadas à lógica geoeconômica de resiliência e segurança", afirma.
Ele argumenta que a China usa o comércio e os investimentos como ferramentas de influência política no México, alinhada a uma abordagem estratégica que visa ampliar sua presença global.
"Com investimentos de US$ 2,5 bilhões [cerca de R$ 15 bilhões] no México entre 1999 e 2023 e operações de multinacionais chinesas, como Huawei e Lenovo no país, a China está fortalecendo sua posição econômica enquanto oferece uma alternativa estratégica ao modelo de influência americano. Essa aproximação também reflete uma abordagem política sofisticada, na qual a China evita confrontos diretos com os EUA, mas utiliza sua presença econômica para criar alianças de longo prazo."
Coelho afirma que a transição para uma ordem geoeconômica, marcada pela instrumentalização da interdependência econômica e pela competição estratégica entre potências, coloca o México em uma posição central.
"Para o México, o desafio será equilibrar suas relações com os dois gigantes econômicos. No entanto, a habilidade chinesa de combinar comércio, investimentos e diplomacia estratégica torna Pequim um ator cada vez mais relevante em um mundo onde a lógica da segurança e da influência política supera a eficiência de mercado. A disputa entre EUA e China pelo México é, assim, uma manifestação clara das transformações em curso na ordem global", conclui o especialista.