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Energizado por Trump, Milei dará fim ao 'pragmatismo' que recém cultivou com Brasil e China?

© AP Photo / Gustavo GarelloO presidente argentino, Javier Milei, participa da cerimônia de abertura da exposição anual da Sociedade Rural em Buenos Aires. Argentina, 28 de julho de 2024
O presidente argentino, Javier Milei, participa da cerimônia de abertura da exposição anual da Sociedade Rural em Buenos Aires. Argentina, 28 de julho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 04.12.2024
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Após passar a campanha presidencial alegando que não se relacionaria com o Brasil e a China, países ditos "comunistas", Javier Milei teve que encarar a realidade e adotar uma postura mais pragmática com seus dois principais parceiros comerciais. Contudo, a chegada de Trump à Casa Branca pode ressignificar um novo capítulo nessa história?
Quase um ano após entrar pela primeira vez na Casa Rosada, sede presidencial da Argentina, Javier Milei se vê jogando suas promessas ideológicas de afastamento do Brasil e da China para escanteio. No lugar dessas relações, o presidente argentino defendia maior integração com os Estados Unidos, na época governado pelo presidente democrata Joe Biden.
Fato é que esses três países são, respectivamente, o primeiro, segundo e terceiro maiores parceiros comerciais da Argentina, segundo dados da Base de Dados de Estatísticas do Comércio das Nações Unidas (UN Comtrade).
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A relevância dos dois primeiros parceiros, Brasil e China, entretanto, parecia ser ignorada por Milei logo no início de seu mandato. Assim que assumiu, o novo presidente recusou o convite para se juntar ao BRICS, grupo de países que buscam um desenvolvimento econômico independente dos mandos e desmandos do eixo euro-atlântico.
A oportunidade teria sido ideal para o país, que hoje passa por uma crise na captação de dólares, para conseguir novas fontes de investimento e empréstimos que não passassem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), como por meio do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco do BRICS.
Agora, a situação é diferente, diz à Sputnik Brasil o cientista político Jefferson Nascimento, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro do Observatório Político Sul-Americano (OPSA).

"A realidade fez com que ele moderasse seu discurso no que se refere à relação com o Brasil e com a China."

É verdade que muito do discurso de campanha de Milei foi implementado pelo presidente, como as políticas de austeridade e a subserviência à política externa de Washington. No entanto, a recente Cúpula de Chefes de Estado do G20, realizada no Rio de Janeiro, demonstrou que Milei hoje adota "uma dose de pragmatismo" com seus dois maiores parceiros.
"Apesar de todas as críticas que fez ao G20, Milei assinou a declaração final e aderiu à Aliança Global Contra a Fome [e a Pobreza]", lembra Nascimento.

"Especula-se que uma das moedas de troca utilizadas para que Milei apoiasse essas iniciativas foi o acordo de exportação, da Argentina para o Brasil, de gás natural de Vaca Muerta."

Paralelamente à cúpula, Javier Milei também se encontrou bilateralmente com o presidente chinês, Xi Jinping. Juntos, os líderes se comprometeram a continuar com os acordos de swap cambial, que trazem estabilidade financeira ao país sul-americano, que tem baixa reserva de moedas estrangeiras.

Na década passada, vários países da América do Sul instituíram acordos de swap cambial com a China, Brasil incluso. Até hoje, o recurso financeiro só foi acionado pela Argentina.

Era uma vez um Bolsonaro

Em entrevista à Sputnik Brasil, a cientista política e doutoranda em relações internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Beatriz Bandeira de Mello comparou a situação de Milei com a do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Eleito com um discurso similar ao de Milei, de críticas ao combate às mudanças climáticas e apoio ao ultraliberalismo econômico, a especialista lembra que a segunda parte do mandato de Bolsonaro no Palácio do Planalto foi marcada por uma revisão em sua própria política externa.
"Ele precisou acomodar os interesses do agronegócio e os acordos de livre-comércio com a China, frente aos ruídos provocados pelo discurso do ex-ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo", explica Bandeira de Mello.
Ao mesmo tempo, o ex-presidente brasileiro manteve uma retórica "antiglobalista" nas Nações Unidas, alinhando os interesses brasileiros aos do então presidente norte-americano, o republicano Donald Trump. Esse deve ser o mesmo caminho que Milei trilhará, principalmente agora com o retorno de Trump à Casa Branca em 20 de janeiro de 2025.
O líder argentino é um grande apoiador de Trump, tendo inclusive protagonizado um encontro com o norte-americano. A presença de ambos no comando de seus respectivos países "pode fortalecer certas políticas". "Mas isso depende do quanto Trump estará disposto a olhar para a América Latina."

"Pode haver um desequilíbrio entre expectativa e realidade, com o governo argentino esperando receber muito mais do que Trump estará disposto a oferecer."

O pensamento é compartilhado por Nascimento. Não está claro o que os argentinos ganhariam em troca dessa troca de prioridade diplomática, diz o pesquisador. "Até porque a gente percebe que há um deslocamento gradual do centro de poder no capitalismo global dos Estados Unidos em direção à Ásia."
"Dificilmente, os Estados Unidos teriam capacidade ou a iniciativa de tentar ocupar esse papel que a China exerce nas relações comerciais com a Argentina", afirma o pesquisador.
Ainda assim, traços da política ultraliberal e das preferências de Milei transparecem em suas ações. É o caso da exploração do lítio argentino por multinacionais ou a concessão de espaço soberano argentino para o posicionamento de tropas estadunidenses.
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E também o recente episódio da exclusão da China em uma concorrência para modernizar a Via Navegável Troncal, parte da hidrovia Paraguai-Paraná.

Com 1,6 mil quilômetros de extensão, a hidrovia Paraguai-Paraná desempenha um papel vital para os países da bacia do rio da Prata: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Há poucos meses, Milei assinou um acordo de cooperação técnica com o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA para a gestão e o desenvolvimento econômico da hidrovia.
Sob a égide de excluir estatais estrangeiras do processo de licitação, Milei barrou a entrada da China no processo para, com isso, "priorizar multinacionais provenientes dos Estados Unidos e países da Europa", diz Bandeira de Mello.
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Milei assumirá presidência do Mercosul

Nas próximas quinta (5) e sexta-feira (6) ocorre a 65ª Cúpula do Mercosul, na qual um anúncio sobre um acordo de livre-comércio com a União Europeia (UE) é esperado, com os Emirados Árabes Unidos e países da América Central e do Caribe, como Panamá, República Dominicana e El Salvador.
O encontro também marca o fim da presidência pro tempore do Uruguai e o início da presidência argentina do bloco pelos próximos seis meses.
À reportagem, os analistas afirmaram que a agenda decidida por Milei será de caráter econômico-comercial. De acordo com Bandeira de Mello, o presidente argentino tentará promover "política de abertura comercial alinhada com seus interesses".
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Nesse sentido, o atual rumo do bloco de negociações de um acordo de livre-comércio com a UE não desagrada Milei e, muito menos, a elite agropecuária argentina.
Ainda assim, devido aos conflitos ideológicos que Milei tem com os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da Bolívia, Luis Arce Catacora, e que provavelmente terá com o novo presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, sua gestão não verá "um aprofundamento dos laços no Mercosul", diz Nascimento.

"Pode apostar em uma espécie de estagnação. As coisas não avançarão muito, mas também não se deteriorarão significativamente", diz o cientista político.

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