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Elites brasileiras temem reação político-militar dos EUA por avanço da desdolarização, diz analista

© AP Photo / Jose Luis MaganaO ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, à esquerda, e o governador do Banco Central, Roberto Campos Neto, falam durante uma coletiva de imprensa do G20 nas Reuniões Anuais do Banco Mundial e FMI em Washington, celebradas na mesma semana da Reunião de Chefes de Estado dos BRICS em Kazan, em 24 de outubro de 2024
O ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, à esquerda, e o governador do Banco Central, Roberto Campos Neto, falam durante uma coletiva de imprensa do G20 nas Reuniões Anuais do Banco Mundial e FMI em Washington, celebradas na mesma semana da Reunião de Chefes de Estado dos BRICS em Kazan, em 24 de outubro de 2024  - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
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Brasil assume a presidência do BRICS após o presidente eleito dos EUA Trump ameaçar o bloco com tarifas de até 100%, caso siga seus esforços pela desdolarização da economia mundial. Saiba quais são os setores econômicos brasileiros interessados na desdolarização e se o Brasil vai ceder às pressões de Washington durante sua liderança no BRICS.
Nesta quarta-feira (4), o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, declarou que o BRICS busca estabelecer um sistema paralelo ao dólar, que coexistirá com a atual ordem financeira ocidental. Anteriormente, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, prometeu tarifas de até 100% a países que se afastem da moeda norte-americana.
"Nós do BRICS queremos desenvolver um sistema que nos permita atender ao que nossos operadores econômicos precisam, paralelamente ao que nós e outros possamos ter", disse Ryabkov em entrevista à CNN norte-americana.
Sergei Ryabkov, que é o representante da Rússia no BRICS, prevê uma ordem mundial multipolar e "polifônica", no qual diversos sistemas econômicos operarão paralelamente. O vice-ministro alertou que tentativas de frear esse processo trariam consequências negativas e manifestou esperança de que "pessoas sensatas nesse país [EUA] considerem isso antes que seja tarde demais".
© AP Photo / Jacquelyn MartinO presidente Donald Trump mostra exemplos de tarifas na Sala do Gabinete da Casa Branca, em Washington, em 24 de janeiro de 2019
O presidente Donald Trump mostra exemplos de tarifas na Sala do Gabinete da Casa Branca, em Washington, em 24 de janeiro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
O presidente Donald Trump mostra exemplos de tarifas na Sala do Gabinete da Casa Branca, em Washington, em 24 de janeiro de 2019
Neste domingo (1º), Donald Trump ameaçou países que promovam a desdolarização, dizendo que "a ideia de que os países do BRICS podem se afastar do dólar enquanto nós sentamos e assistimos acabou".
"Exigimos um compromisso desses países de que eles não criarão uma nova moeda do BRICS, nem apoiarão qualquer outra moeda para substituir o poderoso dólar americano, caso contrário, enfrentarão tarifas de 100% e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia americana", escreveu Trump em rede social.
O porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov, também respondeu às declarações de Trump, afirmando que os países do BRICS não são os únicos a reconsiderar o uso do dólar. Para ele, a tendência a comercializar em moedas locais é global e só será acelerada por medidas hostis da Casa Branca.
© Sputnik / Ilia PitalevO porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, espera antes de uma reunião do presidente russo, Vladimir Putin, no Grande Palácio do Kremlin, em Moscou na Rússia, 23 de março de 2023
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, espera antes de uma reunião do presidente russo, Vladimir Putin, no Grande Palácio do Kremlin, em Moscou na Rússia, 23 de março de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, espera antes de uma reunião do presidente russo, Vladimir Putin, no Grande Palácio do Kremlin, em Moscou na Rússia, 23 de março de 2023
"Caso os EUA utilizem a força, como dizem, para impor o uso do dólar, isso provavelmente consolidará ainda mais a tendência de transição para as moedas nacionais", declarou Peskov. "Assistimos a um processo de erosão da atratividade do dólar, que já está em curso e só ganha força."
De acordo com o professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabiano Mielniczuk, a economia norte-americana será a maior prejudicada pela imposição de tarifas contra países como China, Índia, Rússia e Brasil, que estão entre as dez maiores economias do mundo.

"O impacto de uma medida dessa envergadura na economia americana vai ser destruidor", disse Mielniczuk à Sputnik Brasil. "Isso me parece uma bravata de Trump, para sinalizar uma postura mais dura dos EUA contra o avanço da desdolarização."

Por outro lado, a declaração de Trump explicita ao Sul Global que o uso do dólar é uma imposição de Washington, e não um instrumento que favorece o desenvolvimento da economia global.
"A declaração deixa claro o quão colonial é a nossa dependência do dólar. Que o uso do dólar não é uma opção, mas uma imposição. De que o objetivo do uso do dólar não é facilitar as transações internacionais, mas sim manter a hegemonia norte-americana", asseverou Mielniczuk.

Presidência brasileira do BRICS

A nova administração na Casa Branca poderá impor dificuldades para a presidência brasileira do BRICS em 2025, que deveria manter os esforços de desdolarização na pauta do grupo. As perspectivas para 2025 são de foco em temas menos polêmicos para Washington, como mudanças climáticas e governança digital.

"O Brasil sinalizou que manterá temas do G20 na pauta do BRICS no ano que vem, em particular a questão da reforma tributária internacional. E também insistirá na reforma das instituições financeiras globais, como FMI e Banco Mundial", disse Mielniczuk. "Esses são temas que, apesar de importantes, não necessariamente apontam para a desdolarização."

Por outro lado, setores relevantes da economia brasileira como o agronegócio têm interesse na desdolarização e no estabelecimento de trocas em moedas locais, lembrou o coordenador do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa do IESP-UERJ, Ghaio Nicodemos.
© Sputnik / Anatoly Medved Sherpa da Rússia nos BRICS, Sergei Rybakov, entrega enxada que simboliza a presidência do bloco ao sherpa do Brasil, embaixador Eduardo Sabóia, durante reunião em Ekaterinburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024
Sherpa da Rússia nos BRICS, Sergei Rybakov, entrega enxada que simboliza a presidência do bloco ao sherpa do Brasil, embaixador Eduardo Sabóia, durante reunião em Ekaterinburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
Sherpa da Rússia nos BRICS, Sergei Rybakov, entrega enxada que simboliza a presidência do bloco ao sherpa do Brasil, embaixador Eduardo Sabóia, durante reunião em Ekaterinburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024
"O agronegócio é um dos grandes motores de uma política externa brasileira descentralizada, que converse tanto com a Rússia e seus fertilizantes, quanto com os países árabes e China, que garantem superávit para a balança comercial brasileira", disse Nicodemos à Sputnik Brasil. "Esse setor não quer que o Brasil seja obrigado a deixar de exportar por causa de sanções econômicas impostas contra terceiros."
© AP Photo / Andre PennerTrabalhadores conduzem tratores dentro de campo de soja em Mato Grosso, em 27 de março de 2022
Trabalhadores conduzem tratores dentro de campo de soja em Mato Grosso, em 27 de março de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
Trabalhadores conduzem tratores dentro de campo de soja em Mato Grosso, em 27 de março de 2022
O agronegócio gostaria de alternativas ao dólar para comercializar mais com o Irã, um grande cliente do Brasil na área de alimentos e proteína animal. Alguns setores industriais também demandam alternativas para manter o comércio com países que detêm poucos dólares disponíveis, como a Argentina e países africanos – compradores relevantes de produtos brasileiros de maior valor agregado.

"O Brasil hoje é um país que busca alternativas ao dólar de maneira ativa. E esse não é um projeto da centro-esquerda brasileira, já que também foi mantido em governos de direita, como o de Jair Bolsonaro", notou Nicodemos.

O setor brasileiro menos interessado na desdolarização é o mercado financeiro, altamente integrado no mercado de capitais ocidental e interessado em "usar o dólar como ferramenta para pressionar o governo a aderir à sua agenda".
© Sputnik / Anatoly Medved Sherpa do Brasil no BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, com a enxada simbólica que representa a presidência do BRICS, durante reunião de sherpas e sous-sherpas em Ekaterinburgo, Rússia, em 28 de novembro de 2024
Sherpa do Brasil no BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, com a enxada simbólica que representa a presidência do BRICS, durante reunião de sherpas e sous-sherpas em Ekaterinburgo, Rússia, em 28 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
Sherpa do Brasil no BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, com a enxada simbólica que representa a presidência do BRICS, durante reunião de sherpas e sous-sherpas em Ekaterinburgo, Rússia, em 28 de novembro de 2024
Caso o Brasil reduza o espaço da desdolarização na agenda do BRICS em função das ameaças de Trump, estaria abrindo mão de maior acesso a Ásia, região mais promissora para a sua estabilidade econômica.
"Essa ideia brasileira de tentar servir a dois senhores não é positiva, afinal o país tem muito mais oportunidade de crescimento econômico na Ásia do que no Ocidente. O comércio com a China é três vezes superior ao comércio com os EUA. E Washington não parece interessado em ampliar sua pauta de importações com o Brasil", disse Nicodemos. "Mas a desdolarização sim, nos garantiria acesso a mercados que hoje não alcançamos, tanto pela imposição de sanções econômicas, quanto pela ausência de reservas em dólar, como no caso da África."
© Sputnik / Anatoly MedvedVice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Rybakov, preside reunião de sherpas e sous-sherpas dos BRICS em Ekaterimburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024
Vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Rybakov, preside reunião de sherpas e sous-sherpas dos BRICS em Ekaterimburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
Vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Rybakov, preside reunião de sherpas e sous-sherpas dos BRICS em Ekaterimburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024
No entanto, a falta de pensamento estratégico e de longo prazo das elites brasileiras podem frear o processo de desdolarização, assim como o temor de uma resposta dura por parte de Washington.

"Economicamente, o Brasil não tem nada a perder com a desdolarização. Mas as elites brasileiras temem um assédio norte-americano a nível político e militar", considerou Nicodemos. "Em caso de bloqueio imposto por Washington, o Brasil não dispõe de infraestrutura alternativa para manter o seu comércio internacional."

O Brasil investe pouco na construção de rotas alternativas de comércio, ao contrário da China, que investe na iniciativa Cinturão e Rota para garantir sua autonomia em caso de confronto com Washington; e da Rússia, que já mostrou ser capaz de comercializar à revelia do Ocidente.
© Sputnik / Kristina Kormilitsyna O presidente russo, Vladimir Putin, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, durante sua reunião à margem da 16ª cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, 22 de outubro de 2024
 O presidente russo, Vladimir Putin, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, durante sua reunião à margem da 16ª cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, 22 de outubro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024
O presidente russo, Vladimir Putin, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, durante sua reunião à margem da 16ª cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, 22 de outubro de 2024
"A recusa do Brasil a entrar na inciativa Cinturão e Rota e acelerar a construção de infraestrutura alternativa não atende aos interesses econômicos do país", disse Nicodemos. "Isso só se explica pelo alinhamento intelectual das elites brasileiras com os EUA, o que dificulta maior proatividade da política externa brasileira."
Por isso, durante a presidência brasileira do BRICS, "é possível que deleguemos a agenda de desdolarização a outros atores do bloco, como China ou o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), e mantenhamos nossa atuação nos bastidores", concluiu o especialista.
O Brasil assume a presidência do BRICS em janeiro de 2025, com o lema "Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável". Durante a mais recente reunião de sherpas e sous-sherpas do BRICS na cidade russa de Ekaterinburgo, o representante russo Sergei Ryabkov realizou a passagem simbólica da presidência do grupo ao sherpa brasileiro, embaixador Eduardo Sabóia.
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