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Voto indireto em Uganda: redução de custos ou enfraquecimento da democracia?

© AP Photo / John MuchuchaYoweri Museveni, presidente de Uganda, comparece ao funeral do ex-presidente queniano Daniel arap Moi, em Nairóbi. Quênia, 11 de fevereiro de 2020
Yoweri Museveni, presidente de Uganda, comparece ao funeral do ex-presidente queniano Daniel arap Moi, em Nairóbi. Quênia, 11 de fevereiro de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 06.12.2024
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Uganda pode estar prestes a vivenciar uma mudança radical em seu sistema político. Recentemente, o partido Movimento de Resistência Nacional (NRM), do presidente Yoweri Museveni, que está no poder desde 1986, apresentou uma proposta que determina que presidentes sejam eleitos pelo voto indireto do parlamento, não mais pelo voto direto dos cidadãos.
Os defensores da proposta argumentam que a medida reduziria os custos com a realização de eleições e tornaria a administração mais efetiva. Por outro lado, críticos temem que a mudança enfraqueça a democracia no país.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam os possíveis impactos da medida, bem como quais seriam os interesses por trás da mudança no sistema eleitoral.
José Ricardo Araujo, pesquisador no Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), da Escola de Guerra Naval (EGN), afirma que a mudança para um sistema parlamentar, com eleições indiretas, é algo que vem sendo discutido em Uganda desde 2022. Porém ele considera improvável que a proposta, mesmo que aprovada, possa valer já para as próximas eleições, marcadas para 2026.

"O que acontece é que, atualmente, nós já temos um plano estratégico da comissão eleitoral que está em prática, que é o plano estratégico que vai de 2023 a 2027. Ou seja, existem alguns procedimentos eleitorais que já estão sendo postos em prática […] e existe pouco tempo, considerando que [o pleito] é no início de 2026, para implementar esse tipo de reforma", afirma.

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Quanto às críticas de que a mudança enfraqueceria a democracia, Araujo destaca que neste ano Uganda celebra o 62º aniversário de independência.
"Ou seja, foi em 1962 que Uganda conseguiu sua independência e iniciou um governo, que é o de Milton Obote, que foi o primeiro presidente ugandense, que, em seguida, em um contexto de Guerra Fria, sofreu um golpe de Estado, em 1971. Depois Obote volta, em 1980. E quando ele volta é quando o Museveni, que é o atual presidente, aparece na história de Uganda."
Ele explica que Museveni surge como opositor de Obote, afirmando que o então presidente não representava os interesses dos ugandenses e apresentando seu partido, o NRM, como o verdadeiro defensor das demandas da população. Iniciou-se então uma guerra civil no país, que termina em 1986, com a deposição de Obote e a ascensão de Museveni.

"Quando ele [Museveni] assume, instaura um sistema unipartidário, em que você não tem o multipartidarismo […]. Então a falta de partidos diferentes impacta muito. Apenas em 2005, com pressão popular e internacional, que Museveni cede, e é o momento em que existem as eleições multipartidárias, o multipartidarismo é instaurado no país. E em 2006 ocorre a primeira eleição multipartidária [antes disso, foram realizadas duas eleições com candidatos independentes]. Isso é um marco muito recente", afirma o especialista.

Araujo frisa que o fato de Uganda ter apenas 20 anos de multipartidarismo diz muito sobre o conteúdo democrático do país, "que é muito recente".
"Atualmente, para ter uma noção, em 20 anos de sistema multipartidário, nós ainda não temos um partido de oposição consolidado."
Segundo Araujo, de fato a eleição indireta reduz custos, mas a grande questão é analisar se esse é o real objetivo da proposta do NRM.
"A maior parte das reformas eleitorais recentes de Uganda tem como objetivo manter Museveni no poder […]. Em 2018 nós tivemos uma proposta, um projeto de lei que foi justamente para remover o limite de idade presidencial de 75 anos, justamente porque Museveni estava chegando perto dessa idade. E foi isso que permitiu que ele postergasse mais um mandato, e atualmente, em 2026, nas próximas eleições, ele vai completar 40 anos no poder."
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Araujo aponta que Museveni está preparando o filho, Muhoozi Kainerugaba, que é chefe das Forças Armadas de Uganda, para assumir a presidência após deixar o cargo. Ele lembra que não houve declaração oficial quanto a isso, mas Kainerugaba divulgou posts na rede social X (antigo Twitter) afirmando a intenção de se candidatar. Pouco tempo depois, ele apagou as postagens e anunciou apoio ao pai.

"Ele anunciou que Deus conversou com ele, Deus falou que ele deveria ir mantendo as Forças Armadas, e que agora ele iria apoiar o pai. E é justamente quando ele diz sobre apoiar o pai, que ele fala que o pai será o próximo presidente, […] ou seja, esse tipo de postura do Muhoozi, de prematuramente se candidatar às eleições, pode ser um spoiler do que vem pela frente."

Transição democrática ainda não foi efetivada em vários países

Os sistemas políticos de países da África têm um percurso histórico diferente dos de outros países fora do continente. É o que explica Joaquim Maloa, doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP); doutor em sociologia urbana pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com pós-doutorado em geografia urbana pela USP; chefe de departamento e professor auxiliar do Departamento de Geociências do Instituto Superior de Desenvolvimento Rural e Biociências (ISDRB) da Universidade Rovuma, em Moçambique; presidente do conselho fiscal da Associação de Geógrafos de Moçambique (GAM); e escritor.
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Segundo Maloa, a democracia entrou tarde nos países do continente africano, em um processo iniciado principalmente na década de 1990.
Nesse contexto, ele afirma que esses países adotaram o que pode ser chamado de uma "democracia frágil".
Para ele, no caso de Uganda, "a questão de escolha de que tipo de democracia, se vai ser uma democracia parlamentar, uma democracia semiparlamentar ou uma democracia presidencial", não é um problema. O problema seria quando "as instituições que fundamentam e fazem com que essa democracia permaneça vêm não mais para garantir aquilo que são os direitos dos povos", mas para favorecer uma elite política.
Por conta disso, Maloa acredita que o país ainda não vivenciou uma transição democrática completa, assim como outros Estados africanos.
"Muitos dizem que não, que nós já fizemos a transição. Não, porque as nossas instituições ainda são instituições muito fragilizadas, e essas instituições são fragilizadas por vários interesses", conclui o especialista.
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