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'Valor de troca': decreto de segurança pública do governo federal eleva tensão com os governadores

© Foto / Tânia Rêgo/Agência BrasilPresidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na cerimônia de anúncio de início das obras de dragagem do canal de São Lourenço, no Porto de Niterói, centro da cidade de Niterói, em 2 de abril de 2024
Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na cerimônia de anúncio de início das obras de dragagem do canal de São Lourenço, no Porto de Niterói, centro da cidade de Niterói, em 2 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 30.12.2024
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Publicado no Diário Oficial da União do dia 24 de dezembro, o Decreto nº 12.341/2024 — que disciplina o uso de armas de fogo e instrumentos não letais pelas polícias brasileiras — foi recebido com dissenso pelos governadores de linhas partidárias opostas à do governo federal.
Elaborado pelo Ministério da Justiça, pasta comandada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, a medida define que o uso da força usado pelos agentes de segurança deve "ser compatível com a gravidade da ameaça apresentada", e que o recurso de força maior só "poderá ser empregado quando recursos de menor intensidade não forem suficientes".
Armas de fogo, dessa forma, deverão ser utilizadas como "medida de último recurso" e ocorrências que resultem em lesão ou morte precisarão ser registradas e averiguadas. Por fim, o texto também garante a capacitação dos profissionais de segurança para seguirem com as normas.
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A fim de garantir o obedecimento à lei, o governo federal condicionou o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) ao cumprimento das determinações.
Paulo Roberto, promotor de justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, explica que o texto não apresenta nenhum fato novo, mas inicia a regulamentação de leis já existentes, como a Lei nº 13.060 de 22 de dezembro de 2014.

"Nesse sentido, ele não inova o ordenamento jurídico legal e constitucional existente. O que traz de positivo é a própria regulamentação em si."

Em resposta ao decreto do governo federal, o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) divulgou uma nota na qual afirma que a regulamentação "beneficia o crime organizado" e "bloqueia a autonomia dos estados, em um claro sinal de violação da Constituição brasileira".
"É urgente que o decreto seja revogado porque o seu conteúdo beneficia a ação de facções e pune homens e mulheres que diariamente arriscam suas vidas em prol da sociedade", diz o texto assinado por Romeu Zema (Novo-MG), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Cláudio Castro (PL-RJ) e Ratinho Júnior (PSD-PR).
"A segurança das famílias brasileiras não será garantida com decretos evasivos que limitam o poder das polícias, mas sim com investimento coordenado e o endurecimento das leis."

Renato Casagrande (PSB-ES), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Leite (PSDB-RS) não incluíram seus nomes na manifestação.

O texto dos governadores foi rebatido não só pelo Ministério da Justiça — que revelou que o decreto foi construído a partir de um grupo de trabalho instituído no 8 de Janeiro deste ano —, como também os seguintes integrantes:
Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública;
Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares;
Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil;
Conselho Nacional do Ministério Público;
Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais;
Associação dos Guardas Municipais do Brasil;
Polícia Federal;
Polícia Rodoviária Federal.
Já o Consórcio Nordeste, grupo que agrega os líderes de governo dos nove estados da região, publicou no domingo (29) uma nota em que defendeu a medida, afirmando: "A orientação nas nossas forças de segurança é clara: o uso da força letal deve ser reservado como último recurso, exclusivamente em situações de legítima defesa, para proteger vidas."
Da mesma forma, o texto assinado pelos nove governadores do Nordeste destacou que o decreto do governo federal "não altera a autonomia dos estados nem as normativas já estabelecidas".

"Ao contrário, ele reafirma a centralidade da prudência, do equilíbrio e do bom senso no exercício da atividade policial. Além disso, sublinha a necessidade de constante modernização das técnicas de atuação, promovendo mais segurança tanto para os profissionais quanto para a sociedade."

Segurança pública divide o país

Se por um lado o tema da segurança pública é tão caro a todos os eleitores, independentemente de espectro político, por outro os meios para esse fim parecem divergir conforme as linhas partidárias e ideológicas.
Os governadores do Sul e Sudeste que assinaram a nota integram oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enquanto os do Nordeste apoiam, em sua maioria, o presidente.
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Uma das explicações para isso é o temor da paralisação de repasses. Segundo Roberto, a situação dos estados é "difícil", e "qualquer contingenciamento de verbas é prejudicial", ainda mais em um estado como o Rio de Janeiro, "que tem nos órgãos de segurança suas maiores despesas".
Clarisse Gurgel, cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), aponta à Sputnik Brasil que o decreto do Ministério da Justiça é um "ensaio" das principais reformas que o governo pretende fazer com a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

"O esforço do governo Lula, assim que se elege e até agora não teve grande êxito, era criar uma espécie de SUS [Sistema Único de Saúde] da segurança pública. Um sistema único público de segurança pública, e até agora não avançou significativamente nessa direção", afirma Gurgel.

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Segundo a especialista em política, o tema da segurança pública por si só já gera um debate devido ao contraste entre a defesa dos direitos humanos pregado pelo campo progressista, e a lógica punitivista de outras lideranças políticas. No entanto, o tema acaba entrando na lógica de mercado que assola a política brasileira.
"Não é nem propriamente o valor de uso de determinada medida, a sua importância, as consequências que ela produz, mas o valor de troca da medida, ou seja, pelo que eu posso trocar para que essa medida possa passar."
Por conta disso, alerta Gurgel, há grande risco de o governo fazer grandes concessões "para acalmar o ânimo dos governadores", assim como fez também no pacote fiscal elaborado por Fernando Haddad, ministro da Fazenda.

"Eu não tenho a menor dúvida de que o governo Lula vai estar, de certa forma, servil e disposto a qualquer tipo de concessão para conseguir passar pequenas medidas, bastante tímidas em face do seu projeto de governo original."

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