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Valorização do peso é um golpe à competitividade da Argentina frente economia brasileira

© AP Photo / Victor R. CaivanoTrabalhadores movem tubos de óleo na fábrica da Metalcrom em Buenos Aires, Argentina, 8 de julho de 2022
Trabalhadores movem tubos de óleo na fábrica da Metalcrom em Buenos Aires, Argentina, 8 de julho de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 16.01.2025
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Colocando a redução da inflação como prioridade, o governo argentino reduziu a taxa de desvalorização da moeda para 1% ao mês, reforçando o "atraso cambial" e complicando ainda mais a competitividade da indústria argentina.
Economistas consultados pela Sputnik alertaram sobre a gravidade do saldo comercial negativo em um cenário de faltas de reservas.
"Empresários no Brasil me dizem que estão vendo mais argentinos do que durante a Copa do Mundo de 2014", disse o economista argentino Miguel Ponce à Sputnik. A anedota, diz ele, serve para ilustrar o número recorde de argentinos que passam férias no Brasil, aproveitando o fato de ser "o verão mais barato dos últimos 50 anos".
Ponce, especialista em comércio exterior, destacou que o fenômeno é motivado não apenas pela desvalorização do real brasileiro no final de 2024, mas também pelo fato de a Argentina estar trilhando "o caminho inverso", com forte valorização do peso argentino frente ao dólar americano.
"Enquanto todos os países emergentes, Brasil, Chile e até a China, pensam em uma desvalorização para enfrentar o 'super dólar' de Donald Trump, a Argentina vai na direção oposta. Viemos a ter um super peso que nos torna caros. em dólares, complica nossas exportações e aumenta a tentação de importar", diagnosticou o analista.
Nesse contexto, o Banco Central da República Argentina (BCRA) anunciou uma redução de 2% para 1% a partir de fevereiro da taxa de câmbio fixa, instrumento que regula o ritmo de desvalorização da moeda. Assim, o peso argentino começará a ajustar seu valor em relação ao dólar em 1% ao mês a partir do segundo mês de 2025.
Para Ponce, desacelerar o ritmo de desvalorização fará com que os produtos argentinos percam competitividade frente os concorrentes, não apenas na hora de exportá-los, mas também no mercado interno.

"Estamos perdendo para o Brasil não só no setor de turismo, mas também estamos perdendo mercados onde os produtos argentinos competem com os brasileiros", disse.

O efeito mais grave é, para o especialista, que a queda nas exportações afeta especialmente as chamadas Manufaturas de Origem Industrial (MOI), setor que envia 80% do que exporta para o Brasil e é "basicamente liderado por empresas de médio porte e que representam o maior valor agregado da Argentina."

Inflação e eleições

Se a valorização da moeda prejudica a indústria e o setor exportador, por que o governo de Javier Milei insiste nisso?
Para Ponce, a primeira explicação é que 2025 é ano eleitoral e o Executivo precisa "manter a crença de que a inflação está sob controle" tendo em vista as eleições legislativas marcadas para outubro de 2025.
"Até que as eleições acabem, o governo continuará tentando evitar ondas e manter a sensação de que a inflação está sob controle", resumiu o analista.
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Também em diálogo com a Sputnik, a economista e diretora da consultoria Eco Go, Marina dal Poggeto, explicou que desacelerar o ritmo de desvalorização o governo ganhar com a execução de carry trades, mecanismo que permite investidores lucrarem a partir das diferenças das taxas de juros em diferentes países.
"A escassez de dólares estava sendo financiada por dólares originários da ocultação de valores. O setor privado vende esses dólares ao Banco Central, que por sua vez os vende para o Tesouro, que os usa para pagar dívidas. Com isso você teve uma queda no risco país e aumentou a expectativa que em algum momento o Tesouro possa acessar algum crédito."
A economista reconheceu que, embora o esquema aplicado pelo governo argentino permita manter a inflação baixa e sustentar uma "recuperação do nível de atividade através do aumento da base monetária e do crédito", também trouxe como desvantagem a "a defasagem cambial e um Banco Central sem reservas".
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Em decorrência da defasagem cambial, a Argentina está vivenciando um aumento nas importações que gerará "um déficit em conta corrente". "A questão é como financiá-lo em um país que não tem reservas", afirmou Dal Poggeto.
Para Ponce, a possibilidade de a Argentina cair em déficit comercial é "absolutamente grave", dada a falta de dólares no Banco Central e o fato de que "os únicos dólares genuínos são aqueles que vêm do saldo positivo da balança de pagamentos comercial".
Como exemplo do problema que o país enfrenta, ele destacou que a Argentina "está prestes a somar o superávit de US$ 8 bilhões da balança energética com o déficit da balança turística, que pode chegar a US$ 8 bilhões".

Crise ou oportunidade para a indústria argentina?

Diante desse cenário, e dado que o governo não dá sinais de que irá aumentar o ritmo de desvalorização, a perda de competitividade das empresas argentinas se torna um problema cada vez mais sério.
Dal Poggetto alertou sobre o desafio que isso poderia representar para a indústria argentina, que se acostumou a uma forma muito diferente de operar.
"A Argentina passou de um extremo a outro: a indústria deixou de brincar na Disneylândia e passou a brincar na selva."
Até o início do governo Milei, a indústria argentina estava acostumada a operar sob um sistema de "repressão financeira" e desníveis na taxa de juros e no câmbio que levavam a "não se importar com a estrutura nem custos nem demanda".
Agora, a indústria não encontra mais aliados na defasagem cambial e deve se preocupar com a estrutura de custos e uma demanda "que começa a ser suprida por oferta importada".
Dal Poggetto destacou que, como resultado, "um grande número de industriais está se tornando importador ou empresários de logística", o que está levando a um aumento de demissões no setor privado.
Se essa tendência ainda não é grave para a economia argentina, é porque, segundo o especialista, os empregos informais ou autônomos conseguem "compensar" a perda de empregos.
Questionado pela Sputnik, o economista Gerardo Alonso Schwarz, membro da Fundação Mediterrânea e especializado em comércio internacional e fronteiriço, considerou que o impacto na competitividade é claro em relação ao Brasil, mas "não tanto em comparação com outros países do mundo".
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Nesse sentido, ele se mostrou otimista de que o efeito da defasagem cambial na produção argentina "não deve ser visto como uma condenação, mas como uma necessidade de pensar em como voltar a ser competitivo".
"Por muito tempo na Argentina nos acostumamos com a ideia de que a competitividade dependia somente da taxa de câmbio e nos esquecemos de outras fontes de competitividade, como melhorias de produtos, inovação, etc.", explicou o analista.
Para Schwarz, desvalorizar a moeda como única ferramenta para não perder competitividade "era algo muito comum na América Latina nos anos 1980", mas reapareceu no debate econômico argentino nos últimos anos.
Após descartar uma desvalorização por parte do governo de Milei, o especialista destacou que cabe "ao setor público pensar em como facilitar os negócios e ao setor privado como ajustar seus custos ou ser mais eficiente".
De fato, o economista acredita que muitas agências estaduais, sejam elas nacionais, provinciais ou municipais, podem "ajustar seu pensamento" para eliminar ou simplificar impostos ou taxas que aumentam o custo de produção.
Por outro lado, ressaltou, o contexto deve ser uma oportunidade para a indústria argentina "fazer melhorias tanto internamente quanto no relacionamento com seus fornecedores, distribuidores e clientes".
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