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Brasil erra ao ceder à demanda argentina no Mercosul? Ainda há cartas na manga, dizem analistas

© Foto / Twitter / ReproduçãoLuiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei, presidentes do Brasil e da Argentina
Luiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei, presidentes do Brasil e da Argentina - Sputnik Brasil, 1920, 20.06.2025
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que o esforço de Javier Milei para flexibilizar o Mercosul em prol de um acordo com os EUA é ideológico e que o Brasil pode usar o trigo e a carne importados da Argentina como "cartas de barganha" para proteger suas exportações para o país vizinho.
No intuito de fechar um acordo com os EUA, o presidente argentino, Javier Milei, aumentou a pressão sobre países do Mercosul para flexibilizar as regras comerciais do bloco que impedem a negociação individual de acordos de livre comércio.
Em abril, diante da pressão da Argentina, que até julho ocupa a presidência rotativa do bloco, chanceleres do Mercosul concordaram em adicionar 50 produtos em uma lista de exceção que os torna passíveis de serem comercializados fora da lógica de tarifa externa comum aos parceiros.
A movimentação argentina é alvo de preocupação do Brasil, que tem no país vizinho seu maior parceiro comercial na América do Sul e o terceiro em escala global, atrás apenas de China e EUA. Para evitar perder mercado para os EUA no país vizinho, o Brasil estuda propor que os 50 produtos em regime de exceção não sejam do mesmo setor, além de tentar negociar com a Argentina para que a lista não afete determinados produtos brasileiros.
À Sputnik Brasil, Corival Alves do Carmo, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), avalia que as medidas cogitadas pelo Brasil, sozinhas, não serão suficientes para evitar perdas do lado brasileiro.

"Se o acordado foi que cada país decida a sua lista, a Argentina só vai ceder ao Brasil se isso gerar ganhos políticos ou econômicos. Não faz sentido demandar a flexibilização e depois aceitar engessar em uma negociação bilateral sem a expectativa de obter vantagens em relação ao Brasil", afirma.

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Ele acrescenta que não é possível antecipar o resultado das medidas estudadas sem uma definição prévia das listas de cada país. Além disso, se o objetivo da Argentina é reduzir as tarifas alfandegárias em relação à tarifa externa comum, é preciso saber se essa redução ocorrerá em tratado bilateral com os EUA ou se será uma política unilateral adotada pelo governo da Argentina e aplicável a todos os parceiros, e qual tipo de tarifa será eventualmente aplicada aos países do Mercosul.
"Adicionalmente, considerando a postura do governo Trump, é preciso avaliar também se os EUA aceitariam celebrar apenas um acordo limitado de livre comércio."
Segundo o especialista, a questão principal para o Brasil é manter a Argentina aberta aos produtos manufaturados exportados para o país. Ao contrário do que acontece com o resto do mundo, onde a pauta comercial é dominada pela agropecuária, com o vizinho sul-americano quem brilha são os manufaturados.

"É possível que a lista de exceções da Argentina seja dominada por produtos manufaturados, e, nesse caso, o ônus para o Brasil pode ser maior se houver uma abertura privilegiada para os EUA em relação ao Brasil, ou se houver uma abertura que coloque Brasil, EUA e China com o mesmo nível tarifário."

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Dentro da guerra comercial aberta pela Casa Branca contra o resto do mundo, tanto o Brasil quanto a Argentina são taxados em 10%, demonstrando que a proximidade ideológica entre Milei e Donald Trump não se traduziu em vantagens ao país. Ainda assim, "do ponto de vista da agenda do governo Milei, priorizar os EUA é parte essencial da sua agenda política", e ele vai apostar nisso por maiores que sejam os riscos.
"Agora, do ponto de vista da balança comercial, o resultado deve ser desfavorável [para a Argentina] — os EUA são um concorrente da Argentina no mercado de produtos agrícolas e é pouco provável que se disponham a abrir o seu mercado para a produção agrícola e industrial argentina exatamente quando o governo dos EUA amplia o protecionismo. Os EUA querem uma negociação que leve à obtenção de um superávit comercial favorável a eles."
Carmo é cético quanto ao sucesso dos planos de Milei. Ao contrário do que o líder argentino pensa, sua iniciativa de aproximação com os EUA pode ver a Argentina enveredando pela direção brasileira.

"Essa agenda é impulsionada pelo governo Milei tentando cair nas graças dos EUA. Do mesmo modo que o governo [Carlos] Menem tentou durante os anos 1990, e ao final acabou se tornando mais dependente do Brasil e do Mercosul", afirma o especialista.

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A opinião é compartilhada por Marcelo Balloti Monteiro, professor visitante no curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), que afirma à reportagem considerar pouco provável que a América do Sul seja uma prioridade para Trump.
Isto é, se nessa busca os EUA tiverem que sabotar o Mercosul, eles o farão com a maior naturalidade, mas isso não significa que seja esse o objetivo. "Os EUA vão fazer o que eles sempre fizeram, buscar o seu autointeresse", afirma. "E o interesse dos EUA está muito distante daqui."

"Embora seja óbvio que os EUA não querem perder a América do Sul […] — têm lutado e vão buscar evitar a influência da China —, já é tarde. A China hoje é muito mais relevante para o Mercosul e para os países latino-americanos do que os EUA."

Monteiro reitera que a preocupação brasileira com a questão se dá porque "o Brasil seria mais ou menos o país desenvolvido no comércio com a Argentina". "A gente não exporta soja para a Argentina, a gente não exporta carne para a Argentina. Mas a gente exporta carros e autopeças. Então é uma relação na qual o Brasil se beneficia."
Dessa forma, uma das "cartas de barganha" que o Brasil poderia usar para evitar a perda de mercado argentino para os EUA seria o trigo. O Brasil tem uma necessidade de cerca de 12 milhões de toneladas de trigo, sendo que produz domesticamente apenas metade disso. O resto precisa ser importado. Outra carta é a importação de carne.

"A gente poderia deixar de importar da Argentina. A gente poderia, por exemplo, se quusesse continuar importando, importar do Uruguai ou até mesmo do Paraguai, que também são dois grandes produtores de carne. O Brasil tem condições de negociar melhores termos. O Brasil tem cartas para tentar barganhar."

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