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Análise: admiração de Milei por Trump é reflexo da submissão das elites latino-americanas aos EUA

© AP Photo / Lynne SladkyJavier Milei, presidente argentino, acena após falar com alunos na Florida International University, em North Miami, Flórida. EUA, 11 de abril de 2024
Javier Milei, presidente argentino, acena após falar com alunos na Florida International University, em North Miami, Flórida. EUA, 11 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 14.02.2025
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Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a admiração de Javier Milei por Donald Trump coloca a Argentina "de costas para a América Latina e olhando para os EUA" e frisam que o argentino enxerga em seu homólogo estadunidense uma forma de se tornar mais popular.
O presidente argentino, Javier Milei, vem emulando seu homólogo estadunidense, Donald Trump, em atitudes polêmicas. Seguindo o exemplo de Trump, ele já anunciou a retirada da Argentina da Organização Mundial da Saúde (OMS) e cogitou a criação de uma cerca na fronteira de seu país com a Bolívia, sob a justificativa de conter a imigração e o contrabando.
Milei também afirmou que cogita retirar a Argentina do Mercosul, caso não obtenha do bloco autorização para um acordo de livre comércio com os EUA, que ele afirmou ser a prioridade.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam o que leva Milei a se inspirar em Trump e como isso afeta a relação com parceiros latino-americanos, sobretudo no Mercosul.
As atitudes isolacionistas de Trump seguidas por Milei refletem a mudança na balança de poder global, com o deslocamento do centro de poder do sistema internacional dos EUA em direção à China, conforme aponta Jefferson Nascimento, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e membro do Observatório Político Sul-Americano (OPSA).
Porém ele afirma que esse é um processo que ainda vai levar décadas até se promoverem de fato transformações mais significativas.
"Então certamente levará muito mais tempo do que os quatro anos que dura o mandato do Milei. Então ele está pensando no curto prazo", afirma.
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Nascimento avalia que, de forma pragmática, o que Milei pode assegurar com a aproximação com os EUA no curto prazo é um novo empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI), que é algo que a gestão do argentino já vem discutindo.
"Para isso ele precisa do apoio dos EUA. Então essa talvez seria a questão a curto prazo, que pode ser vista como um benefício pelo Milei", diz o especialista.
Segundo ele, a admiração de Milei por Trump se deve a fatores ideológicos, "porque há uma tendência das elites políticas latino-americanas, sobretudo da direita, de sempre olhar os EUA como exemplo, como um referencial a ser seguido".

"E isso tende a fazer com que determinados governos, sobretudo governos mais à direita, se tornem, em algumas ocasiões, inclusive, submissos a esse poder."

Nesse contexto, ele afirma que a Argentina sob a gestão de Milei está "de costas para a América Latina e olhando para os EUA", situação preocupante para a retomada das organizações multilaterais regionais, que, segundo o especialista, vêm se enfraquecendo desde a segunda metade da década de 2010.
"E me parece que é um cenário muito difícil de ser retomado agora, devido à polarização não apenas dentro dos países, mas entre os países. Isso torna muito difícil o estabelecimento de qualquer consenso que possa fazer avançar o funcionamento dessas organizações multilaterais latino-americanas."
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Entretanto Nascimento frisa que, apesar do discurso bastante disruptivo de Milei em relação aos principais parceiros comerciais da Argentina, ou seja, Brasil e China, ainda há uma dose significativa de pragmatismo nessa relação.

"É bom lembrar que, apesar das ofensas que o Milei, por exemplo, fez durante a campanha contra os presidentes tanto do Brasil quanto da China, não significaram grandes mudanças nas relações diplomáticas entre a Argentina e esses dois países, justamente porque há uma relação comercial muito forte, um fluxo comercial muito intenso entre esses países", destaca.

Nascimento observa que o mesmo pragmatismo ocorre no recorte do Mercosul, que recentemente fechou um acordo com a União Europeia que interessa à Argentina.
"E uma saída da Argentina do Mercosul faria com que o país não tivesse acesso aos benefícios desse acordo. Então isso pode ser um atrativo para que Milei, apesar de eu não acreditar que ele vá aprofundar os laços com o Mercosul, não procure romper com o bloco."
Ele acrescenta que a presença no Mercosul faz a Argentina ter acesso a tarifas alfandegárias que são interessantes para alguns setores importantes da economia da burguesia argentina.
"Então isso pode também ter uma pressão interna de setores da burguesia argentina para que ele [Milei] se mantenha no grupo e eles consigam manter a intensidade desse fluxo comercial, que é benéfico para os dois países, tanto para a Argentina quanto para o Brasil."
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Cairo Junqueira, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR), compartilha da visão de que as mudanças no centro de poder no mundo contribuíram para o estreitamento de laços entre Milei e Trump. À Sputnik Brasil, ele aponta que esse processo vem sendo chamado de "transição hegemônica".
"A gente está vivenciando um período, pelo menos nas duas últimas décadas, de uma mudança da balança de poder global. Claro, uma mudança que está mais focada dos EUA para outros eixos, incluindo a própria questão da China", afirma.
Junqueira considera que o alinhamento atual analisado não é entre Argentina e EUA, mas sim entre Milei e Trump. Segundo ele, trata-se de uma questão mais pessoal em si da figura dos líderes, e ambos "são signos dessa nova direita global".

"Mas eu penso que o Milei tem a ganhar [com a aproximação] justamente porque ele vê em Trump uma liderança, um líder, que vai também torná-lo mais popular. Porque a gente tem que lembrar que o Milei é considerado um outsider da política em si, e muito da plataforma de governo dele, até ser eleito, se baseia também em discursos e políticas que dialogam diretamente com Trump."

Segundo o especialista, Milei e Trump compartilham a visão cética quanto ao papel de organizações internacionais, o que inclui o Mercosul.
"Eles são críticos ao papel dessas instâncias. Ou seja, o que eles defendem? Eles defendem que os problemas e também as soluções devem ser tratados de maneira mais bilateral, ou seja, entre dois países, e não multilateral."
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Junqueira acrescenta que ambos vão continuar críticos quanto à integração regional latino e sul-americana. Ele lembra que Milei não tem um discurso pró-Mercosul e Trump chegou a afirmar que a América Latina depende mais dos EUA do que os EUA dependem da região. No entanto, o especialista frisa que "o peso da Argentina para a região, notadamente, é importante".
"Para o Mercosul, para o Cone Sul, a Argentina é um ator importante, mas que passa por debilidades econômicas que não vêm de agora, mas isso também reflete um pouco dessa crise pela qual o país vem passando", afirma.
O especialista destaca que historicamente há na América Latina o chamado latino-americanismo, que corresponde a uma forma de pensar a região fora dos ditames e das influências de potências externas, principalmente os EUA.

"Esse sentimento antiamericano ou latino-americano não vem de agora. A gente tem outras iniciativas, por exemplo a Alba [Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América], a Unasul [União de Nações Sul-Americanas], temos também a própria CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos], que é exatamente a instituição que deveria estar agora pautando muito esse debate sobre o Trump, mas ela se torna um tanto quanto inoperante. O que a gente vê aqui é um discurso muito em prol do latino-americanismo, mas as instâncias sofrem para colocar isso na prática."

Segundo Junqueira, alguns países da América Latina e Central têm uma dependência muito forte em relação aos EUA, como o Uruguai, onde o presidente, Luis Lacalle Pou, também tenta flexibilizar algumas normas do Mercosul.
Apesar disso, ele considera improvável que Milei atue em sua gestão de forma a desmantelar o Mercosul, que ele afirma não ser somente liderado pelo Brasil, mas ter também um papel do Paraguai, do Uruguai e da Bolívia que não pode ser desconsiderado.
"Falar em desmantelamento do Mercosul eu acho muito difícil. Pelo menos eu tenho uma visão de que o Mercosul traz mais benefícios do que malefícios. Ele traz mais coisas boas do que custos. Então isso vai continuar fazendo com que o bloco tenha a sua permanência resguardada", conclui o especialista.
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