A Sputnik Brasil explica quais são os projetos estratégicos em que a companhia de São José dos Campos participa, como estão as negociações e o seu significado militar e geopolítico.
Quais são os braços de defesa da Embraer?
O setor de defesa da Embraer é composto por cinco companhias agrupadas na divisão da Embraer Defesa e Segurança, são elas:
Atech: comercializa sistemas de tráfego aéreo civis e militares e também atua no setor de segurança digital. Reconhecida como empresa estratégica pelo Ministério da Defesa, trabalha no desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro e no Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Também está envolvida na construção dos caças Gripen, projeto conjunto da Embraer e da sueca Saab. Em 2017, a Atech recebeu R$ 49,3 milhões do Governo Federal.
OGMA: Companhia criada como estatal em Portugal, foi comprada pela Embraer em 2004. A OGMA é especializada em serviços de manutenção e fabricação de aeroestruturas. É a responsável pela fabricação dos painéis da fuselagem central do cargueiro KC-390.
Savis: é a gerenciadora do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON). Segundo a própria Savis, trata-se do "maior projeto de monitoramento de fronteiras do planeta". Entre 2015 e 2017, a companhia recebeu R$ 44,5 milhões do Governo Federal.
Visiona: joint-venture com a estatal brasileira Telebras, é a coordenadora do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) — que é utilizado em comunicações das Forças Armadas do Brasil.
Da origem da Embraer à Golden Share
A Embraer foi criada como empresa de economia mista — com a participação estatal e privada — durante o regime militar, em 1969. O controle da companhia, entretanto, era estatal. A situação mudou em 1994, quando a Embraer foi privatizada em leilão por R$ 154,2 milhões, em valores não corrigidos. Suas ações são vendidas na bolsa de valores de São Paulo e Nova York. Mas não há nenhum acionista majoritário, de modo que as decisões passam pela Assembleia Geral da empresa.
Assim que foi publicado pelo The Wall Street Journal que havia um diálogo entre Embraer e Boeing, o presidente Michel Temer (MDB) sinalizou que barraria uma possível transferência de controle da companhia brasileira.
Com as negociações em andamento, o clima entre os 15 mil funcionários da Embraer no Brasil é de "apreensão", diz Herbert Claros, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e funcionário da Embraer. "Não há informação consistente e não há transparência da Embraer em relação ao assunto", diz.
Golden Share e participação estrangeira já renderam polêmica na década de 1990
Em 1999, um consórcio das empresas francesas de defesa (Aérospatiale Matra, Dassault Aviation, Thomson-CSF e Snecma) comprou cerca de 20% das ações da Embraer. A transação, entretanto, foi recheada de polêmicas.
Ela desagradou especialmente a Aeronáutica — que chegou a preparar um dossiê para melar as negociações. Para contornar a situação, a Advocacia Geral da União (AGU) fez um estudo e emitiu um parecer em que afirmava que a transação não comprometeria a soberania nacional e o negócio foi fechado por cerca de US$ 209 milhões, em valores não corrigidos.
O então ministro da Defesa, Élcio Álvares, criticou publicamente a venda para o consórcio francês e foi tirado do cargo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O substituto foi Geraldo Magela da Cruz Quintão, que estava no cargo de advogado-geral da União e foi o responsável pelo parecer favorável ao negócio.
O professor de relações internacionais da Unesp Alexandre Fuccille trabalhou no Ministério da Defesa de 2003 a 2005 e diz que a Embraer é vista como a "queridinha" das Forças Armadas, especialmente pela Aeronáutica. Fuccille diz que o clima entre os militares é de "desconforto, para dizer o mínimo" com as notícias da negociação com a Boeing.
Suecos contrariados
A atual negociação entre Boeing e Embraer traz outros descontentes: os suecos da Saab. Eles foram os escolhidos em 2013 para renovar a frota de caças da Força Área Brasileira. O acordo de US$ 5 bilhões por 36 caças Gripen inclui a transferência de tecnologia da Saab para a Embraer.
Engenheiros brasileiros já foram à Suécia conhecer a fábrica da Saab e a companhia estrangeira também enviou funcionários seus para a cidade de Gavião Peixoto — que produzirá parte das aeronaves.
O professor de relações internacionais da Unesp Alexandre Fuccille ressalta o componente geopolítico das tratativas comerciais:
"É uma mudança de fundo, a partir do impeachment da presidente Dilma Rousseff e da posse de Michel Temer, há um realinhamento da política externa brasileira dos governos Lula e Dilma, quando houve uma prioridade da América do Sul, dos países emergentes e dos BRICS. Há uma retomada de alianças preferenciais com os países do norte, particularmente com EUA e Europa. Principalmente com os Estados Unidos."
O jornalista Roberto Godoy é um dos maiores especialistas em tecnologia militar do Brasil e diz que uma possível venda da Embraer para a Boeing pode criar problemas com a Saab. "A maior aposta da indústria de defesa da Suécia é o projeto dos Gripen com o Brasil", analisa o repórter do jornal O Estado de S. Paulo.
"O próprio Departamento de Defesa dos EUA considerou que o Gripen seria o caça de referência no momento de especificar alguns itens da suas operações", afirma Godoy.
A Sputnik Brasil procurou o escritório da Saab no Brasil, mas a companhia preferiu não se pronunciar.
Aviação comercial é a galinha dos ovos de ouro
Diante da resistência brasileira em abrir mão da Embraer Defesa, foi divulgado que Embraer e Boeing negociam a formação de uma terceira empresa para garantir a autonomia de projetos sensíveis da segurança nacional. A medida, entretanto, deixaria o setor de defesa sem sua principal fonte de renda: a aviação comercial. Em 2016, a divisão de aviação comercial e executiva representou 85% do lucro líquido de R$ 21,43 bilhões da Embraer.
"Ainda que seja viável [deixar a Defesa como uma empresa isolada], na prática significa decretar a morte ou a falência do setor de Defesa, porque ele não sobrevive sem o desenvolvimento das aeronaves civis. Mundo afora as empresas são do setor aeroespacial e de defesa. Elas têm uma combinação das tecnologias civis e militares", esclarece Fuccille.
Godoy diz não ser contra uma parceria entre Boeing e Embraer diante de garantias em pontos estratégicos como a manutenção do desenvolvimento e produção de aeronaves em solo brasileiro. "Uma associação com a Boeing é benéfica, mas ela precisaria ser negociada em termos bem objetivos", diz.