"Os anglo-saxões estão claramente tentando reunir uma base legal para o roubo de ativos russos confiscados ilegalmente. Que aceitem a mesma recomendação sobre a compensação total [...] por danos [dos Estados Unidos] à Coreia, ao Vietnã, ao Iraque, à Iugoslávia e a outras numerosas vítimas dos americanos e da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Caso contrário, parece o início da agonia da ONU como principal instituição internacional de reconciliação. O fim será doloroso para toda a comunidade internacional. Viveremos sem tal organização das 'nações unidas'", criticou Dmitry Medvedev, vice-chefe do Conselho de Segurança russo.
"Do ponto de vista da Rússia, acredita-se ser uma forma de 'legalizar' o que foi, justamente, o que a Rússia chama de roubo. Ou seja, a apropriação dos bens da Rússia no exterior, das reservas de ouro e divisas da Rússia no exterior, que foram cooptados pelo Ocidente como uma das formas de sancionar a Rússia", analisou.
"Isso reforça uma necessidade de reforma urgente da ONU, que já deixou de ser imparcial há muito tempo. Isso vai ficando cada vez mais claro quando o que está por trás é uma forma de confirmar o discurso ocidental, de reforçar a fala e a narrativa ocidental contra a Rússia e seus aliados, em uma tentativa, também, de manipular a opinião pública, como tem sido feito, a favor do viés ocidental, mantendo a Rússia como a 'vilã' da história — a despeito do contexto histórico e do que de fato está envolvido e o que de fato acontece. Quando se move uma ação dessa magnitude, gera-se toda a repercussão internacional (e tem mesmo que gerar). Mas isso só corrobora a narrativa de todo o discurso ocidental, que é justamente a tentativa de colocar a Rússia no lugar de 'vilã', que está promovendo um conflito, a despeito de todos os vieses e todo o envolvimento direto do lado ocidental fomentando esse mesmo conflito. Então é mais uma jogada do Ocidente em uma tentativa de estrangular a Rússia."
"A ONU está seguindo os ritos cabíveis a ela, mas sabemos que há interesses por trás e que as ações são tendenciosas. Não podemos dizer que há imparcialidade e que há neutralidade (como deveria haver) por parte da ONU nesses tipos de resoluções que têm sido feitas recentemente contra a Rússia. É difícil dizer o quão válido isso é, mas levanta discussões. Cabem, novamente, reflexões do tipo: podemos fazer isso contra um país, sendo que, em situações análogas anteriores, não foi feito com outros países? Por que dois pesos e duas medidas? Por que mover esse tipo de resolução contra a Rússia se não movemos contra os próprios EUA, por exemplo, ou contra o Reino Unido em outras circunstâncias de conflito com outros países?", questionou.
"Eles seguem tentando. E estão 'subindo a régua', por assim dizer. É importante lembrar o seguinte: por que a Rússia teria de arcar com tudo isso, sendo que quem fomenta o conflito na verdade são os Estados Unidos, com envios de bilhões de dólares à Ucrânia, justamente para acalorar o conflito e para que ele tenha continuidade? Se os EUA estão financiando o conflito na Ucrânia, não teriam eles, também, [o dever de] reconstruir [a Ucrânia]? Gera-se toda uma discussão, porque, sobre aqueles que participam (não pela resolução do conflito por meio de vias diplomáticas, mas sim para que o conflito seja mantido), qual a responsabilidade de todos os envolvidos nesse conflito quando o assunto é reconstrução e uma espécie de indenização para a Ucrânia? Certamente não é só da Rússia", afirmou.
"E entendendo que não, a Rússia não pode ser tão e somente responsabilizada por tudo o que está acontecendo. E mais, que essa penalização não parece justa. Há várias interpretações possíveis para isso que está acontecendo, mas claramente o Ocidente está perdendo aquele apoio voraz da sua narrativa que existia no começo (de contrários à operação militar especial e todo o discurso pró-Ucrânia, a despeito de tudo o que envolvia o início da operação). Hoje vemos que há uma conscientização maior. Os países conseguem enxergar que a Rússia não é tão exatamente a vilã dessa história e que eles também precisam muito da Rússia. Há toda a questão da crise energética, é sempre importante lembrar isso", avaliou.
"Quando a gente faz uma análise geopolítica a fundo, percebe-se que há uma tentativa de manter a ordem mundial; de lutar contra esse deslocamento do eixo, do Atlântico para o Pacífico, de influência da ordem mundial; de diminuir ou desacelerar essa reestruturação mundial com a China e, cada vez mais, com a participação da Rússia. A gente vê o lado asiático crescendo muito e assustando cada vez mais o lado ocidental. Diante dessa clara ameaça hegemônica aos EUA de um mundo que não é unipolar e de um mundo não mais regido somente pelos EUA e seus aliados, ou seja, uma multipolaridade, ela tem assustado. É o que o governo e a política externa norte-americana têm tentado reverter a todo custo. E tentam fazer isso com esse tipo de resolução, usando toda a instituição da ONU à sua disposição para tentar forçar isso, para confirmar seu discurso e sua retórica. É a tentativa do lado ocidental de se fortalecer, de tentar manter os benefícios do lado ocidental tal como o mundo vinha caminhando no último século. E lutando contra o crescimento do eixo do Pacífico, que assombra muito as questões econômicas dos EUA, ainda que os EUA continuem sendo a grande potência. São eles que têm o maior interesse nesse tipo de resolução", conclui.
"Se, com base na decisão da Assembleia Geral da ONU, sugados por países inimigos de local conhecido, atos nacionais forem adotados sobre o roubo de ativos russos, não teremos escolha. Será necessário retirar de forma irrevogável o dinheiro e os bens dos investidores privados desses países, embora não sejam responsáveis pelos tolos de seus governos. Eles [empréstimos externos, fundos congelados em contas e outros valores], em nosso país, por uma feliz coincidência, valem mais de US$ 300 bilhões [R$ 1,6 trilhão]. O suficiente para compensar o que foi roubado da Rússia."