Segundo os dados do Dieese,
divulgados pelo site Poder360, as greves do ano passado se concentraram em
três grupos, dois deles ligados ao funcionalismo público (servidores de saúde e de educação)
e outro misto (funcionários e motoristas de empresas de transporte coletivo). Foram dois os eixos que sustentaram as mobilizações: a
modesta taxa de crescimento da economia e o setor público federal
sem conceder aumentos relevantes de salários há quatro anos.
Embora a
última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), referente ao mês de novembro, tenha apontado
queda no desemprego e na informalidade, os fenômenos da precarização do trabalho e do achatamento de salários podem ser fatores que explicam esses
dados aparentemente promissores.
Nesse sentido, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já conseguiu desarmar a primeira greve do ano. Projetada pelos entregadores de aplicativos para ocorrer na última quarta-feira (25), ela foi cancelada após uma reunião dos representantes do setor com o governo federal.
No encontro, os entregadores apresentaram um extenso
documento de reivindicações, cujas demandas serão avaliadas pelo
Ministério do Trabalho.
Paulo Henrique Blair de Oliveira, especialista em direito constitucional e direito do trabalho, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), aponta duas forças que estão tensionando em sentido oposto a uma enxurrada de greves: o momento de restrição econômica e o receio da demissão após uma greve.
No último caso, Oliveira explica que é inconstitucional ser demitido por fazer greve. A empresa, porém, pode alegar que a dinâmica resultante do período de greve (interrupção das atividades econômicas de uma empresa, por exemplo) pode causar uma dispensa posterior. Ou seja, o medo de ser demitido e da dificuldade de encontrar um novo emprego é um empecilho real.
Um fator que distensiona o campo para o novo governo é a disposição que ele próprio demonstrou para reverter pontos da reforma trabalhista, feita em 2017 pela gestão do presidente Michel Temer (MDB).
Especificamente no caso dos trabalhadores de aplicativos, ressalta Oliveira, "existe disposição do governo para criar marcos regulatórios".
"Porque, a depender das empresas de tecnologia que os contratam, está tudo bem assim, da maneira como está. Mas em todos os lugares do mundo está havendo regulamentação. É preciso regulamentar, senão vira um faroeste."
O professor elenca que autoridades de trânsito apontaram que o número de acidentes com motos e carros aumentou 35% nos últimos 18 meses.
Isso, em sua percepção, não aconteceu por causa de um maior número de veículos circulando, mas porque aplicativos de entrega e de carros impõem metas a cumprir.
Ou seja, se há atrasos, há menos alocações de chamadas para determinado motorista.
Oliveira também aborda a questão dentro da perspectiva do direito do trabalho. Segundo ele, em uma democracia o direito existe para que "o conflito exista sem que as partes se destruam mutuamente".
A relação entre capital e trabalho sempre será tensa e conflituosa, pondera.
Estaria o governo Lula preparado para essa negociação, seja com os trabalhadores, seja com o Congresso? Para o professor da UnB, a resposta é sim.