Panorama internacional

'Balcão de negócios': cúpula da Suíça foi uma 'ofensiva diplomática' contra a Rússia, diz analista

Em vez de buscar uma solução definitiva para o conflito ucraniano, a cúpula da Ucrânia foi um grande "balcão de negócios" da indústria armamentista ocidental, segundo avaliou um especialista à Sputnik Brasil. Sem conseguir apoio do Sul Global à causa, até quando o Ocidente vai insistir em negociar a paz sem incluir a Rússia?
Sputnik
Realizada no último fim de semana no resort de luxo de Buergenstock, em Lucerna, Suíça, a cúpula da Ucrânia não alcançou os resultados esperados, disse à Sputnik Brasil o geógrafo e doutorando em relações internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas Tito Lívio Barcellos Pereira.
Segundo o internacionalista, a cúpula nunca tentou encontrar de fato uma solução para o conflito ucraniano. Pelo contrário: ao reunir mais de 100 nações e organizações multilaterais, a ideia era criar uma espécie de "ofensiva diplomática" contra a Rússia.
As potências ocidentais, diz Pereira, queriam "firmar o engajamento dos países do Sul Global em apoiar a Ucrânia, inclusive militarmente. É importante lembrar que acordos de transferência de armas e dinheiro foram negociados nessa cúpula".

"Então você não tem uma cúpula de paz, você teve praticamente um balcão de negócios […]. Você tem mais uma política de reafirmar esse apoio financeiro e militar à Ucrânia do que realmente promover uma mediação do conflito."

Ao não conseguir a assinatura de países-chave do Sul Global, como África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, Indonésia, México, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Índia, a cúpula foi um fracasso em todos âmbitos que se propôs. Não conseguiu encontrar uma solução para o conflito e não conseguiu criar uma frente diplomática contra a Rússia, avalia o especialista.
Ainda de acordo com ele, percebe-se que, apesar dos esforços "da diplomacia norte-americana e da diplomacia europeia para tentar mostrar que a causa ucraniana é uma causa mundial […], o apoio à causa ucraniana ainda é mais concentrado naquela região euro-atlântica".
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Ou seja, regiões como "a América do Norte, os países da Europa, principalmente da Europa Ocidental, e os parceiros e aliados dos Estados Unidos ao redor do mundo, como Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Canadá".
Sendo assim, destaca-se o esvaziamento desse encontro com a ausência de Joe Biden. O presidente dos Estados Unidos enviou sua vice, Kamala Harris, em seu lugar. Esta, por sua vez, nem ficou até o final, com o encontro sendo regido depois pelo conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan.

Até quando vão 'negociar' sem a Rússia?

Logo antes do encontro, o presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, detalhou sua proposta para o fim do conflito ucraniano, em que indica que "a realidade territorial ucraniana não é a mesma do começo do conflito", lembra Pereira. "Agora o governo russo exige que a Ucrânia abandone suas pretensões de retomar os territórios perdidos."
Outro ponto-chave da proposta russa é a renúncia de Kiev de sua entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A entrada ucraniana na União Europeia "nunca foi um problema", sublinha Pereira.
"O problema é a Ucrânia optar por uma aliança militar liderada por rivais geopolíticos russos, que no caso são os Estados Unidos e, em menor escala, os seus aliados europeus, principalmente a Grã-Bretanha e a França, que são potências nucleares."
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Já a proposta de Kiev pode ser resumida como uma "proposta de rendição incondicional" da Rússia, resume o analista. "Tem uma série de exigências que o regime ucraniano impõe, mas não tem uma garantia de contrapartida."
São elas o restabelecimento das fronteiras de 1991, a retirada imediata das forças militares russas do "território ucraniano", a indenização pelos danos materiais causados no âmbito do conflito e a criação de um tribunal para julgar possíveis crimes de guerra cometidos pela Rússia.

"Então você não tem exatamente uma proposta de paz, porque uma proposta de paz requer um tratamento de igualdade entre as partes beligerantes."

Essa condição, de que é necessária uma paridade de tratamento entre ambas as partes, é o que marca as propostas de paz de países como China, Brasil e Indonésia, medida que é vista como "pró-Rússia" por Kiev.
O governo brasileiro, exemplifica Pereira, "critica, sim, o governo Putin pela eclosão do conflito, mas reconhece que a parte russa precisa ser contemplada, senão não há uma mediação de conflito, não é uma negociação de paz".

"E também reconhece que antecedentes foram criados pelos europeus e pelo governo americano para que esse conflito ocorresse. Essa posição brasileira […] é compartilhada pela China e […] por outros países da Ásia e da África."

Nesse sentido, a teimosia de Kiev e seus aliados em tentar encontrar uma solução sem incluir os russos se torna uma "pregação para convertidos", mas pode estar próxima de acabar, afirma Pereira.
Oficialmente os líderes ocidentais vão "buscar mostrar união, coesão, reafirmar seu compromisso no auxílio financeiro, militar e diplomático à Ucrânia. Mas no cenário doméstico cada um desses líderes está lidando com problemas que "podem acabar influenciando seu comportamento".

"Você tem uma queda de popularidade entre os tolos governistas desses países ocidentais."

Na França, por exemplo, o presidente Emmanuel Macron dissolveu o Parlamento em meio a preocupações com a perda de popularidade do seu partido por um mais crítico da ajuda à Ucrânia. O mesmo acontece na Alemanha do chanceler Olaf Scholz e ainda há a perspectiva de "derrota fulminante" de Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido.
Além disso, há toda a questão eleitoral nos Estados Unidos, onde há dúvida sobre se Biden conseguirá ser eleito. "Todas essas transformações poderão culminar em certas mudanças políticas."
Para Pereira, é difícil dizer se o "desgaste político, econômico, social e diplomático" desses países vai alterar a relação deles com a Ucrânia, mas pode servir de pontapé para que esses políticos finalmente incluam a Rússia dentro dos planos de paz.
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