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Paraguai ou Turquia: qual será o destino do 'químico turco do PCC' preso no Brasil?

Na última terça-feira (13), a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma manifestação favorável à extradição do turco Eray Uç ao Paraguai, onde é acusado do crime de tráfico internacional de drogas.
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Aparentemente um processo simples, o pedido de extradição ganhou novos contornos há algumas semanas, depois que a Interpol na Turquia também solicitou a extradição de Uç para o seu país de origem, onde é condenado por falsificação de documentos oficiais. O país pediu prioridade, citando o fato de que o criminoso já tem sentenças da Justiça turca a serem cumpridas.
Mais conhecido como o "químico do PCC", ele está preso em São Paulo desde junho de 2023, após ser detido em flagrante com 16 quilos de drogas no litoral de São Paulo. Também é investigado nos Estados Unidos por vinculação com o grupo libanês Hezbollah. No Brasil, ele foi condenado a seis anos e seis meses de prisão por tráfico de drogas pela Justiça de São Paulo.
A Embaixada do Paraguai formalizou em 22 de março o pedido de extradição de Eray para o Brasil, a Interpol e as autoridades turcas há duas semanas. O ministro Luiz Fux é o relator do caso. Se autorizar a extradição, o Supremo deve enviar sua decisão ao presidente.

'Químico do PCC': como fica a situação do Brasil no meio dessa disputa?

Para responder essas e outras perguntas a respeito do caso, a Sputnik Brasil ouviu especialistas em direito penal e internacional.
Professor de direito penal da Universidade Federal Fluminense (UFF), o advogado Daniel Raizman explicou que não há vedação constitucional para a extradição nesse caso.

"A celeuma será dirimida pela legislação infraconstitucional e pelos tratados de cooperação entre os países, e a decisão final do Brasil deverá ser respeitada de acordo com o princípio da soberania", disse ele. "Evidentemente, não se pode excluir o custo político e diplomático da decisão seja quanto ao pedido formulado pelo Paraguai — parceiro estratégico do Brasil na Região e no Mercosul — ou com relação à Turquia."

Para o professor titular de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Carlos Eduardo Japiassú, o argumento turco — de que deve haver preferência por se tratar de um caso em que já há condenação, enquanto no Paraguai deve ser processado e julgado — é irrelevante à extradição.

"O Brasil tanto extradita para que o sujeito seja processado e julgado quanto extradita para cumprir pena. E a lei brasileira não hierarquiza, não gera uma preferência de uma espécie para outra", disse ele.

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Japiassú explicou que o artigo 85 da Lei de Migração, Lei nº 13.445/2017, determina que o que gera preferência para a concessão da extradição é a gravidade do crime e, em segundo lugar, o Estado que primeiro pediu.

"Ao que me parece, no Paraguai houve o crime mais grave, porque foi tráfico. O Paraguai pediu primeiro a extradição. Completando, o Paraguai é do Mercosul, então você tem um acordo de cooperação, uma cooperação mais próxima nesse sentido. Portanto, imagino que o mais provável é que haja extradição para o Paraguai, mas, enfim, como é artigo de soberania, tem que ver o que acontece", ponderou.

Raizman acrescentou que provavelmente haverá cálculo político/diplomático da decisão por parte do STF, devido ao papel político que as cortes constitucionais cada vez mais desempenham nas democracias modernas. "Até por esse motivo, o Itamaraty participa do processo de decisão."
Pós-doutor em direitos humanos pela Universidade de Salamanca, na Espanha, e professor de direito internacional e direitos humanos nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), o advogado Emerson Malheiro argumentou que Uç solicitou refúgio no Brasil alegando perseguição política, o que envolve complexas questões legais e diplomáticas para o governo brasileiro resolver.

"Uç buscava refúgio no Brasil e foi acusado na Turquia de envolvimento com o movimento Hizmet, que é conexo ao Hezbollah e considerado pela Turquia como uma organização terrorista […]. Ele afirma categoricamente que, se retornar ao país de origem, pode ser preso ou até mesmo sofrer tortura por perseguição política", comentou. "E diz-se que o Paraguai está atuando em colaboração com a Turquia."

O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que protegem os direitos humanos, ressaltou Malheiro.
Segundo ele, a questão envolvendo a alegação de perseguição política por parte de Uç e as preocupações com possíveis violações de direitos humanos na Turquia é outro ponto que pode levar o Brasil a se recusar a extraditá-lo ao país de origem do preso.

"O Brasil deve avaliar onde Eray Uç terá um julgamento mais justo e onde os seus direitos humanos serão respeitados", acrescentou ele.

O advogado argumentou que a Constituição Federal expressamente proíbe a extradição de estrangeiros por crimes de natureza política. O fato de Uç estar condenado pelo crime de tráfico de drogas no território nacional é outro ponto que torna a situação ainda mais delicada.
"Essa decisão envolverá uma análise muito cuidadosa das nossas leis, dos tratados internacionais, da questão envolvendo os direitos humanos e das possíveis repercussões diplomáticas. A decisão do STF será crucial para resolver essa disputa que é muito complexa, já que, a partir daí, poderemos ter a formação de uma jurisprudência de outras decisões reiteradas sobre o mesmo assunto que estejam no mesmo sentido da decisão do Supremo Tribunal Federal", concluiu ele.

Consequências para o Brasil se negar a extraditar membro turco do PCC

Os analistas concordam que qualquer decisão terá implicações diplomáticas.

"A decisão do Brasil, qualquer que seja ela, terá implicações diplomáticas. Isso porque, se o Brasil negar a extradição para a Turquia, pode gerar tensões com o governo turco. Por outro lado, se o Brasil se recusar a extraditá-lo para o Paraguai, isso pode afetar as relações bilaterais no Mercosul. Uma possível alternativa seria o Brasil conceder asilo político", declarou Malheiro.

O professor da UFF acrescentou que pelo fato de o Paraguai integrar o Mercosul, que tem o acordo sobre Mandado de Mercosul de Captura e Procedimentos de Entrega entre os Estados-partes do Mercosul e Estados associados, haveria em tese descumprimento do pacto firmado, com repercussões na esfera política e diplomática.
"Mas sem sanção direta ao Brasil, que estaria apenas cumprindo a legislação pátria, tendo em vista que existe condenação no Brasil que resguarda pela lei brasileira a negativa de extradição", explicou Raizman.
No caso da Turquia, continuou ele, existe um acordo de cooperação mútua com o Brasil na esfera criminal, conforme Decreto nº 9.065/2017. Entretanto, não há obrigação de extraditar o indivíduo "e, caso decida pela extradição, pode firmar com a Turquia o cumprimento da pena imposta aqui no Brasil".

"A verdade é que, seja qual for a decisão do Brasil, ela estará respaldada juridicamente, tendo em vista a existência de processo e condenação do indivíduo em nosso país, que resguarda a negativa de extradição", completou.

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