Panorama internacional

Esforço do Sul Global para mudar Conselho de Segurança da ONU é perda de tempo, avalia especialista

A demanda pelo aumento de representatividade e eficácia do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ganhou coro nesta semana, durante a 79ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, EUA.
Sputnik
Nesta quinta-feira (26), em uma reunião presidida pelo Brasil à margem da assembleia, chanceleres da América Latina e da África também reforçaram pedidos de reforma do conselho. Criado há quase 80 anos, é composto por cinco membros permanentes, com poder de veto, além de dez membros rotativos, que não dispõem da prerrogativa.
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, destacou o chamado à ação em favor da reforma, aprovado por consenso na reunião ministerial do G20 e ao qual já aderiram mais de 50 países.
Ontem (25) o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou que pretendia apresentar uma proposta de convocação de revisão da Carta da ONU.
A ampliação dos assentos conta com apoio de membros como Rússia e China e vem ganhando adeptos das grandes potências, como o presidente francês, Emmanuel Macron. O chefe de Estado europeu chegou a declarar na assembleia que a exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial.
O G4, composto por Brasil, Alemanha, Japão e Índia, tem liderado esse movimento de cobrança, mas propostas enfrentam dificuldades regionais e políticas, sobretudo por parte dos EUA e da União Europeia, como pontuou Wanilton Dudek, doutor em história e professor da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), à Sputnik Brasil.

"Cada vez mais os Estados Unidos e boa parte da comunidade europeia que tem assento não demonstram interesse de fato em sentar com as nações latino-americanas e africanas para discutir essa possibilidade de ampliação, devido até mesmo às tensões cada vez mais frequentes no mundo — a possibilidade de aumentar esses assentos, ampliar, acaba enfraquecendo esse poder das potências globais, que já estão bastante enfraquecidas", ponderou.

Doutor em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) e pesquisador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), ambos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o professor Murilo Gomes da Costa esclarece que a alteração da Carta da ONU necessita de dois terços dos votos da Assembleia Geral e da aprovação por todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.
"É, portanto, uma ampliação que não será facilmente alcançada no médio prazo", comentou ele, que também é um estudioso do continente africano e defende que a ampliação deve necessariamente incluir a África.

"[…] O continente está no centro de conflitos alimentados pela ganância por recursos, o que leva ao fato de que quase metade de todas as operações de manutenção da paz da ONU estejam situadas no continente africano, e 40% do pessoal que integra as equipes dessas operações são africanos."

Ele lembra que o governo do presidente dos EUA, Joe Biden, já demonstrou apoio à criação de dois novos assentos permanentes para países africanos — sem poder de veto — e um assento não permanente para pequenas nações insulares em desenvolvimento.
Gomes da Costa avalia que a atual ordem multipolar tem testemunhado rearranjos e a ascensão de novos atores na arena decisória e nos fóruns de articulação política multilaterais, e citou a ampliação do BRICS e a admissão da União Africana como membro permanente do G20 como exemplos.

"A ONU, portanto, precisa acompanhar esse movimento, e uma reforma institucional torna-se cada vez mais inevitável se a organização almeja ser mais representativa", argumentou.

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Os esforços para mudar o Conselho de Segurança da ONU são perda de tempo por parte do Sul Global, que em vez disso deve priorizar ações em conjunto, defende Dudek.

"[…] Porque esperar que a ONU tome atitudes que resolvam os problemas que são inerentemente do Sul Global é ficar sentado esperando, e jamais vai acontecer, assim como jamais foi interesse do Norte Global resolver questões do Sul, a menos que as questões façam sentido diretamente para esse Norte Global."

Nesse panorama, a tendência da ONU é perder cada vez mais sua relevância, aposta o professor da Unespar, pois ela não representa uma saída para os problemas que fazem parte da realidade de países historicamente explorados pelo Norte Global.

"Vejo muito mais a saída de vários desses nossos problemas em um fortalecimento em conjunto, inclusive desses países do Sul Global. E se for necessário a partir disso, mas não como forma de subserviência, o Brasil e demais países do sul se aliarem com a China e a Rússia, essa seria uma saída, mas jamais com subserviência […]. O que a gente tem que fazer é proteger os nossos interesses, e não apoiar cegamente, como já foi com a Europa e os Estados Unidos", concluiu ele.

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