Panorama internacional

Brasil e suas Forças Armadas se beneficiariam com entrada da Turquia nos BRICS, diz analista

Presidente da Turquia, Erdogan confirma participação na Cúpula do BRICS em busca de adesão permanente ao bloco. Ao integrar membro da OTAN, BRICS se fortalece geopoliticamente e amplia oportunidades para países-membros como o Brasil, acreditam analistas.
Sputnik
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, confirmou sua presença na Cúpula dos Chefes de Estado do BRICS em Kazan, reforçando a candidatura de seu país para aderir ao grupo. Durante o evento, o líder turco ainda se reunirá com seu homólogo russo Vladimir Putin, para avançar projetos bilaterais.
A candidatura turca conta com o apoio de grupos políticos domésticos, interessados em diversificar as parcerias político-econômicas de Ancara. O porta-voz do parlamento turco, Numan Kurtulmus, confirmou apoio à candidatura em recente reunião com a presidente do Conselho da Federação da Rússia (câmara alta do parlamento), Valentina Matvienko, reportou a agência Anadolu.

"Esperamos que a adesão da Turquia ao BRICS se concretize o mais rápido possível", disse Kurtulmus. "Gostaria de expressar mais uma vez a intenção clara e sincera da Turquia de fazer parte de novas alianças que serão eficazes no desenvolvimento de um mundo multipolar, como sua participação no BRICS."

Membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e candidata de longa data para integrar a União Europeia, a Turquia envia recado para o Ocidente ao solicitar a entrada em grupo que contesta a ordem global baseada no dólar, acredita o pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio da PUC-Rio, Luis Felipe Herdy.
"A candidatura da Turquia para entrar na União Europeia vem se arrastando desde o final da década de 80 [...], o que gera ressentimento no país", declarou Herdy à Sputnik Brasil. "Existem duas hipóteses, que não me parecem excludentes: ou a de que a Turquia se volta ao BRICS para compensar essa frustração, ou que a Turquia use a adesão ao BRICS para acelerar sua entrada na União Europeia."
O ministro das Relações Exteriores turco, Hakan Fidan, declarou recentemente que "caso a nossa integração econômica com a União Europeia tivesse sido coroada com a adesão, talvez não precisássemos estar em uma situação tão difícil em muitas questões", reportou a Anadolu.
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente da República da Turquia, Recep Tayyip Erdogan (à esquerda), durante uma reunião à margem da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), em 3 de julho de 2024
"Essa declaração revela um processo mais amplo de frustração turca com a ordem internacional estabelecida [...] e com o sistema ocidental liberal", declarou Herdy. "A Turquia, assim como o Brasil, a Índia, a Rússia e outros países do BRICS, tem um alto grau de busca pela revisão desse sistema."
A entrada no BRICS, no entanto, não deve significar uma retirada turca de instituições ocidentais como a OTAN, acredita o doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), Fabrício Ávila.
"A existência de um membro da OTAN representa uma demonstração de força do BRICS ao conseguir absorver um componente de uma aliança militar que está atualmente se dirigindo a um movimento oposto no apoio ao conflito na Ucrânia e a crescente hostilidade em relação à China", disse Ávila à Sputnik Brasil. "Mas sabemos que a Turquia age como um insulador entre o Oriente e o Ocidente e possui a expertise necessária para administrar esse posicionamento no sistema internacional."
Segundo o especialista, "o paradoxo da Europa é que eles precisam mais da Turquia na OTAN que o contrário", uma vez que "as forças militares turcas são a segunda maior força da OTAN" e "defendem os europeus de instabilidades que partem do Oriente Médio".
A entrada da Turquia em um BRICS ampliado, com ampla participação de países-chave do Oriente Médio, como Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, auxiliará o presidente Erdogan a promover sua agenda regional, lembra Herdy.
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Mauro Vieira e Lavrov conversam sobre preparativos para a cúpula do BRICS em Kazan
"Além disso, temos que lembrar que a China já é a principal parceira comercial da Turquia, que está envolvida no projeto Nova Rota da Seda. Ancara também tem fortes relações político-comerciais com a Rússia, e quer buscar novos parceiros no BRICS", declarou Herdy. "O alinhamento de política externa da Turquia já é bastante distante da Europa e do Ocidente."
O acesso ao BRICS poderá acelerar projetos relevantes para a Turquia, como o de se tornar a ponte logística para exportação de gás advindos da Rússia e da Ásia Central para a União Europeia. Para viabilizar o projeto, a Turquia ainda poderá contar com o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como "Banco do BRICS".
O presidente chinês Xi Jinping, à direita, chega com o veterano chinês Huang Zongde, à direita, e a ex-presidente do Brasil e presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) Dilma Rousseff, à esquerda, para participar de cerimônia de entrega de medalhas nacionais no Grande Salão do Povo em Pequim, 29 de setembro de 2024
"A Turquia tem uma relação difícil com o Fundo Monetário Internacional [FMI] e com o Banco Mundial, por isso enxerga o Banco do BRICS como uma alternativa", disse Herdy. "Ancara adere à agenda da desdolarização do comércio internacional, que também é importante para o Brasil."

Benefícios para o Brasil

A entrada de uma potência regional como a Turquia no BRICS não só beneficiaria o Brasil do ponto de vista político e estratégico, mas ainda abriria portas para o fortalecimento das relações bilaterais, acreditam os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

"A entrada da Turquia no BRICS seria benéfica para o Brasil porque ofereceria um interlocutor entre a Europa e o Oriente Médio e ajudaria a equilibrar o poder na Eurásia ao contrabalançar a Índia", disse o presidente do ISAPE, Fabrício Ávila. "Na futura reforma do Conselho de Segurança da ONU, a Turquia seria um aliado importante aos brasileiros."

A aproximação entre as partes ainda permitiria maior acesso das Forças Armadas brasileiras a equipamentos militares turcos, como veículos blindados leves e na realização de parcerias para desenvolvimento de tecnologia de drones, acredita o especialista.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e presidentes dos países amigos do BRICS, posam para foto oficial após a reunião do grupo, no Sandton Convention Centre. Joanesburgo - África do Sul
A diplomacia brasileira deve receber bem a candidatura turca para entrar no BRICS, dado o histórico de aproximação das políticas externas dos países, em especial durante as gestões Lula-Amorim, notou Herdy.

"As relações entre Brasil e Turquia são bastante estáveis, mas vimos momentos de maior aproximação durante os mandatos de Lula, em particular durante as negociações em relação ao acordo nuclear iraniano [em 2010]", disse Herdy. "Ainda no ano passado, durante a Cúpula do BRICS de Joanesburgo, Lula declarou apoio à candidatura da Turquia para entrar no grupo."

Para ele, "ainda que Lula e Erdogan possam ter abordagens bem diferentes em relação à política doméstica, há uma clara identificação e experiências comuns quando o assunto é política externa".
"Parece-me natural que países como Brasil e Turquia estejam juntos para integrar o projeto notável na arena internacional que é o BRICS, consolidado atualmente como um grupo impossível de ser ignorado", concluiu o especialista.
Entre os dias 22 e 23 de outubro, líderes de 32 países estarão reunidos para a Cúpula de Chefes de Estados do BRICS, na cidade russa de Kazan. A presença do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva já foi confirmada, e de líderes como o presidente da China, Xi Jinping, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente iraniano Masoud Pezeshkian. A Sputnik Brasil estará presente no evento e realizará cobertura completa dos acontecimentos.
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