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'Valor de troca': decreto de segurança pública do governo federal eleva tensão com os governadores

Publicado no Diário Oficial da União do dia 24 de dezembro, o Decreto nº 12.341/2024 — que disciplina o uso de armas de fogo e instrumentos não letais pelas polícias brasileiras — foi recebido com dissenso pelos governadores de linhas partidárias opostas à do governo federal.
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Elaborado pelo Ministério da Justiça, pasta comandada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, a medida define que o uso da força usado pelos agentes de segurança deve "ser compatível com a gravidade da ameaça apresentada", e que o recurso de força maior só "poderá ser empregado quando recursos de menor intensidade não forem suficientes".
Armas de fogo, dessa forma, deverão ser utilizadas como "medida de último recurso" e ocorrências que resultem em lesão ou morte precisarão ser registradas e averiguadas. Por fim, o texto também garante a capacitação dos profissionais de segurança para seguirem com as normas.
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A fim de garantir o obedecimento à lei, o governo federal condicionou o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) ao cumprimento das determinações.
Paulo Roberto, promotor de justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, explica que o texto não apresenta nenhum fato novo, mas inicia a regulamentação de leis já existentes, como a Lei nº 13.060 de 22 de dezembro de 2014.

"Nesse sentido, ele não inova o ordenamento jurídico legal e constitucional existente. O que traz de positivo é a própria regulamentação em si."

Em resposta ao decreto do governo federal, o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) divulgou uma nota na qual afirma que a regulamentação "beneficia o crime organizado" e "bloqueia a autonomia dos estados, em um claro sinal de violação da Constituição brasileira".
"É urgente que o decreto seja revogado porque o seu conteúdo beneficia a ação de facções e pune homens e mulheres que diariamente arriscam suas vidas em prol da sociedade", diz o texto assinado por Romeu Zema (Novo-MG), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Cláudio Castro (PL-RJ) e Ratinho Júnior (PSD-PR).
"A segurança das famílias brasileiras não será garantida com decretos evasivos que limitam o poder das polícias, mas sim com investimento coordenado e o endurecimento das leis."
O texto dos governadores foi rebatido não só pelo Ministério da Justiça — que revelou que o decreto foi construído a partir de um grupo de trabalho instituído no 8 de Janeiro deste ano —, como também os seguintes integrantes:
Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública;
Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares;
Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil;
Conselho Nacional do Ministério Público;
Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais;
Associação dos Guardas Municipais do Brasil;
Polícia Federal;
Polícia Rodoviária Federal.
Já o Consórcio Nordeste, grupo que agrega os líderes de governo dos nove estados da região, publicou no domingo (29) uma nota em que defendeu a medida, afirmando: "A orientação nas nossas forças de segurança é clara: o uso da força letal deve ser reservado como último recurso, exclusivamente em situações de legítima defesa, para proteger vidas."
Da mesma forma, o texto assinado pelos nove governadores do Nordeste destacou que o decreto do governo federal "não altera a autonomia dos estados nem as normativas já estabelecidas".

"Ao contrário, ele reafirma a centralidade da prudência, do equilíbrio e do bom senso no exercício da atividade policial. Além disso, sublinha a necessidade de constante modernização das técnicas de atuação, promovendo mais segurança tanto para os profissionais quanto para a sociedade."

Segurança pública divide o país

Se por um lado o tema da segurança pública é tão caro a todos os eleitores, independentemente de espectro político, por outro os meios para esse fim parecem divergir conforme as linhas partidárias e ideológicas.
Os governadores do Sul e Sudeste que assinaram a nota integram oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enquanto os do Nordeste apoiam, em sua maioria, o presidente.
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Uma das explicações para isso é o temor da paralisação de repasses. Segundo Roberto, a situação dos estados é "difícil", e "qualquer contingenciamento de verbas é prejudicial", ainda mais em um estado como o Rio de Janeiro, "que tem nos órgãos de segurança suas maiores despesas".
Clarisse Gurgel, cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), aponta à Sputnik Brasil que o decreto do Ministério da Justiça é um "ensaio" das principais reformas que o governo pretende fazer com a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

"O esforço do governo Lula, assim que se elege e até agora não teve grande êxito, era criar uma espécie de SUS [Sistema Único de Saúde] da segurança pública. Um sistema único público de segurança pública, e até agora não avançou significativamente nessa direção", afirma Gurgel.

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Segundo a especialista em política, o tema da segurança pública por si só já gera um debate devido ao contraste entre a defesa dos direitos humanos pregado pelo campo progressista, e a lógica punitivista de outras lideranças políticas. No entanto, o tema acaba entrando na lógica de mercado que assola a política brasileira.
"Não é nem propriamente o valor de uso de determinada medida, a sua importância, as consequências que ela produz, mas o valor de troca da medida, ou seja, pelo que eu posso trocar para que essa medida possa passar."
Por conta disso, alerta Gurgel, há grande risco de o governo fazer grandes concessões "para acalmar o ânimo dos governadores", assim como fez também no pacote fiscal elaborado por Fernando Haddad, ministro da Fazenda.

"Eu não tenho a menor dúvida de que o governo Lula vai estar, de certa forma, servil e disposto a qualquer tipo de concessão para conseguir passar pequenas medidas, bastante tímidas em face do seu projeto de governo original."

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