Manter compra de obuseiros de Israel suspensa é questão de soberania para o Brasil, diz especialista
20:22, 7 de fevereiro 2025
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista afirma que é o momento de o Brasil diversificar as relações para a aquisição de sistemas militares, e que a prioridade deveria ser dada a países que se enquadram nas expectativas de sua política externa, como os parceiros do BRICS.
SputnikO governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
mantém suspensa a assinatura do contrato para a compra de 36 blindados da empresa israelense Elbit Systems, equipados com obuseiros. A empresa
venceu a licitação para a venda em abril do ano passado, após a disputa pelo contrato de R$ 1 bilhão.
A compra é defendida pelo ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, e desaprovada pelo assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, que aconselhou Lula a não adquirir os blindados, por conta das duras críticas de Israel ao posicionamento do Brasil frente às ações militares israelenses na Faixa de Gaza. Diante do impasse, a assinatura do contrato, antes prevista para maio do ano passado, até agora não ocorreu.
À Sputnik Brasil, João Gabriel Burmann, professor da UniRitter e pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), avalia que, de modo geral, não é possível fazer a separação entre as políticas de Defesa e Externa do governo brasileiro, ainda que durante muito tempo no Brasil tenha se tentado manter isso em duas linhas diferentes.
Ele considera que manter suspensa a compra dos blindados foi uma boa decisão de Lula diante de tudo que aconteceu da parte de Israel para com o Brasil.
"A declaração de que o presidente Lula era persona não grata lá [em Israel], as acusações, o tipo de reprimenda pública que foi feita contra o nosso embaixador em Israel na época das declarações do presidente Lula [sobre Gaza] e como o Brasil conseguiu, apesar de tudo isso, manter uma retórica em tom baixo, sem provocar, sem buscar essa retaliação. Eu acho que o mínimo que a gente poderia fazer nesse momento era, de fato, suspender esse tipo de relação", afirma.
Burmann destaca que a aquisição dos blindados não se trata apenas da compra, mas sim de uma relação de, pelo menos, médio prazo, uma vez que contratos brasileiros que envolvem sistemas militares costumam incluir transferência de tecnologia e cláusulas de manutenção e suporte após a aquisição.
"Não se trata somente da compra deles assim: 'A gente passa o dinheiro, vocês passam blindados, finge que nada aconteceu, tchau'. [...] Isso, muitas vezes, pode se estender por 10, 20 anos, considerando metade ou até às vezes o ciclo de vida inteiro desse produto militar. Então quando a gente compra um sistema, um armamento, um sistema militar, um sistema de defesa, é muito diferente de estar comprando uma roupa, que a gente vai na loja uma vez, compra, depois se quiser nunca mais volta lá [...], um sistema militar vai manter uma relação de manutenção, de peças, de suporte pós-venda."
Nesse contexto, ele afirma que "seria muito ruim, mal visto e inclusive muito incompatível com as declarações do Brasil, se a gente mantivesse essa relação com Israel durante esse período".
"Então eu avalio que não seria adequada a compra dos blindados, acho que durante muito tempo não vai ser adequado, não vai ser necessário, e isso é uma coisa que inclusive as forças deveriam ter noção, porque isso é defender o mínimo da nossa soberania enquanto respeito, e sem contar dos impactos políticos de outros aliados", observa o especialista.
Ele ressalta ainda que o Brasil tem boas relações com países árabes, ainda mais agora que alguns deles aderiram ao BRICS. E todos são críticos a Israel.
"Não só [críticos] a Israel, mas especialmente a essa política que Israel está praticando em Gaza. Então eu acho que sim, é uma ação que foi muito bem-feita da parte do nosso governo, da parte da nossa diplomacia."
Quais países poderiam substituir Israel no fornecimento de sistemas militares?
Para Burmann, independentemente da situação geopolítica global, o ideal para um país seria sempre priorizar a compra de sistemas militares de países com os quais se tem um bom interesse e se enquadre dentro das expectativas e objetivos de sua política externa.
Diante disso, ele considera que o Brasil há tempos precisa fazer uma readequação, de forma a romper problemas ideológicos que permanecem não apenas no setor militar, mas também dentro do Itamaraty, e que impedem, por exemplo, a aquisição de sistemas militares de países como Rússia e China. Segundo o especialista, "muitas vezes um país é completamente descartado somente por conta das origens e por más interpretações sobre a qualidade desses sistemas".
"A China mesmo é um país que tem demonstrado cada vez mais interesse em vender sistemas militares para o Brasil em boas condições, com bons acordos de transferência tecnológica, como ela já fez isso com outros países, como o Paquistão. E o Brasil, até então, não tem demonstrado nenhum tipo de interesse, mesmo a China sendo um dos nossos grandes parceiros comerciais, o maior parceiro comercial brasileiro já há muito tempo, ainda aliado do BRICS e que compartilha várias visões comuns na esfera internacional."
Burmann afirma que
seria o momento de o Brasil explorar outras oportunidades no mercado de sistemas militares, articulando suas relações Sul-Sul e
diversificando parceiros através de joint ventures que envolvam também países árabes, como tem tido essa oportunidade a partir das manifestações de interesse desses mercados pela Avibras.
"Isso já abre uma porta. Aproveitar os laços e as ações da Embraer, especialmente no setor civil, mas também na parte de defesa, com o KC390, para tentar abrir outros mercados e incluir trocas duplas. Então, muitas vezes, a gente envia esses sistemas, mas pode também fazer aquisições de volta dos mesmos mercados [...]. E nunca esquecer do grande potencial e capacidade que tem o mercado indiano [...] e do próprio mercado chinês", afirma.
Ele considera
"que é o momento, sim, de a gente buscar essa diversificação, explorando o BRICS, explorando o Sul Global" e de continuar implementando e fazendo com que sejam cumpridos os
acordos com os países europeus que o Brasil tem.
"Temos, no momento, dois grandes acordos, que é o de submarinos, o PROSUB, feito com a França, e com a Suécia, da Saab, para a aquisição e desenvolvimento dos [caças] Gripen."
Tarifas de Trump podem afetar relações entre EUA e Brasil no segmento militar?
Recentemente, o presidente dos EUA, Donald Trump, citou o Brasil em uma lista de países sobre os quais pretende impor tarifas ao alumínio e cobre, que são metais necessários para a produção de equipamentos militares nos EUA.
Para Burmann, a medida pode afetar a relação entres os países no segmento militar, uma vez que seria natural que o Brasil retaliasse. Porém, ele afirma que as relações comerciais militares entre Brasil e EUA não são muito intensas, ocorrendo em momentos específicos, com acordos bem-feitos e delimitados, e que envolvem contrapartidas de ambas as partes.
"Então eu acho que não é muito uma relação tão intensa, que tenha tantas interações assim a ponto de ser um alvo que o Brasil deva retaliar ou que vá prejudicar as relações. Não é como se o tempo inteiro nós estivéssemos comprando sistemas militares americanos e vendendo outros para eles. Isso provavelmente acontece dentro dos contratos de manutenção, dos contratos de peças, dos contratos já elaborados e que daí mexer neles seria, inclusive juridicamente falando, algo bem complicado", explica.
Ele acrescenta não considerar que militares vão deixar de ter interesse ou de ver a necessidade na aquisição de um sistema dos EUA apenas por conta das relações comerciais, o que novamente indica um descompasso da política externa e da política de defesa.
"Mas, como eu disse, uma vez que não é algo muito intenso e que acontece com muita frequência, ainda é compreensível que exista essa diferença, a política externa andando por um lado, a política de defesa, especialmente de aquisição de sistemas militares, andando por outro", afirma o especialista.
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