Notícias do Brasil

Tentativa de barrar alta dos alimentos é inútil, diz economista: 'Foge ao controle do governo'

Preocupado com a inflação dos alimentos, que cresce mais do que a inflação geral, o governo federal tem buscado soluções para aliviar a alta dos preços, em especial de produtos da cesta básica. Entrevistados pela Sputnik Brasil, economistas apresentam alternativas para combater o encarecimento desses produtos.
Sputnik
Nos últimos anos, o brasileiro tem assistido sua alimentação ficar cada vez mais cara. De 2020 para cá, os alimentos encareceram em média 50%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A alta é aproximadamente 20 pontos percentuais maior do que a inflação acumulada no período, aponta à Sputnik Brasil o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) André Braz.
Notícias do Brasil
Queda do dólar sinaliza que movimento especulativo do mercado perdeu força, notam analistas
Toda inflação afeta o poder de compra do cidadão, mas a dos alimentos é especialmente prejudicial às classes econômicas mais baixas, diz o economista, "que não têm defesa contra o processo inflacionário".
"A inflação média, que corrige os salários, é de 30%, e o preço dos alimentos subiu mais de 50%. Isso faz a diferença no orçamento familiar. A alimentação definitivamente está pesando mais para as famílias."
Enfrentando um dos seus piores momentos de aprovação, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tem ido a público para comentar o tema e tentar se desvencilhar de qualquer culpa, jogando a responsabilidade pela alta dos preços em fatores econômicos, como a alta do dólar e o aumento nas exportações.
Na mira do Palácio do Planalto, no último mês o presidente da República tem se reunido com seus ministros, em especial Fernando Haddad, da Fazenda; Carlos Fávaro, da Agricultura; e Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, para estudar medidas de combate a essa alta.
Notícias do Brasil
Comunicação é 'chavão geral'; problemas do governo Lula são bem mais profundos, dizem analistas
Uma das mais consideradas é a redução dos impostos de importação caso o preço do alimento no exterior seja maior do que o doméstico.
Em entrevista à reportagem, o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED) Antonio Buainain se demonstra cético quanto a essa medida.

"A redução de impostos a importados é inútil, porque os preços dos importados não estão mais baixos do que os preços praticados aqui no Brasil [e continuarão mais caros mesmo com a medida do governo]."

Entre os principais vilões da alta dos alimentos estão itens como o café, que viu um aumento de quase 40% no ano passado, o óleo de soja (29,2%), a carne (20,8%) e o leite (18,8%), produtos dos quais o Brasil já é um grande produtor. Outros alimentos, como a laranja-lima e o abacate, tiveram altas maiores, porém não são tão onipresentes na cesta básica.
"Aliás, essa inflação decorre exatamente da inevitável identidade entre o preço doméstico e o preço no mercado internacional", argumenta o economista. "O Brasil é um grande exportador de carne, então a carne aqui já é mais barata do que a importada."

"Vai importar de onde? O Brasil está exportando porque falta no mercado internacional."

Notícias do Brasil
Da agricultura à indústria aeroespacial: ministro da UEE destaca perspectiva econômica com o Brasil

Há solução para a inflação dos alimentos?

Se a redução de impostos é inefetiva, que medidas o governo pode tomar para baixar o preço dos alimentos? Os economistas apontaram possíveis soluções que, segundo eles, provavelmente desagradarão o mercado.
Buainain afirma que, embora o problema seja crítico, "o governo não tem muito o que fazer de imediato."

"Os alimentos estão subindo por uma série de razões que fogem ao controle deste e de qualquer governo, e se pode fazer muito pouco."

De acordo com o especialista, há outros instrumentos na cartela política que poderiam atender ao caso, como a criação de um cartão alimentação similar àqueles acessados pelos trabalhadores de carteira assinada.
Direcionado às camadas populacionais que têm acesso a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o cartão seria de grande ajuda em casos como esse, em que não há falta de alimentos nos mercados, mas sim dificuldade de comprá-los.
Além disso, expõe Buainain, assim como acontece com os vales-alimentação, "poderia-se bloquear uma série de itens, como bebidas alcoólicas, cigarro e outros produtos".

"Custaria relativamente pouco e atenderia ao principal problema."

Entretanto André Braz, da FGV, ressalta à reportagem que a maior parte das soluções atuariam na redução do preço no médio e no longo prazos. "Não existem medidas fáceis."
"A maior parte dessas medidas são construídas ao longo do tempo, e é como se fosse aquela corrida de revezamento: o bastão vai passando de mão em mão, de governo a governo."
Panorama internacional
Temos musculatura para aguentar guerra tarifária de Trump, diz especialista
Entre elas estão a melhoria dos transportes brasileiros, reduzindo o modal rodoviário e aumentando o transporte fluvial ou marítimo através da cabotagem. "O Brasil é rico em rios e litoral, podendo transportar uma alta quantidade de carga, custando menos por diesel."
Outra medida apontada pelo economista é a construção de mais silos para armazenar o excedente das produções, evitando perdas. Mas não é só construí-los, alerta Braz.
"É construir perto de rodovias ou de rios, de maneira que aquela produção consiga chegar fácil e também sair fácil desses estoques reguladores."
Por fim, o economista destaca que, embora muitas das causas da alta dos alimentos tenham sido inesperadas, como a pandemia em 2020 e a escalada do conflito ucraniano em 2022, outros são mais previsíveis ou podem ser melhor remediados, como a crise hídrica de 2021 e os fenômenos climáticos do El Niño e La Niña, que prejudicaram as safras brasileiras em 2024.
Notícias do Brasil
Sucesso nacional da agropecuária, Embrapa está com rombos no orçamento; entenda o porquê
"Esses fenômenos climáticos estão cada vez mais frequentes. Eles alteram o fluxo natural das chuvas e eles acabam prejudicando muito as safras", comenta. "Mas existem sementes, que a própria Embrapa está desenvolvendo, que são mais resistentes à seca, falta de água."
"Então a gente consegue, mesmo diante de um fenômeno climático, ter uma produção agrícola robusta. Isso é uma ciência que precisa de investimento."

Exportação é vilã para o consumo interno?

Em entrevista a rádios da Bahia na última quinta-feira (6), Lula mencionou as exportações como um dos fatores que levaram ao aumento dos preços internos. O presidente, contudo, foi cuidadoso ao não jogar a culpa inteira nos exportadores e celebrou a abertura de 303 mercados internacionais para os produtos brasileiros.
Panorama internacional
Contribuição do Exército Brasileiro é fundamental para resolver conflito no Congo; entenda
"O Brasil virou o celeiro do mundo […]. Significa que nós precisamos produzir mais, melhorar a qualidade para que a gente possa melhorar o preço. Não posso fazer congelamento, não posso colocar fiscal para ir em fazenda ver se o gado está guardado ou não", afirmou Lula.
Para Antonio Buainain, a situação é a oposta à descrita por Lula.
A abertura aos mercados internacionais e a expansão da agricultura brasileira fortaleceram a capacidade do Brasil de produzir alimentos para a própria população. "Porque quando a gente conquista o mercado externo e aumenta a eficiência da nossa produção, por exemplo, de milho, isso beneficia diretamente a produção de proteínas animais e de lácteos", exemplifica.
Essa política, diz o economista, se mostra em clara oposição à de décadas atrás, quando o Brasil realizava restrições à exportação e, "de maneira estrutural, vivia com sucessivos períodos de carestia em que, de fato, faltava alimento". "Não apenas eram encarecidos, faltavam."

"É um equívoco pensar que com as exportações estamos prejudicando o mercado doméstico."

Outro caso da profissionalização das safras brasileiras é a plantação de arroz e feijão, que há décadas vê as áreas dedicadas a suas safras reduzirem em prol de culturas como a soja e o milho.
Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) demonstram que em 1980/1981 o Brasil dedicou 6,6 milhões de hectares para o cultivo do arroz. No período, a safra correspondeu a 8,6 milhões de toneladas. Já em 2019/2020, foram apenas 1,7 milhão de hectares dedicados à rizicultura, uma redução de 74,9%. Entretanto, a produção de arroz cresceu para 11,2 milhões de toneladas.
"A área diminuiu porque, em muitos casos, nós tínhamos uma cultura de roça, de baixíssima produtividade", esclarece Buainain. "Mas a produção em si não caiu, tanto não caiu que não tem faltado arroz, não tem faltado feijão, a não ser em momentos específicos de safras e com problemas climáticos muito ruins."
Nem os itens que hoje despontam com os maiores aumentos, como o café e a carne, estão faltando no mercado brasileiro. "É um desafio complexo", diz Buainain, mas que precisa ser superado.

"A inflação de alimentos é uma coisa muito séria porque impacta seriamente a qualidade de vida, o bem-estar e a segurança alimentar das famílias mais vulneráveis."

Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!

Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.

Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).

Comentar