Panorama internacional

Franco CFA: moeda criada na colonização facilita investimentos ou perpetua dependência de Paris?

Criado em 1945, o franco CFA ainda carrega em seu nome o peso dos laços coloniais que ligam a França e o continente africano. Sessenta anos depois, a moeda ainda impera em 14 países da África. Por que essa relação ainda existe? Quais contrapartidas recebem os países francófonos?
Sputnik
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas falaram sobre a moeda criada na era colonial. O mecanismo em questão exige que parte das reservas cambiais dessas nações seja depositada no Tesouro francês, sob controle do banco central da França.
Na prática, isso limita a soberania monetária e econômica desses países, levando à conclusão de que isso nada mais é que uma forma moderna de colonização disfarçada de parceria monetária. Entretanto, há considerações de que esse modelo ainda teria pontos positivos.
Mundioka
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O franco CFA é divido em duas moedas: o franco CFA central, dos países que formam conjuntamente a Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC), cujo banco central é o Banco dos Estados da África Central; e o franco CFA ocidental, das nações que compõem a União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA), cujo banco central é o Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO).
As análises positivas se dão pela permissão de uma conversibilidade cambial ao euro, definida por uma taxa fixa e que conferiria certa estabilidade aos países da zona do franco CFA.
Por outro lado, os pontos negativos colocam em xeque a política monetária, fazendo da moeda um mecanismo neocolonial que bloqueia o desenvolvimento econômico e mina a soberania monetária das nações africanas.

"Por isso que essa África francófona seria uma região em que você tem muito subemprego, em que você tem muita pobreza, justamente por conta dessas políticas que são trazidas", diz José Ricardo Araujo, pesquisador em África Subsaariana do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), da Escola de Guerra Naval (EGN).

Do ponto de vista simbólico, o franco CFA mantém o mesmo nome desde a era colonial, embora tenha mudado o significado da sigla. Se em sua criação era chamado de Franco Colonial Francês da África, posteriormente mudou para Franco da Comunidade Francesa Africana.
Ao passo que o simbolismo intrínseco mantenha o arranjo colonial dessa relação, a moeda "reforça uma ideia paternalista do franco CFA de forma geral, porque ele vem muito com esse discurso e essa narrativa de que ele é necessário para garantir a estabilidade do continente africano", opina o analista.
Além disso, em relação à centralização de reservas cambiais, que atualmente é de 50%, esse percentual já foi maior: entre 1973 e 2005 era 65% e, logo após a independência, a transferência era de 100% para o banco central francês.
A moeda, portanto, segundo o especialista, pode ser lida de forma dicotômica: ou ela facilitaria os investimentos ou acabaria perpetuando uma dependência estrutural de Paris. Nesse sentido, como não se trata de países homogêneos, a balança vai pender de acordo com a especificidade de cada nação.

Franco CFA com os dias contados?

Já existe entre alguns países da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) a proposta de criar uma moeda para substituir o franco CFA. A moeda Eco seria uma forma de os países dessa comunidade se desvincularem totalmente da França, porém a implementação enfrenta obstáculos.
"Em 21 de dezembro de 2019, na Costa do Marfim, oito países do continente africano e a própria França anunciaram o fim do franco CFA. Entretanto, [esse movimento] vem passando por obstáculos até a sua implementação", conta Carolina Vasconcelos, também pesquisadora do NAC.
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A analista avalia que a ideia da moeda é muito boa, sobretudo a partir da perspectiva de os países que a adotem se tornarem mais desvinculados da França. Entretanto, alguns critérios primários, como uma inflação de um dígito ao ano e um déficit fiscal maior ou igual a 4% do PIB, estabelecidos pela CEDEAO para a implementação, ainda são difíceis de atingir.
Apesar disso, Vasconcelos afirma que 2027 é a nova data de vigência da moeda, que já foi anunciada em 2019. "Podendo ser também postergável e assim durar mais outros anos."
Embora, pela heterogeneidade da região, a abolição do franco CFA não seja uma questão unânime, a especialista vê essa mudança como um movimento de descolonização e cita que essa é uma percepção até do presidente francês, Emmanuel Macron.

"O próprio Macron estava em um evento em 2019 anunciando a Eco. E ele mesmo […] reconheceu a questão do colonialismo. Eles também chamaram a França para poder anunciar, para poder haver essa ruptura, ao mesmo tempo de braços abertos", afirmou.

O passo dos países da CEDEAO, para José Ricardo Araujo, acompanha a possibilidade de existência de grandes parceiros comerciais que se formam no globo, o que corrobora para que os países africanos abandonem essas amarras coloniais.
"Um pouco disso também norteou a decisão de diversos países da África francófona, inclusive alguns deles […] pediram o fechamento das bases militares francesas no continente, porque entendem que existem outras possibilidades na cooperação em segurança, assim como eles também podem caminhar para entender que existem outras possibilidades na cooperação monetária", avaliou.
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