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Expulsa do Níger, França tenta tirar vantagem em acordo nuclear com Brasil?
Expulsa do Níger, França tenta tirar vantagem em acordo nuclear com Brasil?
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Brasil e França discutem, desde dezembro de 2023, um acordo no âmbito nuclear em que os franceses investiriam no desenvolvimento de nossas usinas em troca de... 09.04.2024, Sputnik Brasil
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O acordo expandiria o modelo do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), da Marinha do Brasil, para outras áreas, como medicina nuclear e agricultura, e ensejaria a revitalização do parque nuclear de Angra, com as obras em Angra 1 e a construção de Angra 3.É dentro do Prosub que está em construção o primeiro submarino de propulsão nuclear convencionalmente armado brasileiro, o "Álvaro Alberto", com transferência de tecnologia francesa. O armamento está previsto para ser lançado ao mar em 2036.Um financiamento de 3 bilhões de euros (R$ 16,5 bilhões) feito pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), banco de desenvolvimento público do país europeu, para o desenvolvimento das capacidades nucleares brasileiras, seria securitizado através da exploração das reservas de urânio brasileiras, em oitavo lugar entre as maiores do mundo.Jéssica Germano, doutora em estudos marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM-EGN), explica em entrevista à Sputnik Brasil que dados da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, confirmam reservas de 232 mil toneladas de urânio no Brasil, localizadas principalmente no Nordeste — na Bahia e no Ceará.De acordo com o deputado federal Julio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares (FPN) e líder nas tratativas, a estimativa é que exista uma reserva de 309 mil toneladas de urânio no Brasil.O dinheiro da AFD seria utilizado principalmente para finalizar as obras de Angra 3, que se encontram paradas há mais de uma década. É estimado que as contenções para que não vaze nenhum material radioativo custem ao governo cerca de R$ 15 bilhões, enquanto para finalizar a usina o custo é de R$ 20 bilhões.As discussões, no entanto, sofreram uma desaceleração com a visita do presidente da França, Emmanuel Macron, ao Brasil. O motivo teria sido a ausência do ministro da Economia e Finanças francês, Bruno Le Maire, peça fundamental nas discussões."Nós avançamos, mas poderíamos ter ido muito além do que fomos. Obviamente o acordo da área nuclear é importante, mas nós poderíamos ter avançado muito, até em termos financeiros", disse Lopes.Por enquanto apenas um memorando, entre o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) e o Escritório de Pesquisas Geológicas e Minerais (BRGM, na sigla em inglês), de prospecção de urânio, foi firmado.Atualmente a INB tem o monopólio da exploração do minério de urânio no país. Pelo acordo, a francesa Orano, cuja propriedade majoritária é do Estado francês, passaria a ter acesso às reservas brasileiras.De onde vem o interesse francês?A França possui uma matriz elétrica composta de 70% de fontes nucleares, diz Germano. Entretanto, desde 2001 o pais não minera mais urânio em seu território — a atividade não é considerada economicamente interessante.Isso faz com que o país seja dependente de importações do mineral.Há anos a França busca diversificar suas fontes de urânio, indo atrás de outros fornecedores do minério, afirma Franco Alencastro, mestre em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), também ouvido pela Sputnik Brasil.Dados de 2022 da Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA, ou Euratom) colocam o Níger como segundo maior exportador de urânio para as usinas francesas, somente atrás do Cazaquistão. Figuram ainda na lista Uzbequistão, Austrália e Namíbia.Mesmo que não figure em primeiro lugar, a compra de urânio do Níger é extremamente vantajosa para Paris. Responsável por 5% do urânio que circula no mundo, o país do oeste africano é uma antiga colônia francesa e participa da Comunidade Financeira Africana, ou seja, utiliza o franco CFA como moeda.Nova face do colonialismo francês, o franco CFA atrela as economias africanas à de Paris. "Os países africanos são obrigados a manter pelo menos 50% de suas reservas no Tesouro francês", exemplifica Luis Augusto Medeiros Rutledge, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na área de petróleo e gás e analista de geopolítica do Centro de Estudos das Relações Internacionais (Ceres).Incertezas: França é expulsa do NígerSó que em 2023 a França foi expulsa do Níger, após um golpe militar que depôs o presidente e estabeleceu uma junta militar, com o general Abdourahamane Tchiani como líder. Isso fez com que se criasse não só uma incerteza quanto ao fornecimento de urânio a Paris, mas também quanto ao seu encarecimento.Indiretamente, explica Rutledge, o Estado francês ainda controlava boa parte dos minérios nigerinos por ser dono da Somaïr e Cominak, subsidiárias da Orano, fazendo da atividade extremamente lucrativa."Primeiramente porque não pagavam tarifas para a exportação do urânio para a França; não pagavam impostos sobre os recursos materiais nem sobre as ferramentas utilizadas. Pagavam royalties de apenas 5,5%, um valor tão baixo que apenas a Austrália (o país com as maiores reservas de urânio do mundo) se equipara."Dessa forma, a estratégia de diversificar suas fontes de urânio foi acelerada pelos acontecimentos no Níger, destacou Alencastro. "O Brasil aparece como importante peça nesse jogo da geopolítica energética", completou Rutledge.França quer tirar vantagem indevida?A situação atual da França encontra um paralelo histórico, ainda que menos extremo: a Guerra da Lagosta.O momento histórico das relações internacionais do Brasil se deu após a França perder o controle de possessões coloniais na África, em especial a Mauritânia, e, com isso, perder acesso a regiões de pesca de lagosta.De maneira a remediar isso, a França enviou uma missão comercial ao Brasil, interessada em realizar a pesca nas águas do Nordeste. Após negociações, permissão foi dada aos franceses, desde que estes se limitassem a três barcos e realizassem pesquisas sobre viveiros de lagosta.No entanto a França, na época liderada por Charles de Gaulle, quis tirar vantagem da situação. Fiscais da Marinha do Brasil perceberam que as pesquisas não estavam sendo feitas e, em vez de três barcos, os franceses tinham quatro barcos pescando de maneira descontrolada.A situação escalou ao ponto de que uma crise diplomática se instaurou entre os países. Barcos franceses apareciam na costa brasileira e eram expulsos pela Marinha. Em resposta, De Gaulle enviou contratorpedeiros para escoltar os navios pesqueiros franceses.A Marinha do Brasil enviou seus próprios contratorpedeiros e submarinos, e o conflito se aproximou da via militar diversas vezes, mas a situação foi resolvida de maneira diplomática, com os navios franceses abandonando as águas brasileiras.Para Alencastro, a tentativa de obter uma vantagem indevida é o modus operandi da política externa francesa. No contexto atual, destaca o internacionalista, "Macron entabulou uma tentativa de melhorar sua reputação, principalmente na África"."O paradoxo dessa estratégia — ou talvez o sinal de que ela veio tarde demais — é que ela ocorre em um momento em que muitos governos na África estão rejeitando seus antigos acordos com a França e buscando novas parcerias."O deputado Julio Lopes destaca que o Brasil é um dos únicos países do mundo que desenvolveram o enriquecimento do urânio na proporção de 20%. Dessa forma, mesmo que a princípio o país aja como um exportador do minério, ainda há como ter um grande nível de tecnologia envolvida."Nós deveremos fazer, por obrigação, uma sistemática em que a nossa exportação comece com o minério, mas acabe por nos permitir exportar o yellow cake, o combustível nuclear na sua versão mais importante."Rutledge também ressaltou a importância dessa tecnologia desenvolvida nacionalmente.
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O acordo expandiria o modelo do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), da Marinha do Brasil, para outras áreas, como medicina nuclear e agricultura, e ensejaria a revitalização do parque nuclear de Angra, com as obras em Angra 1 e a construção de Angra 3.
É dentro do Prosub que está em construção o primeiro submarino de propulsão nuclear convencionalmente armado brasileiro, o "Álvaro Alberto", com transferência de tecnologia francesa. O armamento está previsto para ser lançado ao mar em 2036.
Um financiamento de 3 bilhões de euros (R$ 16,5 bilhões) feito pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), banco de desenvolvimento público do país europeu, para o desenvolvimento das capacidades nucleares brasileiras, seria securitizado através da exploração das reservas de urânio brasileiras, em oitavo lugar entre as maiores do mundo.
Jéssica Germano, doutora em estudos marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM-EGN), explica em entrevista à Sputnik Brasil que dados da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, confirmam reservas de 232 mil toneladas de urânio no Brasil, localizadas principalmente no Nordeste — na Bahia e no Ceará.
"Mas nem todo território brasileiro tem estudos sobre isso, então é possível que tenhamos reservas muito maiores."
De acordo com o deputado federal Julio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares (FPN) e líder nas tratativas, a estimativa é que exista uma reserva de 309 mil toneladas de urânio no Brasil.
"Hoje o urânio está a US$ 220 [R$ 1.101,87] o quilo. Um quilo de urânio é um copo d'água cheio, portanto o equivalente a algo em torno de US$ 62 bilhões [R$ 310 bilhões]", disse o parlamentar também em declarações à agência.
O dinheiro da AFD seria utilizado principalmente para finalizar as obras de Angra 3, que se encontram paradas há mais de uma década. É estimado que as contenções para que não vaze nenhum material radioativo custem ao governo cerca de R$ 15 bilhões, enquanto para finalizar a usina o custo é de R$ 20 bilhões.
As discussões, no entanto,
sofreram uma desaceleração com a visita do presidente da França,
Emmanuel Macron, ao Brasil. O motivo teria sido a
ausência do ministro da Economia e Finanças francês, Bruno Le Maire, peça fundamental nas discussões.
"Nós avançamos, mas poderíamos ter ido muito além do que fomos. Obviamente o acordo da área nuclear é importante, mas nós poderíamos ter avançado muito, até em termos financeiros", disse Lopes.
Por enquanto apenas um memorando, entre o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) e o Escritório de Pesquisas Geológicas e Minerais (BRGM, na sigla em inglês), de prospecção de urânio, foi firmado.
Atualmente a INB tem o monopólio da exploração do minério de urânio no país. Pelo acordo, a francesa Orano, cuja propriedade majoritária é do Estado francês, passaria a ter acesso às reservas brasileiras.
De onde vem o interesse francês?
A França possui uma matriz elétrica composta de 70% de fontes nucleares, diz Germano. Entretanto, desde 2001 o pais não minera mais urânio em seu território — a atividade não é considerada economicamente interessante.
Isso faz com que o país seja dependente de importações do mineral.
Há anos a França busca diversificar suas fontes de urânio, indo atrás de outros fornecedores do minério, afirma Franco Alencastro, mestre em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), também ouvido pela Sputnik Brasil.
Dados de 2022 da Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA, ou Euratom) colocam o Níger como segundo maior exportador de urânio para as usinas francesas, somente atrás do Cazaquistão. Figuram ainda na lista Uzbequistão, Austrália e Namíbia.
Mesmo que não figure em primeiro lugar, a compra de urânio do Níger é extremamente vantajosa para Paris. Responsável por 5% do urânio que circula no mundo, o país do oeste africano é uma antiga colônia francesa e participa da Comunidade Financeira Africana, ou seja, utiliza o franco CFA como moeda.
Nova face do colonialismo francês, o franco CFA atrela as economias africanas à de Paris. "Os países africanos são obrigados a manter pelo menos 50% de suas reservas no Tesouro francês", exemplifica Luis Augusto Medeiros Rutledge, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na área de petróleo e gás e analista de geopolítica do Centro de Estudos das Relações Internacionais (Ceres).
"Há décadas que o conglomerado nuclear francês Orano (antiga Areva) explora urânio no Níger", sublinha o acadêmico em conversa com a reportagem.
Incertezas: França é expulsa do Níger
Só que em 2023 a França foi expulsa do Níger, após um golpe militar que depôs o presidente e estabeleceu uma junta militar, com o general Abdourahamane Tchiani como líder. Isso fez com que se criasse não só uma incerteza quanto ao fornecimento de urânio a Paris, mas também quanto ao seu encarecimento.
Indiretamente, explica Rutledge, o
Estado francês ainda controlava boa parte dos minérios nigerinos por ser dono da Somaïr e Cominak, subsidiárias da Orano, fazendo da atividade extremamente lucrativa.
"Primeiramente porque não pagavam tarifas para a exportação do urânio para a França; não pagavam impostos sobre os recursos materiais nem sobre as ferramentas utilizadas. Pagavam royalties de apenas 5,5%, um valor tão baixo que apenas a Austrália (o país com as maiores reservas de urânio do mundo) se equipara."
"Para ter uma dimensão do roubo, em 2010 a Areva [Orano] produziu o equivalente a 2,3 trilhões de francos CFA [da África Ocidental] […] [R$ 190 bilhões] de urânio no Níger, mas repassou apenas 300 bilhões [R$ 2,4 bilhões] para o país."
Dessa forma, a estratégia de diversificar suas fontes de urânio foi acelerada pelos acontecimentos no Níger, destacou Alencastro. "O Brasil aparece como importante peça nesse jogo da geopolítica energética", completou Rutledge.
29 de dezembro 2023, 19:05
França quer tirar vantagem indevida?
A situação atual da França encontra um paralelo histórico, ainda que menos extremo: a Guerra da Lagosta.
O momento histórico das relações internacionais do Brasil se deu após a França perder o controle de possessões coloniais na África, em especial a Mauritânia, e, com isso, perder acesso a regiões de pesca de lagosta.
De maneira a remediar isso, a França enviou uma missão comercial ao Brasil, interessada em realizar a pesca nas águas do Nordeste. Após negociações, permissão foi dada aos franceses, desde que estes se limitassem a três barcos e realizassem pesquisas sobre viveiros de lagosta.
No entanto a França, na época liderada por Charles de Gaulle, quis tirar vantagem da situação. Fiscais da Marinha do Brasil perceberam que as pesquisas não estavam sendo feitas e, em vez de três barcos, os franceses tinham quatro barcos pescando de maneira descontrolada.
A situação escalou ao ponto de que uma crise diplomática se instaurou entre os países. Barcos franceses apareciam na costa brasileira e eram expulsos pela Marinha. Em resposta, De Gaulle enviou contratorpedeiros para escoltar os navios pesqueiros franceses.
A Marinha do Brasil
enviou seus próprios contratorpedeiros e submarinos, e o conflito se aproximou da via militar diversas vezes, mas
a situação foi resolvida de maneira diplomática, com os navios franceses abandonando as águas brasileiras.
Para Alencastro, a tentativa de obter uma vantagem indevida é o
modus operandi da política externa francesa. No contexto atual, destaca o internacionalista, "Macron entabulou uma
tentativa de melhorar sua reputação, principalmente na África".
"O paradoxo dessa estratégia — ou talvez o sinal de que ela veio tarde demais — é que ela ocorre em um momento em que
muitos governos na África estão rejeitando seus antigos acordos com a França e
buscando novas parcerias."
"O Quai d'Orsay [chancelaria francesa], então, busca diversificar suas parcerias. Nesse processo, é provável que veremos elementos desse 'tratamento especial', que a França utilizava com seus aliados africanos, aparecendo em outros países."
20 de dezembro 2023, 10:00
O deputado Julio Lopes destaca que o Brasil é um dos únicos países do mundo que desenvolveram o enriquecimento do urânio na proporção de 20%. Dessa forma, mesmo que a princípio o país aja como um exportador do minério, ainda há como ter um grande nível de tecnologia envolvida.
"Nós deveremos fazer, por obrigação, uma sistemática em que a nossa exportação comece com o minério, mas acabe por nos permitir exportar o yellow cake, o combustível nuclear na sua versão mais importante."
Rutledge também ressaltou a importância dessa tecnologia desenvolvida nacionalmente.
"É extremamente estratégica a produção de urânio enriquecido para incrementar a produção de energia nuclear e reduzir a dependência de hidrelétrica e de termelétrica."
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