Em recente declaração, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que "estar no Mercosul nos protege" e classificou a
Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco como
uma forma de "blindagem" contra guerras comerciais.
Discurso que, segundo o professor
Matheus Pereira, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), se contrapõe diretamente às críticas do presidente argentino,
Javier Milei, que vem atacando sistematicamente o Mercosul e chegou a defini-lo como uma "cortina de ferro".
Para a pesquisadora Beatriz Bandeira, do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) e do Laboratório de Estudos sobre Regionalismo e Política Externa (LERPE), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), essa posição expressa a confiança do governo brasileiro em mecanismos multilaterais, ainda que haja divergências internas.
Na avaliação de Pereira, "o discurso do presidente Lula dirige-se fundamentalmente aos membros do Mercosul, notadamente à Argentina. O governo Milei tem atacado sistemática e agressivamente o bloco, chegando a defender a saída do país para firmar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos".
O professor destaca que a estratégia brasileira de ampliar parcerias com países asiáticos, como Japão, China e Índia, pode ser vista como uma resposta diplomática às pressões de Argentina e Uruguai por uma maior abertura, sem romper com a lógica da união aduaneira do bloco.
A proposta de reforçar a Tarifa Externa Comum e avançar em acordos como Mercosul-União Europeia e
Mercosul-Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA, na sigla em inglês) também se insere nesse contexto de reposicionamento, segundo Bandeira.
"Esses acordos inter-regionais tendem a posicionar os países do Cone Sul como atores globais relevantes, além de evitar que suas economias fiquem expostas a choques externos."
No entanto, ela pondera que as falas oficiais de Lula ainda enfrentam contradições práticas: "O discurso sobre o fortalecimento da tarifa, por exemplo, foi atravessado nos últimos meses pela ampliação da lista de exceções à TEC — solicitada pela Argentina e apoiada por Uruguai e Paraguai". Ainda assim, reconhece: "Milei sempre criticou o Mercosul, ameaçou sair do bloco, mas entende que estar no Mercosul ainda é melhor do que estar fora dele".
Quanto à aproximação com a Ásia, a pesquisadora vê uma mudança relevante. "O Mercosul passou muitos anos atrelado quase exclusivamente às negociações do acordo com a União Europeia e agora busca diversificar parcerias", explica. Segundo ela, o Brasil tem liderado esse esforço, apesar da cautela dos demais membros.
"O que tem direcionado um esforço maior de todo o Mercosul para a aceitação desses novos instrumentos é justamente a instabilidade provocada pelas guerras comerciais e as recentes políticas tarifárias dos Estados Unidos."
A agenda socioambiental também ganha impulso com a presidência brasileira no bloco. "O governo brasileiro quer 'atualizar' as pautas do Mercosul e não se limitar apenas à pauta comercial-econômica", afirma Bandeira, destacando que essa mudança está alinhada à política externa do governo Lula.
A expectativa é que a segunda etapa do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM II, no acrônimo em espanhol) e o plano de um "Mercosul verde" abram caminho para investimentos sustentáveis. "Essa também é uma forma de garantir investimentos em projetos que visam o desenvolvimento sustentável e a mitigação e adaptação dos países sul-americanos frente aos impactos das mudanças climáticas", afirma.
Ela ainda ressalta a retomada do projeto das Rotas de Integração Sul-Americana: "Essa retomada só foi possível pois o Brasil saiu da condição de inadimplência no fundo, que vigorava desde 2015".