Panorama internacional

Análise: ações de Trump escancaram 'imperialismo de dados' e necessidade de união informática do Sul Global

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista afirma que pluridependência no campo da tecnologia pode ser a arma para escapar da subordinação das big techs e reforçar parcerias em um mundo interligado.
Sputnik
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, taxou as exportações do Brasil em 50% no início deste mês, com tarifas oficializadas nesta quarta-feira (30). Como um dos motivos para o tarifaço, o mandatário norte-americano alegou "ordens de censura secretas e ilegais a plataformas de mídia social dos EUA" feitas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A briga entre STF e big techs — grupo das gigantes da tecnologia dos EUA — se estende há pelo menos um ano, quando o ministro Alexandre de Moraes decidiu bloquear o X no Brasil pelo descumprimento de decisões judiciais. Além do Supremo, o governo federal foi acusado pela Meta (cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas), no fim de maio, de buscar uma "censura privada" no âmbito da regulamentação das redes sociais.
O governo dos Estados Unidos também abriu investigações sobre o Pix, visando identificar supostas relações comerciais "desleais" do Brasil perante Washington.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Caio Almendra, cofundador do Instituto Brasileiro de Ciência de Dados (BI0S, em inglês), avalia que as atitudes norte-americanas recentes reforçam um imperialismo de dados, algo que já é apontado por parte da comunidade da tecnologia.

"O que esse caso do Trump demonstrou é que, sim, existe um processo imperialista na área de dados […]. Existe imperialismo de dados, existe imperialismo tech, e agora escancarou. A gente tem um avanço social com o Pix, que Trump quer derrubar para conseguir lucrar em cima das operações comerciais brasileiras."

Para Almendra, é necessário discutir a diferença entre ser parceiro ou dependente das big techs. O especialista acredita que uma forma de fugir dessa situação é construir ferramentas em conjunto com membros do Sul Global, criando assim uma rede de pluridependência.

"A gente deveria estar, inclusive hoje, não discutindo soberania nacional na questão de dados. A gente deveria ter uma ideia de Sul Global, […] de pluridependência, de todos se tornarem, juntos, partes de um elo, de um ecossistema. Retira esse nublado de 'Não, estou tendo apenas uma parceria de relação tecnológica'."

Em um cenário no qual a regulamentação das redes sociais causa irritação nas big techs, Almendra não acredita que essas empresas vão retirar todo o portfólio de produtos do Brasil. Por exemplo, uma descontinuidade do YouTube não significa que o Google vai parar de operar o Docs e o Drive por aqui.
Em outros casos, como o do WhatsApp (plataforma proibida na Rússia por extremismo), aplicativo de mensagens da Meta, o analista imagina que por um instante possa ser sentido um impacto caso o app seja removido. Entretanto, seria questão de tempo para que os brasileiros migrassem para outros produtos que oferecessem o mesmo serviço.
"Essa é uma dor muito transitória, muito rápida. Em coisa de poucos meses, o público consolida uma alternativa e passa a utilizá-la."
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O Brasil pode ter uma rede social própria?

Quando se fala de big techs, é comum associar o termo somente a redes sociais, ainda que estas sejam uma pequena parte do portfólio de uma gigante do setor de tecnologia. O modelo de negócio dessas empresas, inclusive, mudou ao longo do tempo: se antes o sucesso estava entre as plataformas de venda e na produção de hardware, como celulares e computadores, o que dá dinheiro atualmente são os dados dos usuários.
Em um primeiro momento, essas informações coletadas nas redes sociais eram destinadas ao marketing, visando atingir determinados grupos com publicidades direcionadas.
Já em um segundo momento, de acordo com Almendra, esses dados são utilizados, em especial, para o desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial. O especialista destaca que a maioria das soluções conhecidas de IA são justamente de empresas que possuem redes sociais com grande número de usuários.

"A correlação entre redes sociais e IA é muito forte. Se reparar bem, com a exceção da OpenAI, que foi quem desenvolveu a tecnologia em si […], a maioria das grandes IAs são de alguma forma ligadas a uma rede social porque elas produzem muitos dados sobre o comportamento humano, muitos dados sobre a cultura humana, e a IA é uma forma de produtificar a cultura humana."

Se as redes sociais têm um modelo de negócio tão rentável e, inclusive, são base para a inovação tecnológica do momento, por que o Brasil não investe em sua própria rede social? Para Almendra, a resposta é simples: faltará escala para o país.

"Você tem uma obrigação de ter escala; você não consegue ter uma pequena rede social. Por quê? Porque você só está em uma rede social onde outras pessoas estão. O valor da rede social é o outro usuário, não é você sozinho. Você pode utilizar uma ferramenta de busca que só você usa, você pode utilizar um site de contas que só você usa, mas você não pode utilizar uma rede social que só você usa."

O especialista destaca que a única alternativa para o Brasil ter uma rede social nacional com relevância seria em uma espécie de guerra com as big techs, parecida com a que houve na China e deu espaço para produtos locais, como o WeChat. Já quando a questão são parâmetros técnicos, para o analista não há dúvidas que o país tem mão de obra qualificada para tal empreitada, até mesmo para produção de uma IA própria, faltando apenas a destinação de verba.

"Essa ideia de que qualquer coisa é impossível em um país que paga o quanto paga, por exemplo, no Plano Safra, é insana. Não existe impossibilidade econômica. Existem dois fatores: tempo e recurso alocado. […] O Brasil tem uma capacidade de dados públicos muito grande. Você tem centralização de todas as decisões judiciais do Brasil em um único banco de dados. Mesma coisa com o SUS. […] Não falta oportunidade."

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