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Sanções sob fogo cruzado: especialistas questionam efeitos colaterais e eficácia de embargos dos EUA

© AP Photo / Marcio Jose SanchezManifestante põe fogo em bandeira americana durante protesto contra a desigualdade racial e a violência policial em Portland. Oregon, 27 de julho de 2020
Manifestante põe fogo em bandeira americana durante protesto contra a desigualdade racial e a violência policial em Portland. Oregon, 27 de julho de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 05.06.2024
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Sob a perspectiva de liderar a criação de uma zona econômica livre com dezenas de países para realizar comércio fora da alçada dos Estados Unidos, a Venezuela é um dos países mais afetados pelos embargos de Washington.
No entanto, especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil questionam a eficácia de tais bloqueios americanos que, por vezes, acabam apenas gerando mais impactos econômicos nos países, mas sem atingir objetivos políticos concretos.
Ricardo Fagundes Leães, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), afirma que o Ocidente usa justificativas de forma "dissimulada" para impor sanções, alegando violação de regras do direito internacional para se legitimar.

"Em vez de dizer abertamente que vai sancionar um inimigo, eles vão alegar que esse país está violando as regras do direito internacional. Eles sempre têm que buscar uma justificativa para se legitimar."

Leães observa que não há evidências de que sanções internacionais tenham levado a população a se revoltar contra seus líderes. "Não há indicativo de uma população que tenha se revoltado contra um governante por causa das sanções."
Por vezes, diz, "as sanções acabam provendo ao governante sancionado uma justificativa para as suas falhas", o que uniria a população contra os sancionadores.

O que são as sanções econômicas?

O professor de relações internacionais do Centro Universitário Internacional (Uninter), Rafael Pons, explica que as sanções são uma ferramenta antiga, comparando-as a práticas de bloqueio econômico usadas desde o século XIX, como o bloqueio continental de Napoleão.
Ele ressalta, no entanto, os impactos humanitários das sanções: "A população desses países que sofrem com as sanções são as mais afetadas."
Leães reconhece que as sanções podem dificultar a vida dos governantes e prejudicar suas aspirações políticas, mas destaca a capacidade dos países de se adaptarem aos bloqueios.
A Venezuela, exemplifica, teve sua economia afetada por não poder importar petróleo leve dos EUA, necessário para misturar com seu petróleo pesado. Isso, no entanto, incentivou uma aproximação com o Irã, segundo ele.
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Outra possibilidade é de fazer com que companhias estrangeiras não façam investimentos em território venezuelano, sob ameaça de cortarem as relações econômicas com os americanos.
Ainda assim, Leães destaca o impacto das sanções na hegemonia do dólar. "Os EUA, ao sancionar cada vez mais países, estão criando um cenário que talvez seja ruim para eles em médio e longo prazo, porque um dos pilares da hegemonia dos EUA no sistema internacional é a hegemonia do dólar", afirma.
Ele sugere que, ao sancionar mais países, Washington incentiva esses países a buscarem alternativas ao dólar para suas transações comerciais, potencialmente enfraquecendo a hegemonia americana no longo prazo.
O professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) Charles Pennaforte também afirma que as sanções tendem a prejudicar mais as populações dos países visados do que suas classes dirigentes ou governos.
"A minha opinião pessoal é que as sanções afetam mais as populações dos países do que realmente as classes dirigentes, o governo propriamente dito", afirma.
Pennaforte critica a continuidade das sanções ocidentais, considerando-as anacrônicas, especialmente no contexto pós-Guerra Fria. "A ideia de sanção perdeu totalmente o efeito, e o exemplo disso atualmente são as sanções ocidentais contra a Rússia. […] A ideia de [sancionar] Venezuela ou Cuba está inserida dentro da perspectiva da Guerra Fria", critica.
Ele reitera que tais bloqueios não são uma ferramenta eficaz de política externa. "Certamente está comprovado que elas não surtem efeito." E que, "com o surgimento do BRICS", há novas alternativas.
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O que está acontecendo com a economia da Venezuela?

O professor Ricardo Leães critica o impacto humanitário das sanções, citando casos na Venezuela, onde até a compra de medicamentos foi dificultada pelos Estados Unidos.
"Há registros de sanções de medicamentos que afetaram a população em termos de diabetes e outras doenças. Algo bem pesado que, em geral, não é muito comentado pela nossa imprensa."
A respeito da Venezuela, Pons ressalta a crise econômica que o país enfrenta devido às sanções. "As restrições ao comércio e o acesso ao financiamento internacional vêm prejudicando cada vez mais a economia venezuelana", explica.
Segundo ele, a possibilidade de a Venezuela fazer parte de uma zona de livre-comércio para driblar as sanções é "improvável" atualmente devido ao risco político e diplomático para os países que poderiam se envolver.
Apesar disso, potências como os países-membros do BRICS continuam a manter relações diplomáticas com Caracas e vem mostrando que há um caminho fora das sanções norte-americanas. Um exemplo é a Rússia que, mesmo sob fortes restrições, consegue manter relações comerciais com diversos países do Sul Global, preservando a sua economia.
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Qual é a situação econômica de Cuba?

Rafael Pons, professor de relações internacionais do Centro Universitário Internacional (Uninter), afirma que o embargo à Cuba, iniciado pelos EUA em 1962, foi uma resposta à crise dos mísseis, onde a União Soviética tentou instalar ogivas nucleares na ilha.
O embargo, segundo ele, foi militar e econômico, perdurando ao longo da Guerra Fria. Durante esse período, a União Soviética sustentou a economia cubana fornecendo petróleo, energia e outros suprimentos a preços baixos. "De certo modo, o socialismo cubano sobreviveu até a década de 1990 de uma forma relativamente mais assertiva."
Com o fim da URSS, Cuba precisou se adaptar, promovendo o turismo como uma forma de entrada de capital, inclusive, de acordo com o professor. Pons menciona sua visita à ilha em 2009, onde observou a criação de uma moeda exclusiva para turistas e os reflexos do embargo na infraestrutura cubana, que se tornou defasada em relação a outros países latino-americanos.
Pons também comentou sobre as tentativas de Barack Obama de suavizar o embargo em 2015, incluindo a reabertura de embaixadas e uma visita histórica a Cuba. No entanto, ele ressalta que o embargo é sustentado por leis do Congresso norte-americano.
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Como as sanções afetam a economia russa?

O professor também mencionou o efeito das sanções na cooperação entre países sancionados, como Venezuela, Irã e Rússia, que buscam alternativas econômicas e comerciais entre si.
Ele também destaca o exemplo da Rússia que, apesar das sanções, aumentou seu comércio com a China e encontrou maneiras de mitigar os impactos por meio de substituições de mercado.

"A Rússia tem resiliência para suportar esse processo, mas ainda assim vai estar sofrendo, de alguma forma, as consequências", afirma, sugerindo que, no longo prazo, as sanções poderiam até resultar em um sistema econômico global menos dependente do dólar, especialmente se Pequim e Moscou continuarem a desenvolver alternativas.

Ele diz que sanções contra Rússia, Irã, Venezuela, Cuba e Coreia do Norte não influenciaram na liderança desses países. "Temos inúmeros casos de sanções econômicas pesadas que não surtem efeito de modo algum."
Segundo ele, a economia russa conseguiu se manter estável, apesar das sanções. Ele também aponta para a emergência de novas coalizões como o BRICS como uma alternativa ao modelo de sanções imposto pelo Ocidente.
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Por que os EUA sancionam a Venezuela?

Thaís Jesinski Batista, gerente de projetos no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e pesquisadora no Observatório Político Sul-Americano (OPSA), destaca a diferença nas abordagens entre os governos de Donald Trump e Joe Biden em relação à Venezuela, relembrando a aproximação do democrata com o governo de Nicolás Maduro.
Segundo ela, durante a gestão Trump, as sanções contra Caracas se tornaram mais severas, enquanto com Biden houve uma tentativa inicial de aliviar essas restrições. No ano passado, os Estados Unidos chegaram a aliviar as sanções, em meio aos impactos no mercado do petróleo com a escalada do conflito na Faixa de Gaza, mas a decisão foi posteriormente revogada.
No entanto, Batista entende que a reintrodução de bloqueios por Biden não é tão severa quanto a administração anterior, republicana. "Ainda que tenha sido noticiado que as sanções foram recolocadas, na verdade, toda empresa que quiser fazer negócios com o setor petrolífero da Venezuela pode submeter um pedido ao governo estadunidense e eles avaliam e autorizam."
A pesquisadora ressalta que as sanções geram impactos sociais e econômicos: "Existe uma ampla literatura que relata que as sanções econômicas, na verdade, só geram prejuízos econômicos para a população."
Ela argumenta que o uso de sanções não é eficaz para resolver crises políticas e que o diálogo seria uma abordagem mais adequada.
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