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País que se coloca como Estado indígena, Bolívia fortalece discurso anti-imperialista no Sul Global?

© AP Photo / Juan KaritaMulher com protetor facial durante abertura do Carnaval em La Paz, Bolívia
Mulher com protetor facial durante abertura do Carnaval em La Paz, Bolívia
 - Sputnik Brasil, 1920, 20.08.2024
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Em meio a uma das maiores reservas mundiais de lítio e gás natural que atraem a cobiça de muitos países, a Bolívia tem focado as relações econômicas e diplomáticas nas últimas décadas com parceiros do Sul Global, a exemplo de Brasil, Rússia e China. Este ano, após anos de negociações, o país andino conseguiu selar a entrada no Mercosul.
Ainda era 2009 quando uma consulta popular aprovou a refundação da Bolívia como um Estado plurinacional. Na prática, a mudança significou a valorização e o reconhecimento da diversidade cultural e étnica do país andino, que é considerado o mais indígena da América Latina — mais de 60% da população se considera assim. Além disso, estabeleceu como lei a autonomia da população indígena e o direito à terra.
Tudo isso também aproximou ainda mais a Bolívia dos parceiros do Sul Global, mais ligados às pautas de um mundo justo e multipolar. É o que pontuou ao podcast Mundioka a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Regionalismo e Política Externa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LeRPE/UERJ) Ana Lúcia Gonçalves. Para a especialista, o país andino passou a ter uma política externa muito mais ativa quando comparado aos governos do início do século XXI, inclusive com posicionamentos firmes em entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).

"O pais utiliza bem uma estratégia, principalmente quando traz a China e a Rússia [como parceiras], o que contrapõe a política estadunidense [de domínio sob os demais países da América Latina]. Temos vários discursos tanto do Evo Morales [presidente entre 2006 e 2019] quanto do presidente Luis Arce, apesar de menos intenso, muito anti-imperialista e anticolonizador. Eles usam muito esses termos, principalmente por se colocarem como um Estado indígena. Então a política externa é pautada um pouco nisso também. E fazem muito um discurso pró-regional, que também aproxima esses outros dois países ao se contrapor à hegemonia regional dos EUA", resume.

A pesquisadora também pontuou que, após a estatização do setor de hidrocarbonetos do país, com foco principalmente no setor de gás natural, a Bolívia conseguiu reverter parte dessa riqueza em ganhos sociais. Entre 2005 e 2015, por exemplo, o índice de pessoas que viviam na pobreza extrema caiu de 36,7% para 16,8%.
"Os recursos naturais para o povo boliviano sempre foram muito importantes e, muito por isso, se estatizou, processo que foi muito importante para a melhoria do bem-estar da população. É claro que ainda tem muito o que melhorar, mas é inegável o avanço que ocorreu nesses últimos anos. Atualmente, o que tem acontecido é uma queda na produção de hidrocarbonetos, e o governo Arce tem buscado novos campos de exploração para voltar a girar a economia como anteriormente", explica.
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Por que o Brasil importa gás natural da Bolívia?

Principal fornecedor de gás natural para o Brasil e responsável por atender cerca de 30% da demanda nacional, a Bolívia chegou a admitir no ano passado que as reservas do país estavam próximas do fim, o que afetaria a importação para o país, que é o maior parceiro comercial na América do Sul. Uma novidade anunciada no último mês, no entanto, trouxe alento: um megacampo de gás natural com cerca de 1,7 trilhão de pés cúbicos (TCF) ao norte de La Paz.
Essa, inclusive, é a maior descoberta desde 2005, em meio à recente escassez de combustíveis no país, que quase levou a uma greve sem precedentes. O professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (NEL/UnB), Robson Valdez, ressaltou ao podcast Mundioka que o Brasil pode acentuar ainda mais a parceria com a Bolívia para apoiar a exploração e os investimentos na nova reserva descoberta.

"O Brasil é um parceiro estratégico quase natural, e já tem uma estrutura de gasodutos que trazem o gás ao país. Além disso, a Petrobras já participou desses investimentos. Tivemos aquele contratempo com a nacionalização dos hidrocarbonetos, mas eu diria que o Brasil é um candidato natural a ser um parceiro nessa exploração [do novo megacampo]. Também temos a presença da China, conversas da Bolívia com Irã, Rússia, então há uma competição. O leque de opções para o governo boliviano atualmente é um pouco maior", acrescenta.

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Qual a maior reserva de lítio do mundo?

Diante de uma reserva de mais de 23 milhões de toneladas de lítio, segundo estimativas do governo, a Bolívia é o terceiro país do mundo com maior abundância do mineral, atrás apenas da Argentina e do Chile. Crucial para as novas tecnologias, principalmente baterias usadas nos novos veículos elétricos, o professor Valdez considera que esse volume é atualmente o que mais desperta a cobiça estrangeira no país andino.

"O lítio é uma novidade, já que essas reservas foram descobertas há pouco tempo. Porém, a falta de infraestrutura, instabilidade política e acordos desfavoráveis prejudicam a redistribuição desses benefícios [econômicos conquistados com a exploração do mineral] para a população", enfatiza.

Apesar disso, a entrada do país no Mercosul neste ano, após anos de negociações e burocracias, também representa uma oportunidade maior para a Bolívia se integrar à América do Sul e atrair investimentos, defende o especialista. "Além disso, quase todos os países do continente possuem algum tipo de acordo de complementariedade econômica com o Mercosul, o que dá acesso à Bolívia para novos mercados e pode ajudar a diversificar a economia".

Instabilidade política na Bolívia

No fim de junho, a Bolívia sofreu uma tentativa de golpe de Estado após a invasão do palácio governamental por uma ala do Exército, liderada pelo então comandante-geral Juan José Zúñiga. Apesar do fracasso da rebelião, Robson Valdez acredita que a situação até hoje não está totalmente esclarecida e criou certa instabilidade política no país, que já convive com a disputa entre Arce e Morales, que rompeu com o seu antigo ministro da Economia e quer voltar ao poder.

"A grande disputa realmente vai ficar no partido Movimento Alternativa Socialista [MAS] entre o [Luis] Arce, que tem uma visão mais moderada, mais pragmática, e o Evo Morales, que tem uma visão mais crítica em relação ao fundo da economia. Para o grupo político como um todo, o necessário era a tentativa de encontrar um consenso para que as forças da oposição não pudessem se aproveitar dessa fissura que tem no MAS", finalizou.

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