- Sputnik Brasil, 1920
Panorama internacional
Notícias sobre eventos de todo o mundo. Siga informado sobre tudo o que se passa em diferentes regiões do planeta.

Escalada de violência na RDC tem raízes no genocídio em Ruanda, notam analistas

© AP Photo / Joseph KaySoldados do Exército da República Democrática do Congo durante uma operação contra rebeldes (foto de arquivo)
Soldados do Exército da República Democrática do Congo durante uma operação contra rebeldes (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 14.02.2025
Nos siga no
Especiais
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam o que está por trás da crise entre a República Democrática do Congo e Ruanda.
A ministra das Relações Exteriores da República Democrática do Congo (RDC), Thérèse Wagner, afirmou recentemente que as Forças Armadas ruandesas lançaram uma ofensiva sem precedentes no leste do país, o que representa uma violação da soberania e uma "declaração de guerra".
Tanto a RDC quanto a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam Ruanda de apoiar os rebeldes da milícia de etnia tutsi Movimento 23 de Março (M23), mas o governo ruandês nega. Por outro lado, ativistas acusam o Ocidente de estar por trás dos ataques à RDC.
Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Charly Kongo, professor de francês, refugiado há mais de 15 anos no Brasil, explica que o conflito atual começou há mais de 30 anos, como reflexo do genocídio em Ruanda, quando ruandeses da etnia tutsi foram massacrados por conterrâneos da etnia hutu. Ele afirma que, após o genocídio, tanto tutsis quanto pessoas próximas de hutus que participaram do massacre se refugiaram na RDC. Porém, entre os refugiados, também entraram no país muitos hutus que foram partícipes do genocídio.
"Então, a guerra é uma consequência do genocídio ruandês, do genocídio Tutsi, que aconteceu em 1994. E depois desse genocídio, a população, a etnia que foi em relação próxima com os genocidiários, fugiram para o Congo. [...] Foram mais de um milhão de refugiados que o Congo recebeu. Desde aquela época, em 1994, o Congo não está mais em paz", afirma.
Tropas do governo congolês são posicionadas fora de Goma, República Democrática do Congo, em 24 de janeiro de 2025, enquanto rebeldes do M23 estão se aproximando da cidade - Sputnik Brasil, 1920, 27.01.2025
Panorama internacional
Chanceler da RDC diz que suposta agressão de Ruanda é 'declaração de guerra'
Somado a isso, em 2009, ocorreu a formação do M23, segundo Kongo, com o apoio de Ruanda, que em 2022 lançou uma ofensiva contra a RDC, se aproximando da cidade de Goma, capital da província de Kivu do Norte. Na semana passada, a cidade foi conquistada pela milícia. Kongo afirma que a tomada de Goma pelo M23 foi feita com participação de soldados da Força Armada Ruandesa, e que a cidade foi justamente a que mais recebeu refugiados ruandeses após o genocídio.
"É uma cidade que foi conquistada apenas na semana passada por aquela milícia que se chama M23, junto com os soldados da Força Armada Ruandesa. Então, eles usam uma brutalidade muito forte contra a população local. Infelizmente, também o governo congolês não consegue organizar o Exército congolês para defender o país. E, também, a mesma cidade de Goma, que tem aproximadamente um milhão de habitantes [...] é a mesma cidade que também recebeu quase um milhão dos deslocados [de Ruanda]. [...] Não é uma coisa que começou ontem, não, que começou na semana passada, não. Já existe há muito tempo."
Ele afirma que há ainda a presença da milícia ruandesa Força Democrática pela Liberação de Ruanda (FDLR), formada por filhos dos hutus partícipes do genocídio que fugiram para a RDC. Essa milícia, afirma o especialista, é contra a nação ruandesa.
"Essa milícia que se chama FDLR, Força Democrática pela Liberação de Ruanda, é uma ameaça para o governo ruandês. Então, eles tentam eliminá-los e, por causa disso também, que eles também são um pretexto para o governo de Ruanda invadir o Congo.
Segundo Kongo, a guerra não é apenas étnica, mas por recursos naturais, como água e minerais como o coltan, muito usado na fabricação de celulares e computadores.

"O Congo tem uma reserva de 80% desses minerais [...]. Então, esse mineral [coltan] é muito precioso mesmo, muito importante para a fabricação das baterias de celular. Dizem que ele que regula a temperatura para a bateria não ficar muito quente. Então, é por causa disso tudo. Tem também a implicação dos países vizinhos do Congo, principalmente Ruanda, que desestabiliza o Congo para fazer o comércio ilícito desse mineral que é o coltan e outros minerais lá naquela região", afirma.

Veículo blindado de transporte de pessoal das Nações Unidas queima durante confrontos com rebeldes do Movimento 23 de Março (M23) fora da cidade de Goma, na República Democrática do Congo, em 25 de janeiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 28.01.2025
Panorama internacional
Crise no Congo: Itamaraty repudia ataques a missões diplomáticas em Kinshasa, incluindo a brasileira
Questionado sobre por que o conflito na RDC não tem presença ampla nos noticiários, como outros conflitos vigentes, Kongo afirma que "infelizmente, a África toda é esquecida".
"Poderia ser [em] Angola, poderia ser Zimbábue e tal, não ia fazer os grandes títulos dos jornais. Então é quase todos os países da África. Eu acho que o mundo ocidental é mais interessado no que toca no povo ocidental. Tipo assim, no Oriente Médio, se isso tem a ver com os israelenses, que a maioria tem essa cultura ocidental. Então isso mobiliza mais a impressa do Ocidente. O Brasil também tem essa visão ocidental, apesar de ser na América Latina. Então eu acho que é isso, é que a gente não é ocidental, então a gente não toca a sensibilidade de muitas pessoas."
A RDC é um país que historicamente tem dificuldade em manter o monopólio da violência, do ponto de vista de construção de Estado. É o que aponta ao podcast Mundioka o doutor Laurindo Tchinhama, professor substituto na Universidade Federal de Uberlândia, pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES), membro da Rede de Pesquisa em Paz, Conflitos e Estudos Críticos de Segurança (PCECS) e especialista em estudo de construção da paz e democratização pós-conflitos na República democrática do Congo.
"Quando olhamos a história do próprio Congo, do ponto de vista da construção do Estado, é um Estado que tem uma debilidade muito enorme de ter o monopólio da violência no país como um todo. [...]. Temos um país, então, que não consegue ter esse monopólio e isso vai levar a uma luta constante por domínio dessas regiões", explica.
Segundo ele, a disputa pelos recursos naturais do país levou à criação de mais de 100 milícias, além do M23 e da FDLR.
"Muitos grupos estão surgindo ao longo do Congo. Estimamos que tem mais de 100 grupos em redor do Congo, todos querendo uma parcela desses recursos naturais que são explorados de forma ilegal. Por outro lado, podemos também apontar, do ponto de vista da gestão pública, que muitos líderes políticos congoleses fazem vista grossa aos recursos naturais, são corrompidos por empresas multinacionais que, muitas vezes, exploram esses recursos de forma ilegal."
Bandeira da República Democrática do Congo pintada em muro no vilarejo de Walikale - Sputnik Brasil, 1920, 30.09.2024
Panorama internacional
ONU: rebeldes no Congo geram US$ 300 mil por mês com mineração ilegal
Questionado se há risco de a situação na RDC levar a uma forte desestabilização na África, Tchinhama descarta a possibilidade, embora ressalte que há países vizinhos da RDC preocupados com esse possível cenário, como o Burundi e a Tanzânia.

"Hoje, o Burundi tem mais de 10 mil soldados na fronteira com o Congo, justamente com esse medo de que ela vai ter violência. A Tanzânia também já tem um contingente militar [...] para justamente acompanhar o comportamento de Ruanda. Inclusive, o presidente do Burundi alegou que há uma possibilidade, sim, de uma guerra regional. E, por outro lado, Angola tem atuado também na região para mediar os conflitos, sobretudo nos processos de Ruanda."

Ele afirma acreditar que as negociações vão avançar, mas diz que para isso é preciso que haja um movimento ainda maior para além da região, com participação de atores internacionais.
"Podemos também colocar aqui atores internacionais, como a própria União Europeia, que é um grande parceiro de Ruanda, porque a União Europeia apoia Ruanda na missão em Moçambique, lá em Cabo Delgado. Então, Ruanda é um dos países que estaria na missão em Moçambique. Então, talvez algumas medidas também internacionais, algumas sanções contra Ruanda, ajudariam a evitar essa possível escalada. Mas claro que tudo isso vai depender de como vão decorrer as negociações", afirma.
Tchinhama lamenta que não haja um movimento internacional em prol da RDC, e diz que a vida da população do país é menosprezada pela comunidade internacional.

"A gente vê que alguns conflitos têm mais visibilidade, talvez por serem de países onde os interesses e as grandes potências são mais visíveis a olho nu, mas os países africanos também merecem esse destaque a nível mundial e também uma ação internacional de maneira mais categórica e firme."

Logo da emissora Sputnik - Sputnik Brasil
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!

Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.

Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).

Feed de notícias
0
Para participar da discussão
inicie sessão ou cadastre-se
loader
Bate-papos
Заголовок открываемого материала